Como se fosse uma brincadeira de roda, uma criança segura a mão da outra e a canção que entoam é repetida várias vezes. A cada repetição, um novo participante entra na dinâmica da parlenda, que se repete adicionando novos elementos à narração até que todos os participantes estejam na roda e a história tenha um desfecho. É seguindo esse ritmo progressivo que se estrutura O rato que roeu o rei (Editora A União, 24 páginas, R$ 25), do escritor paraibano André Ricardo Aguiar. O premiado livro infantil, que une o arranjo literário de uma ciranda ao conto folclórico de O Flautista de Hamelin será lançado hoje, no Dia Nacional do Livro Infantil, a partir das 18h, na Livraria A União, no Espaço Cultural, em João Pessoa.
Na história, tudo começa com um “era uma vez” seguido por uma praga de ratos que rouba a tranquilidade de um reino. É nesse momento que um feiticeiro é chamado para resolver o problema sanitário através da convocação da invasão de uma numerosa gataria. A solução se torna um problema que é solucionado apenas quando se atrai uma matilha ainda maior para fustigar os gatos. O sufoco causado com a proliferação de cães e suas pulgas só é sanado com a intervenção de todos os lobos, raposas e hienas da floresta. Bom, esse é o início de um fio que dá nós enquanto se desenrola. Devido ao grau de similaridade com as fábulas de contos de fadas, o texto já chegou a ser adaptado para o teatro de marionetes e para inúmeras contações de histórias.
“Eu quis dar uma versão dos fatos nessa história envolvendo situações complicadas no reino. Na verdade, queria passar a ideia para as crianças que um problema resolvido pode gerar outros. Há uma sequência de situações em que o rei precisa lidar com uma praga de animais e que começam a ficar mais complicadas”, explica o poeta e ficcionista André Ricardo Aguiar. Natural de Itabaiana, no Agreste paraibano, o autor escreveu O rato que roeu o rei em 1999, quando ganhou o Prêmio Novos Autores Paraibanos, promovido pela UFPB. Depois disso, o texto ganhou projeção nacional a ser publicado também pela Rocco. Com a retomada dos direitos da obra, ela agora chega à Editora A União com um novo formato, ampliado e com novas ilustrações criadas por Tônio.
Uma influência confessa de seu estilo literário, quando escreve para o público infantil, é a poesia, que chegou bem antes na vida profissional de Aguiar. “Essa tendência do ritmo e da musicalidade, mesmo uma rima mais sutil que está no livro – apesar de ser prosa –, o livro pega muito esses elementos da poesia. A criança gosta de um certo ritmo e a própria contação do livro envolve a repetição e a criação de imagens que são próprias dos poemas. A experiência de poeta foi para a escrita do ‘rato’”. Mas a influência maior e anterior ao desenvolvimento de qualquer técnica de escrita literária é mesmo a que André Ricardo Aguiar teve enquanto leitor nos primeiros anos de vida.
O exemplo vinha de seu pai, que tinha uma biblioteca, e da paisagem agreste de sua terra natal. Duas janelas que se abriram a um universo de imaginação por meio de livros como Menino de Engenho, de José Lins do Rego, e O Pequeno Príncipe, do francês Antoine de Saint-Exupéry – que ele levava sempre consigo. Apesar de serem obras de gêneros e contextos diferentes, ambas possuem protagonistas que se expressam por visão profunda e sensível do mundo, enxergando-o de forma mais poética e criativa que os adultos. Mesmo solitários, tanto Carlinhos quanto o pequeno príncipe buscam compreender as relações humanas e as diferentes formas de poder que os oprime. Para isso, eles usam a arte como forma de resistência. O Pequeno Príncipe busca o sentido da vida através da busca pela beleza e pela poesia. O menino de engenho tem uma sensibilidade artística que se manifesta através da sua admiração pela natureza, pela poesia e pela música.
“São universos distantes, mas que complementam com uma visão da nossa terra e da situação do menino que eu também fui ao morar tanto tempo no interior, e da imaginação tão pungente d’O Pequeno Príncipe”, resume o escritor. “A base da formação de um leitor é a literatura infantil, que vai influenciá-lo pelo resto da vida. Esse período de leitura da criança é um dos mais importantes, por isso é necessário tratar a criança de modo inteligente e que o texto faça com que ela questione coisas e que desenvolva o amor pela palavra. Eu dou o máximo para que o texto soe provocativo, gostoso e seja uma semente para que ela procure mais livros, mais leituras”, acrescenta Aguiar. “Quando escrevo para criança, estou escrevendo como se estivesse fazendo para um adulto: com o mesmo grau de dedicação, trabalho com a linguagem e mesma escolha de palavras. Eu os trato de forma igual. O mesmo impulso criativo eu coloco dos dois lados”.
O autor destaca ainda o incentivo da professora aposentada de Literatura da UFPB e especialista em literatura infantil e juvenil, Neide Medeiros, que estará presente no evento de hoje. Outra motivação para a criação da obra foi a filha do autor, então com cinco anos de idade quando o texto foi escrito, e os animais que residem com os seres humanos, a quem é dedicado o livro. “A gente se reconhece nos animais. Pessoas que criam cachorros e gatos, descobrem situações que lembram a gente: o carinho, a atenção e a vigilância. É um jogo que faz com que criar um animal nos torna melhor também”, acredita o autor de O rato que roeu o rei.
*Matéria publicada na edição impressa de 18 de abril de 2023.