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Memória

Vital Farias deixa legado na expressão de trovador

publicado: 10/02/2025 09h50, última modificação: 10/02/2025 09h50
Amigos e admiradores do músico falam sobre seu talento e suas histórias

por Daniel Abath*

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Autodidata do violão, Vital Farias é dono de grandes composições como “Ai que saudade d’ocê”, em álbuns como Canção em Dois Tempos (1978), Taperoá(1980) e Sagas Brasileiras (1982).

Com a morte de Vital Farias, na tarde da última quinta-feira (6), fica não apenas a dor da perda, mas um sentir preciso que faz recordar a saga brasileira de um dos maiores compositores da Paraíba. O multiartista taperoense, caçula de 14 irmãos, autodidata do violão e dono de grandes composições, como “Ai que saudade d’ocê”, em álbuns como Canção em Dois Tempos (1978), Taperoá (1980) e Sagas Brasileiras (1982).

Música e Teatro

Cátia de França evocou o músico em memórias resgatadas com afeto e detalhes que ilustram esse momento de sua trajetória na banda Os Quatro Loucos, no começo da carreira. “Eu sempre fui cria da rua do Mercado Central com a Almeida Barreto. A escola de minha mãe era ali perto e eu assistia as bandas de rock da alta e da média que faziam leituras das bandas da época”, relembra, descrevendo os primeiros contatos com o músico. “Tinha a turma de Zé Ramalho, em cima de Beatles e Rolling Stones, e tinha Os Quatro Loucos, que era Vital na guitarra base”, conta.

De acordo com Cátia, os ensaios aconteciam na Rua da Palmeira, onde morava Dona Alaíde, mãe de Golinha, outro membro do grupo. “Depois, o Vital começou a frequentar a minha casa, amigo de um namorado meu, Sérgio Pires”, relata.

A personalidade cativante de Vital é destacada: “Ele era sempre muito espirituoso, engraçado. Sempre divertido”. A amizade perdurou mesmo com os caminhos distintos que cada um seguiu.

Mesmo sem ter a mesma aproximação de Cátia com o artista, o cantor e compositor Adeildo Vieira afirma a exuberância de uma obra reconhecida nacionalmente. “Vital chegou aos quatro cantos do país, cantado por tanta gente. Na condição de ouvinte, o que me impressiona na obra de Vital é o seu violão, com uma pegada de violão clássico, que traduz, dentro do cancioneiro popular, entra na seara da expressão do trovador, a mesma criada por Elomar, Xangai, que é tão bonita e que fala tanto de nós”.

Adeildo destaca duas obras que considera muito bonitas, com muita força política e social: “Saga da Amazônia”, uma canção que luta pela preservação do meio ambiente, e “Saga de Severinin”, voltada para o êxodo rural, ambas do disco Sagas Brasileiras. “As melodias dele são de uma beleza estonteante, trabalhando melodias que vão no fundo da alma e são poeticamente muito bem resolvidas. Eu sempre ouço elas duas”, enfatiza.

Vital Farias também dava aulas de violão no início da carreira. Foi, inclusive, o primeiro professor do instrumento de Pedro Osmar e Paulo Ró, no período curto em que os irmãos passaram naquela que hoje é a Escola Estadual de Música Anthenor Navarro. “Começamos a tocar as músicas, mas conversávamos muito fora do ambiente de aula. Foi muito bom para a gente, porque começamos a lidar mais com ele”, lembra Paulo.

O bom humor citado por Cátia também foi enfatizado pelo músico Paulo Ró: “Ele sempre foi muito engraçado. Lembro quando ele disse: ‘Esse negócio de aula de escola é muito complicado, porque você tem que dizer ao aluno qual a forma certa de tocar o instrumento. Eu acho que o camarada tem de tocar do jeito que gosta’. Lembro muito dessa liberdade que ele nos dava”.

Houve um show em que Paulo tocou percussão e Pedro Osmar, viola, juntos com Vital. Depois dessa época, Farias viajou para o Rio e Ró perdeu o contato, acompanhando, no entanto, os discos que ele gravava ao longo dos anos.

Outro contemporâneo da obra de Vital, o compositor Jaiel de Assis, membro do Jaguaribe Carne, lembra de ter participado de uma edição do Festival da Música Paraibana com uma música selecionada que foi censurada pela Ditadura Militar, porém notada por Vital. “Ele conheceu a música e gostava muito dela. Depois a gente teve uma proximidade maior num festival organizado por Carlos Aranha, de Carnaval”, destaca.

O fato de Vital ter levado Pedro Osmar, ainda muito jovem, para o Rio de Janeiro, foi algo marcante para Jaiel: “Levar Pedro para o Rio, apresentando ele para o mundo artístico da época foi extraordinário. Quando levou Pedro para lá, ele deu uma contribuição extraordinária para a música da Paraíba”, atesta.

Vital Farias não se limitou à música. Sua atuação no teatro também é lembrada, especialmente quando foi convidado por Chico Buarque para participar da peça Gota d’Água. Além disso, Cátia, Vital e Pedro Osmar também participaram naquela época do espetáculo Lampião no Inferno.

“Já que não tinham dinheiro para uma banda de dez, 12, botaram nós três que tocávamos várias coisas —corda, sanfona, percussão — e a gente não se largou mais. Ele só saiu de junto da gente quando Chico chamou para o Gota d’Água”, conta Cátia, lembrando que o cantor sempre foi muito teatral: “Ele nasceu para aquilo”.

Cátia queria ter gravado “Nave mãe” com Vital, mas nunca chegou a registrar nenhuma coparticipação com o compositor. Admira, em especial, o feat entre Vital, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Elomar, nos dois volumes de Cantoria. “Não tenho a ousadia de fazer ‘Saga da Amazônia’, mas já vi uma grande interpretação de Oliveira do Crato, um cantador chucro. Uma coisa fantástica, visceral”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 08 de fevereiro de 2025.