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Vibrações do poder sonoro feminino

publicado: 28/11/2023 09h25, última modificação: 28/11/2023 09h27
Hoje, em João Pessoa, edição do Palco Tabajara traz o som da cultura popular do grupo As Calungas e o forró tradicional da banda Os Fulano
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Nos 10 anos de atuação, As Calungas não é apenas um grupo de percussão formado só por mulheres: elas também promovem uma série de pesquisas e oficinas gratuitas para fortalecer o vínculo feminino com a música - Foto: Fernanda Amaral/Divulgação

por Joel Cavalcanti*

Um grupo de percussão formado só por mulheres e um grupo de forró tradicional formado por músicos de excelência. É dessa mistura de As Calungas e Os Fulano que será feito o Palco Tabajara de hoje, que acontece gratuitamente às 20h, na Usina Cultural Energisa, com transmissão ao vivo pela Rádio Tabajara e YouTube da emissora.

Dizer apenas que As Calungas é um grupo de percussão é contar só a parte mais visível de sua expressão artística. Nesses 10 anos de atuação, uma das maiores contribuições d’As Calungas foi aproximar a mulher dos instrumentos percussivos através de oficinas gratuitas, das quais quase 500 delas já aceitaram o desafio de assumir alfaias, congas, pandeiros, caixas, timbales, agogôs e ganzás. “Também pesquisamos os ritmos da cultura popular e fazemos questão de colocá-los para que as pessoas não percam esses ritmos, para que eles não sejam engolidos. Nosso trabalho é bem focado na cultura popular e bem direcionado às mulheres, chamando-as para essa luta”, afirma Juliana Ribeiro, que integra o grupo desde 2014.

Além de tudo isso, As Calungas são também a sua identidade visual e as pesquisas que realizam. Com saias de chita e muita dança, as apresentações são voltadas para os ritmos do maracatu, ciranda, coco de roda e ijexá. “Tudo baseado nos nossos mestres daqui da nossa região da Paraíba, do Nordeste”, reforça Ribeiro. “É muito importante a questão das pessoas identificarem a cultura, não só ali no toque, mas através da dança, através da vestimenta, das músicas que são colocadas. A população em geral não tem tanto contato para aprender a tocar esses instrumentos. Também não tem o costume de escutar e identificar esses ritmos. Uma turma que está participando passa a conhecê-los, passa a saber que existe cultura popular”.

O grupo mesmo é formado por oito mulheres: Lau capim (voz e Agbê), Cássia Guimarães (voz e ganzá), Karla Maria (agogô, gonguê e ganzá), Mel Vinagre (alfaia e pandeiro), Juliana Ribeiro (alfaia e congas), Priscilla Fernandes (congas e alfaia), Del Santos (caixa e timbal) e Monalisa Lira (agbe e alfaia). Essas oito se multiplicam e As Calungas viram ainda um bloco carnavalesco. Desde 2015, cerca de seis meses antes do Carnaval, elas começam a promover as oficinas de percussão. “Somos um bloco independente, feito só por nós oito, sem patrões, sem patroas, sem patrocínios, infelizmente. Mas a nossa transformação foi essa, foi essa luta de nós oito mesmas”, ressalta Juliana. Para integrar o bloco, os únicos pré-requisitos são ser mulher e ter acima de 16 anos.

No Palco, elas vão apresentar um repertório completamente autoral, destacando canções como ‘Morena Bonita’, ‘Menininha do Xerém’, ‘Tem calunga chamando’, ‘Eu saúdo a mulher’, ‘Gratidão’, ‘Mirante’, ‘Canto Sagrado’ e ‘Tesouro’. “Foi esse compromisso que nós assumimos entre nós oito, de segurar essa onda, de ver que o que estávamos fazendo tinha importância. Cada ano a gente se assusta pela demanda, mas, em compensação, a gente fica muito surpresa com o resultado e vê que é possível, sim, quem quer fazer alguma coisa pela cultura, se movimentar, juntar forças”, conclui Juliana Ribeiro.

A outra atração da penúltima noite desta edição do Palco Tabajara tem em sua escolha rítmica a chave para alcançar o público paraibano. Com 12 anos de criação, Os Fulano já marcou seu nome entre os grupos de forró mais importantes do estado. Uma reputação criada pela produção musical e pelo talento de seus instrumentistas. Eles se apresentam logo mais com a formação clássica: Lucas Dan (sanfona), Jader Finamore (cavaco), Betinho Lucena (voz e triângulo), Ítalo Artur (baixo), Cassicobra (percussão) e Novinho (zabumba). O repertório será todo centrado em músicas presentes nas gravações Forrobodó Parahyba (2015), Etá Forró (2017) e Rojão, álbum visual lançado recentemente.

Mas produzir forró com sucesso na Paraíba não é tão simples como se poderia intuir. “A realidade não é tão bonita como deveria ser. Nós trabalhamos muito até hoje para criar um público legal, mas nem todas as bandas de forró tradicional conseguem isso. O público existe e quer consumir o forró, mas a grande mídia e a indústria da música apostam em outros sons. Nós estamos trabalhando na ideia de manter a nossa origem e se aproximar da realidade atual utilizando artifícios que possibilitam isso, desde a estética sonora até o formato dos shows produzidos por nós”, explica Betinho Lucena.

Entre esses artifícios estão o uso em algumas músicas de beats eletrônicos, sintetizadores e instrumentos incomuns no forró, como o derbak e o djambé. Os Fulano fazem isso sem modificar a sua essência sonora. “A música, assim como tudo no mundo, passa por evolução. E isso é um processo contínuo. Nós somos conscientes de que o forró nunca saiu da grande cena, porém passou por mudanças. E isso não quer dizer que todos os artistas ou bandas precisam seguir a mesma linha musical que a mídia coloca para o povo”, confirma Lucena. Essa consciência do grupo só é atingida devido ao talento dos músicos de diversas referências.

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Com 12 anos de estrada, Os Fulano terão um repertório centrado nos discos ‘Forrobodó Parahyba’ (2015), ‘Etá Forró’ (2017) e ‘Rojão’, álbum visual lançado recentemente - Foto: Ana Moraes/Divulgação

“Cada um que integra Os Fulano vem de uma escola na música e na arte. Conseguimos fazer um mix de forró tradicional, choro, manifestações culturais, música armorial e música eletrônica. Quando tudo isso é misturado, o som chega num perfil próprio, que tem ali presente um pouco de cada um de nós”, acrescenta o vocalista do grupo.

Com essas escolhas, Os Fulano conseguem criar algo natural e com identificação com seu público, levando a banda a atingir resultados significativos. A história do grupo é marcada pela realização de turnês no Sudeste com participação em festivais e em casas importantes na cena do forró, como o Canto da Ema e o Remelexo Brasil. Neste momento eles se preparam para outro grande passo, a primeira turnê internacional, que acontecerá em dezembro, passando por Portugal, Alemanha, Espanha e Suíça. “Vivemos num contínuo ciclo de aprendizado. Tudo que fazemos gera um conteúdo que soma a nossa experiência. Hoje estamos vivendo um momento de muita troca de saber. Isso é legal, pois levar conhecimento através da arte torna o processo mais leve. Já estamos mais maduros na vida e no som”, finaliza Betinho Lucena.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 28 de novembro de 2023.