O então menino Maurício Pinheiro Reis sofria bullying constante por conta de seu aspecto franzino. “Dá até para ver o coração batendo”, diziam. Mas foi justamente por meio de um apelido preconceituoso (e conquistado ainda na infância) que o artista fluminense, já adulto, consolidou sua trajetória como cantor e compositor. Biafra, conhecido por hits como “Sonho de Ícaro”, faz show, hoje, em João Pessoa, dentro do projeto Seis & Meia (diferente de seu tradicional dia de apresentações na capital). Será a partir das 18h30, no Teatro Paulo Pontes do Espaço Cultural (Tambauzinho). Os bilhetes estão disponíveis no site Ingresso Digital e custam de R$ 70 (meia) a R$ 140 (inteira). Quem abre a noite é a banda Som D’Luna.
O repertório de Biafra conta com sucessos acumulados em quase 50 anos de carreira, a exemplo de “Leão ferido” e “Seu nome”. Mas essa trajetória vai além do trabalho como intérprete, passando, também, por seu ofício como autor. Para Roberto Carlos, por exemplo, compôs “Mudança”, parceria com Aloísio Reys e Nilo Pinta, que o “Rei” gravou em 1991. Transpôs para o português uma música do italiano Lucio Dalla, produzindo, então, “Caro amigo”, incluída em álbum de Ney Matogrosso, lançado em 1988. No mesmo ano, outra de suas versões transformou a adolescente Angélica numa recordista de vendas de discos: “Vou de taxi” garantiu 1,2 milhão de cópias; esta e “Caro amigo” foram coescritas com Aloísio.
Em entrevista para A União, Biafra revela que, quando compunha para estes e outros cantores, procurava dosar e associar, em alguma medida, o seu estilo autoral ao dos intérpretes. A pluralidade de gêneros que povoavam as emissoras de rádios e as lojas de discos eram um incentivo para que ele pudesse exercer uma maior liberdade criativa.
“Naquele tempo, a gente compreendia mais ou menos os artistas e o que a gente poderia mandar para eles. E até o que poderiam até gostar. E, às vezes, a gente acertava. Mas tinha um termômetro. Tinha como você mandar. Hoje em dia a gente não sabe. Não sabe nem que artista está em qual lugar. O Brasil está dividido em bolhas”, sustenta.
Biafra afirma que a internet tanto beneficia quanto prejudica o artista. Entre aquilo que há de positivo, ele alega que graças à promoção de seu trabalho nas redes sociais e aplicativos de música tem turbinado o alcance de sua obra, inclusive os chamados “lado B”.
“Mas as pessoas que querem ser visíveis têm de estar nas plataformas. Um amigo meu falou assim: ‘Reparou que essa coisa da internet virou o jabá oficial?’ O jabá era aquilo que se pagava na rádio para tocar música. E o que se paga na internet para a música ter visibilidade é como se fosse um jabá. Só que esse ‘jabá’, hoje em dia, é oficial. Antigamente era por debaixo do plano”, aponta.
O artista lembra que aquela sua magreza na juventude, fez com que ele fosse comparado às crianças africanas, vítimas das guerras civis no continente, especificamente na região de Biafra, na Nigéria — daí o apelido. De modo a diminuir, no presente, as associações com tais mazelas, ele chegou a alterar seu nome artístico para Byafra, com “Y”, mas logo voltou a grafar com “I”.
“Um dia, minha mãe foi procurar por Maurício no colégio. E ninguém conhecia. Quando ela falou ‘Biafra’, todo mundo perguntou: ‘Por que a senhora não falou isso antes?’ Eu usei esse nome, nos palcos, porque não daria para, àquela altura do campeonato, me chamar de Maurício”, recorda, rindo.
Principais discos / comentados pelo cantor
Primeira Nuvem (1979)
LP de estreia do cantor, que garantiu a sua primeira participação em uma trilha sonora de novela – “Helena”, faixa-tema de Marron Glacê. O catálogo da gravadora CBS contava, na época, com o campeão de vendas Roberto Carlos, mas investia com frequência em artistas estreantes e nordestinos. Amelinha e Elba Ramalho, por exemplo, assinaram seus contratos um pouco antes de Biafra: “A CBS era conhecida, inclusive, como ‘Cearenses Bem Sucedidos’. Tive a oportunidade de conhecer essas pessoas e fiquei muito amigo deles. E até hoje sou fã do Zé Ramalho, do Fagner. Fiz alguns shows abrindo os shows deles. Foi um grande momento da nossa música”.
Despertar (1981)
Espécie de “tudo ou nada” para Biafra, que estava sendo cobrado pela CBS quanto aos resultados comerciais. O projeto mescla composições autorais e outras cedidas por ases da MPB, como Guilherme Arantes (“Qualquer estrada”) e Telo e Márcio Borges (“Voa, bicho”) Mas os destaques são os dois sucessos radiofônicos que tiveram o toque do fluminense Dalto: “Leão ferido”, seu maior êxito até então, e “Vinho antigo”, com letra de Claudio Rabello. O esforço não foi em vão: “Eu falei, Lincoln (Olivetti), você tem que fazer um puta arranjo, porque se essa música não for um sucesso, estou fora da gravadora. E ele fez aquele trabalho, que é elogiado até hoje, internacionalmente”.
Existe uma Ideia (1984)
Como recém-contratado da Ariola (cujo catálogo pertence, hoje, à Universal Music), Biafra logrou êxito com “Sonho de Ícaro”, uma de suas canções-assinaturas, composta por Piska e Claudio Rabello. O projeto conta com parceiros célebres, a exemplo de Mayrton Bahia, que co-escreveu a faixa-título, e Lulu Santos, que musicou “Pra se levar a vida”: “O Mazzola me apresentou ao Piska. ‘Faz o disco com ele, que você não precisa de um produtor para dizer o que você tem que gravar. Você precisa de um músico para trabalhar junto com você’. Sou muito agradecido também a ele por o que essa canção acabou sendo. O Cláudio fez a letra de ‘Ícaro’, aproveitando os agudos da música”.
O Sonho Deve Ser (1985)
O álbum foi nomeado graças à faixa homônima, versão em português para “Everybody has a dream”, de Billy Joel. Aqui, Biafra seguiu nas paradas de sucesso com o compacto “Seu nome”, composição em parceria com Piska que fez parte da novela A Gata Comeu (1985). O artista revela que não houve cobrança, externa ou dele mesmo, para produzir algo com o mesmo impacto do LP anterior: “O Mazzola era um cara que tinha consciência. Ele sabia que outro ‘Sonho de Ícaro’ seria impossível. Então, a gente apostou numa música romântica para trabalhar. A novela sempre foi muito importante, como eu, porque todas elas tinham que ter uma música de amor para algum tipo de casal”.
Salomé (1991) e Mulheres de Areia (1993)
Dois dos maiores sucessos de Biafra, nos anos 1990, foram lançados nas trilhas sonoras de duas novelas: “Te amo”, em Salomé (1991), e “Fantasia real”, em Mulheres de Areia (1993). Esta última foi composta para ser tema de Tonho da Lua (Marcos Frota): “‘Fantasia real’ é de Danilo Caymmi e Dudu Falcão. Mariozinho Rocha (produtor) estava querendo um intérprete e aproveitou o sucesso de ‘Sonho de Ícaro’ e de outras músicas, que falavam de sonho. Deu super certo. E eu acho Mulheres de Areia uma das melhores novelas da Globo”.
Através deste link, acesse o site para compra de ingressos
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 4 de novembro de 2025.