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Atriz, cantora e militante homenageada no Fest Aruanda fala sobre seus mais de 50 anos de carreira, a vida no isolamento da pandemia, o ‘streaming’ e papéis memoráveis, como Xica da Silva

Zezé Motta, a empoderada

publicado: 05/12/2022 10h35, última modificação: 29/12/2022 15h32
image00001 Zezé Motta - Foto Marcio Farias Divulgação (9).jpeg

Aos 78 anos de idade, Zezé Motta continua na ativa atuando em filmes e séries, além de rodar o país com o show ‘Atendendo a Pedidos’ - Foto: Foto: Marcio Farias/Divulgação

por Gi Ismael*

 

“Todo reconhecimento é um estímulo para que a gente continue na luta”. De fato, a rotina artística da atriz, cantora e militante Zezé Motta é contínua no auge de seus 78 anos de idade. Só em 2022, Zezé trabalhou em filmes como Fim de Semana no Paraíso Selvagem e está no elenco de duas séries da Rede Globo, entre elas, Fim. Celebrada no 17° Fest Aruanda, Zezé chegou em João Pessoa nesta semana para uma homenagem e para a exibição do premiado longa Xica da Silva (1976), um divisor de águas em sua carreira.

“Soube recentemente de uma pintura minha que fizeram no mural do Cais do Valongo (RJ), um espaço emblemático para nós, negros. E, agora, vem essa homenagem da Paraíba, que eu também gostei demais de receber”, comentou ela, em entrevista exclusiva para A União. Mais de 50 anos de carreira e um amplo leque de personagens e vivências em diferentes gêneros cinematográficos e linguagens artísticas resultam em uma história profissional que, também há décadas, atravessa gerações, estrelando nas telonas do cinema ou nos touch screens dos celulares. “Eu andava preocupada achando o streaming restringiria muito a divulgação dos nossos trabalhos. Eu era quase analógica!”, brincou. “Agora, diminui a preocupação porque tenho visto que pessoas de todas as classes sociais têm acesso a um celular hoje em dia”, complementou Zezé, afirmando que acredita que o streaming democratizou o acesso às produções audiovisuais brasileiras.

Existe aí uma certa “modéstia digital”, já que nos últimos anos a atriz guinou de “quase analógica” para uma usuária ativa e frequente das redes sociais. Durante os meses mais tensos da crise sanitária, Zezé Motta participou de 67 lives – o que a ajudou no isolamento –, e se em algum momento a senilidade foi sinônimo de inércia, a artista vai de encontro ao estereótipo quando é a personificação do entusiasmo. “Muita gente sentiu solidão durante a pandemia, mas eu não senti isso. Eu só fiz trabalhar mais. Também fiz terapia on-line e até voltei a estudar piano”, contou ela. “Quando eu era adolescente, minha mãe, que era costureira, tinha uma cliente que dava aulas de piano. Ela me ofereceu uma bolsa de estudos e eu ia para a sua casa, aprender o instrumento. Mas eu não tinha piano nem tinha condições de ter um, então não rendi muito. Hoje em dia, eu tenho um piano meia cauda na sala de casa, mas sinto dificuldade porque tenho menos tempo para estudar e tenho mais preguiça”, confessou, aos sorrisos. Quando questionada se pretende comandar o piano em sua carreira musical, que atualmente roda o país com o show Atendendo a Pedidos, Zezé Motta solta mais um riso frouxo. “Ainda não. Só toco uma valsinha aqui, uma ali… Qualquer instrumento você precisa se dedicar e não existe a mesma facilidade de quando eu era adolescente. É, ‘sete ponto oito’… Não é brincadeira, não: 78 anos de idade”.

Zezé Motta verbaliza seus anos de vida com todo o orgulho que, inegavelmente, sua jornada lhe traz. São mais de 100 produções, entre filmes, minisséries e novelas, e uma carreira que nunca deixou de quebrar paradigmas, fossem eles em relação à sua pretitude, ao seu gênero ou à sua idade. “Tem uma parede da minha casa com vários personagens meus e é muito interessante como às vezes eu olho e reflito sobre tudo que vivi”. Ela, que já anseia pela chegada dos 80 anos, não para de fazer planos. “Pessoalmente, eu penso em dar uma desacelerada nas viagens, ficar um pouco mais com minhas filhas e netos. Eu sou canceriana, então amo ficar em casa”, brincou.

Zezé revelou que gostaria de encabeçar mais um projeto artístico mesmo na fase desacelerada que pretende entrar. “Profissionalmente, eu penso em investir em direção, não de grandes espetáculos ou no teatro, mas de artistas, cantores. Já dirigi pessoas como a Leci Brandão e o Jamelão, e amei a experiência. Gostaria muito de explorar mais esta vertente em breve”.

Protagonista de vanguarda
Exibido na abertura do Fest Aruanda na última quinta-feira (dia 1°), Xica da Silva é um marco no cinema nacional, uma comédia provocadora de Cacá Diegues que levantou polêmicas desde sua estreia, sendo considerada “politicamente incorreta” demais para a sua época. Mas as críticas, sejam quais forem, não atingem Zezé, a protagonista da obra, que diz continuar muito atual.
“Por exemplo, criticaram a cena da nudez, disseram que eu estava expondo o corpo de uma mulher negra e que isso não era interessante para o que se estava discutindo naquele momento – ou seja, a exploração da sexualidade da mulher negra. Eu discordei no sentido de que, a minha nudez, eu não considero algo vulgar”, disse a atriz fluminense.

Para Zezé Motta, o recurso narrativo no filme tinha a intenção de mostrar que Xica da Silva era uma mulher vanguardista e empoderada. “Eu me lembro de que na época teve gente que achou que contar a vida de Xica não era relevante, que ela não tinha feito benefício pra humanidade. Nós, atores, temos uma postura de defender o personagem que vivemos. E dizia para essas pessoas: ‘Não cobrem de Xica da Silva atitudes de Angela Davis”, finalizou.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 4 de dezembro de 2022.