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Zé Katimba vira samba-enredo

publicado: 12/05/2023 09h24, última modificação: 12/05/2023 09h24
Sambista paraibano, atual campeão carioca com a Imperatriz Leopoldinense, será o grande homenageado da São Clemente no Carnaval do próximo ano
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No alto dos seus 90 anos, o guarabirense terá sua trajetória contada no desfile na Marquês de Sapucaí com o samba ‘Que grande destino reservaram pra você’ - Foto: Roberto Guedes
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Neste ano, no desfile da Imperatriz, escola que ajudou a fundar - Foto: Acervo pessoal/ Instagram
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Zé Catimba - Arquivo Pessoal.jpg

por Joel Cavalcanti*

‘Que grande destino reservaram pra você’. É com esse enredo em homenagem ao paraibano Zé Katimba que a escola de samba carioca São Clemente vai desfilar no Sambódromo da Marquês de Sapucaí do Carnaval de 2024. A frase foi retirada de um dos sambas-enredos mais importantes da história, Martim Cererê, composição do guarabirense de 90 anos, em 1972, para a Imperatriz Leopoldinense, escola que ele ajudou a fundar. A letra, em que o autor dos versos tem a intimidade de tratar o Brasil como um menino, agora se volta para contar o que destino reservou a criança que com 10 anos foi para o Rio de Janeiro viajando de forma clandestina em um navio para mudar a estrutura do carnaval carioca, modernizando os temas e suas roupagens.

“A gente batalha tanto e depois de tanta luta ser reconhecido, é prazeroso demais. É uma coisa que serve para a história do samba no Brasil. Humildemente falando, isso é muito importante para mim e para a nossa Mãe Paraíba”, considera o sambista autor de canções como ‘Disritmia’ e ‘Tá delícia, tá gostoso’, ‘Me faz um dengo’ e ‘Bandeira da fé’. Zé Katimba recebeu a notícia que a escola de Botafogo havia decido contar sua vida na avenida através do jovem carnavalesco Bruno de Oliveira. É ele quem ficará responsável por transformar a história de Katimba em harmonias, adereços e alegorias. Agora, vários compositores se juntarão em uma disputa para a escolha do samba-enredo da escola da Série Ouro, a segunda divisão do Carnaval carioca.

Zé Katimba é o único fundador vivo da agremiação verde e branco de Ramos e, neste ano, celebrou o nono título da Imperatriz Leopoldinense, que venceu o Carnaval depois de um jejum de 22 anos ao trazer um enredo de exaltação da cultura nordestina na controversa figura de Lampião, o “Rei do Cangaço”. Katimba garante que o anúncio da homenagem da São Clemente não causou quaisquer ciúmes em sua escola de coração. “A Imperatriz está muito feliz, mandando mensagem e dando forças. Esse enredo teve 100% de aprovação, e isso é a primeira vez que acontece”, garante o sambista. O paraibano já havia sido enredo da Império de Arariboia, de Niterói, e da Malandros do Morro, em João Pessoa.

No Sábado de Carnaval, a São Clemente será a sexta escola a entrar na Sapucaí. Ao invés de contar seu enredo de forma cronológica, Zé Katimba deve vir como destaque nos primeiros carros alegóricos. No último, estará uma criança segurando na mão de Josefa e João, representando os pais de José Inácio dos Santos, o Zé Katimba. “Tudo que está acontecendo ali será visto por uma criança porque ‘que grande destino reservaram pra você’ foi dito por uma cigana a ela. O desfile vai mostrar o menino vendo, quando ele saiu de Guarabira, tudo que aconteceu com ele”, adianta Zé Katimba.

“Só o amor dá nobreza”

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Neste ano, no desfile da Imperatriz, escola que ajudou a fundar - Foto: Acervo pessoal/ Instagram

A São Clemente é conhecida por trazer enredos politicamente engajados. Em 2020, por exemplo, ficou famosa a imagem do humorista Marcelo Adnet com uma fantasia em referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro fazendo flexões no alto de um carro alegórico. Essa inclinação da escola deve garantir que o fundador da Imperatriz Leopoldinense, famosa por cantar ‘Liberdade, Liberdade! Abra as asas sobre nós’, tenha contado também sua resistência contra a ditadura civil-militar. A liderança na agremiação do bairro de Ramos levou Katimba para a prisão, onde permaneceu por cerca de seis meses por causa da música ‘Bandeira da Fé’. O paraibano também costumava oferecer a quadra da escola de samba para que estudantes e professores de esquerda pudessem se reunir e se esconder da repressão.

O Carnaval de 2024 será simbólico também devido à comemoração dos 40 anos da Sapucaí e aos 90 do homem que representa a exaltação de todos os compositores de samba-enredo e dos poetas negros que são responsáveis pela musicalidade de um dos maiores espetáculos populares do mundo. Desde então, muitos artistas já representaram Zé Katimba, como o genial Grande Otelo na telenovela Bandeira Dois, de Dias Gomes. Outros tantos interpretaram suas mais de 800 composições gravadas, entre eles figuram parceiros como Martinho da Vila, o mais constante há mais de 40 anos, mas que se somam a nomes como João Nogueira, João Donato, Jorge Aragão, e muitos outros.

“Sou o único sambista que passou por todos os setores de uma escola. Um nordestino que chegava aqui era visto como um ser inferior. E isso não existe e nunca vai existir. O preconceito me colocou para lavar banheiro e em uma posição ímpar. Eu fui puxador de corda, passista, mestre-sala e fui sendo as coisas mais importantes dentro da escola, até presidente. Daí, fui compositor que mais ganhou sambas de enredo na escola e mudei a história do Carnaval carioca. Quando eles se deram conta, eu já era o Zé Katimba, que não dava para segurar mais. Só o amor dá nobreza, e quando você anda na contramão da facilidade, ninguém pode levantar o dedo para mim”, afirma Zé Katimba, que vive a sua vida como ele desejou no samba ‘Só dá Lalá’: “Quem dera que a vida fosse assim: sonhar, sorrir, cantar, sambar, e nunca mais ter fim”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 12 de maio de 2023.