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Conhecer e conviver

“No Semiárido, há vários meios de se viver bem”

publicado: 24/04/2023 13h00, última modificação: 24/04/2023 13h00
Bem adaptadas às características da região, atividades econômicas se mostram promissoras
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Após enfrentar dificuldades devido à seca, Renato da Silva diz que aprendeu a viver no Semiárido - Foto: Renato da Silva/ Arquivo pessoal
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Queijos produzidos em Coxixola, município localizado no Semiárido - Foto: Renato da Silva/ Arquivo pessoal
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Queijos produzidos em Coxixola, município localizado no Semiárido - Foto: Renato da Silva/ Arquivo pessoal
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Ação de plantio de mudas promovida pelo Projeto “Água para Educar” - Foto: Divulgação
Rrenato da Silva e sua criação de animais - Arquivo pessoal.jpg
Queijo produzido por Renato da Silva - Arquivo Pessoal.jpg
Produção de queijo de Renato da Silva - Arquivo Pessoal.jpg
Projeto Águas para Educar na PB 2 - Divulgação.jpeg

por Alexsandra Tavares*

Quando se fala em Semiárido do Nordeste brasileiro, sempre vem à mente imagens de solo esturricado, de animais morrendo de sede, do sol forte e gente sofrendo com a seca. A região, porém, tem o outro lado e pode ser sinônimo de prosperidade, de pessoas que convivem em equilíbrio com as características do local, de muito trabalho e renda.

No Sítio Macambira, em São João do Cariri, distante cerca de 200 quilômetros de João Pessoa, vive o caprinocultor Renato da Silva Brito, 42 anos. Formado em Ciências Agrárias, ele trabalha com a produção de queijo e ainda é professor do Ensino Fundamental na rede pública do município. 

“Em minha região, já enfrentei dificuldades no período de seca para alimentar os animais, pois não tinha  conhecimento para lidar com a falta de comida para o rebanho. Hoje eu tenho uma reserva para o período seco”, afirmou Renato, que desde criança foi admirador da caprinocultura. 

Ele afirmou que tinha conhecimento de que existiam meios de trabalhar no segmento, sem ficar restrito à venda do leite para usinas de beneficiamento do programa do leite na Paraíba. Então, foi tentar outros caminhos, investindo na produção de queijo.

Queijos produzidos em Coxixola, município localizado no Semiárido - Foto: Renato da Silva/ Arquivo pessoal

No início, tentou produzir um queijo diferenciado, mas não teve êxito. Com a decepção, buscou mais conhecimento, fez um curso sobre queijos artesanais, na cidade de Coxixola, oferecido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural da Paraíba (Senar).

O Sistema Faepa/Senar, é formado pela Federação da Agricultura e Pecuária da Paraíba, pelo Senar e pelos sindicatos rurais dos municípios. Juntos, oferecem cursos, representatividade dos produtores em fóruns, conselhos, entidades e órgãos públicos, além de assessoria gratuita em diversas áreas, serviço de certificação digital, contratação de seguros, entre outras atividades. Um dos cursos voltados ao produtor rural é o de Assistência Técnica e Gerencial (ATeG), que atua não apenas com capacitação voltada à terra e lida com animais, mas também na área de gestão.

Em 2021, Renato ainda fez um curso na Empresa Brasileira de Pesquisa e Agropecuária(Embrapa) e adquiriu mais conhecimentos na área em que atuava. O preparo profissional mudou a vida do caprinocultor. “Hoje faço vários tipos de queijos que têm grande aceitação, e já tenho clientes fiéis”, declarou. 

Para ele, existe a ideia de que no semiárido só tem pessoas sofridas e há também a questão do pessoal que não acredita no seu potencial. “Aqui, há muitos meios de viver bem, seja qual for a área, qual queijo explorar - pode ser derivado de leite de cabra ou de vaca, doces, artesanato e outros produtos”. Para ele, “uma comunidade rural do Semiárido pode viver do que nela produzir, basta participar atentamente das ações da região”.

Projetos buscam fixar o homem à região com respeito à natureza

No Semiárido, não faltam projetos do poder público, de entidades e instituições que incentivam os moradores da região a se estabelecerem em seus locais de origem. O resultado é a manutenção das comunidades com suas relações sociais históricas, o desenvolvimento da região e a não concentração de habitantes em apenas algumas regiões do país. Uma dessas práticas é o “Projeto Ater para Algodão Orgânico”, voltado à agricultura familiar, desenvolvido pela Empresa Paraibana de Pesquisa e Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer).

O projeto trabalha com o plantio de algodão orgânico consorciado e culturas alimentares que já somam mais de 500 famílias na Paraíba, em várias regiões, não só no Semiárido, mas também no Cariri, Curimataú e Brejo. Segundo Jefferson Ferreira de Morais, diretor de Assistência Técnica e Extensão Rural da Empaer, a ação gera renda e segurança alimentar e nutricional às famílias. Algumas estão, inclusive, em situação de vulnerabilidade econômica. Ele enfocou que não há como mensurar o volume de alimentos produzidos dentro do projeto, mas que somente a produção de algodão, para este ano, está estimada de 60 toneladas.

“No entanto, com relação à produção de alimentos não temos informações pela diversidade dos consórcios, são várias culturas plantadas, e por ainda não termos um sistema que possa fazer esse acompanhamento em campo”, frisou.

Ele contou que as empresas compram o algodão, com contrato antecipado de venda com os agricultores, e também fomentam sementes, sacaria e ainda ajudam na logística de entrega do produto final. “A Empaer ainda entra com a assistência técnica e as metodologias de extensão rural para que eles entrem no processo da certificação orgânica, que é paga pelas empresas”, completou Jefferson.

O projeto visa não apenas o plantio do algodão que será comercializado, mas também as culturas alimentares que estarão em consórcio. “Então, consorciado com o algodão, o agricultor do Semiárido vai ter o milho, o feijão, o gergelim, o jerimum, o maxixe, o quiabo, a melancia, enfim, outras culturas alimentares que são produtos orgânicos, com uma valorização de 30% em relação aos produtos tradicionais. O plantio também serve para a questão de segurança alimentar da família, que vende o excedente, bem como o algodão”.

Dessa forma, a Empaer cria um sistema de produção sustentável, tendo em vista que o algodão é bastante resistente aos déficits hídricos do Semiárido. Mesmo que haja perda dos produtos alimentares por conta da seca, o algodão sobrevive gerando renda em situações adversas. “Essas famílias também contam com um sistema de produção agroecológico, ambientalmente sustentável, e também com controle de inimigos naturais, sem uso de agrotóxicos”, explicou. 

Jefferson Ferreira de Morais frisou que, por conta da produção de algodão no semiárido paraibano, há uma usina de algodão funcionando em Pirpirituba e outra com previsão de inauguração em maio em Ingá, contribuindo para mais geração de emprego e renda na região. 

Alimento na mesa e preço acessível

O diretor de Assistência Técnica e Extensão Rural da Empaer, Jefferson Ferreira de Morais, enfocou que mais de 75% dos alimentos que chegam à mesa do brasileiro vêm da agricultura familiar, por isso é importante preservar o trabalho desses produtores e preservar iniciativas como o “Projeto Ater para Algodão Orgânico”. 

“A permanência deles no campo evita que o agricultor  migre para a cidade, onde corre o risco de ficar em situação de vulnerabilidade social. O mercado de trabalho na zona urbana exige uma especificidade de experiência que o agricultor só teria no campo”, comentou.

Ele afirmou ainda que quanto mais trabalhadores no campo, maior a produção de alimentos e alta dos preços. Os agricultores interessados em participar do projeto do algodão orgânico da Empaer podem procurar os 223 escritórios do órgão distribuídos em todos os municípios do estado. Outra forma de manter contato é por meio do portal empaer.pb.gov.br ou telefonar para a central 3218.8100.

Ação de plantio de mudas promovida pelo Projeto “Água para Educar” - Foto: Divulgação

Uso da água de forma sustentável

A melhoria na qualidade de vida em regiões de estiagem prolongada não ocorre, exclusivamente, na lida no campo. Há, por exemplo, o “Projeto Águas para Educar”, realizado nos estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, atendendo 15 escolas rurais, que beneficia cerca de quatro mil estudantes, e mais de 300 pessoas entre professores e funcionários das comunidades. 

A iniciativa é desenvolvida pela Cáritas Brasileira Regional NE2,  em parceria com a Coca Cola Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O projeto consiste na construção de cisternas de placas com capacidade de 52 mil litros para captação de água das chuvas. Além disso, há o incentivo do reúso de água proveniente, por exemplo, da lavagem de louça, as chamadas águas cinzas ou bioáguas. Elas são aproveitadas na irrigação de pomares e hortas, implantadas por alunos e professores, dentro do projeto. Tudo feito de forma sustentável.

Na Paraíba, o “Águas para Educar” está presente em escolas de três municípios: Guarabira, Tacima e Cacimba de Dentro.  A agente de Desenvolvimento Local da Cáritas da Diocese de Guarabira, Andreza Alves Guimarães, explicou que a escolha da escola beneficiada é feita entre os realizadores do projeto e o Ministério da Educação e Cultura (MEC). “Esse projeto é importante porque traz autonomia para a escola, por ter uma cisterna para a captação de água. Também utiliza a bioágua, evitando desperdício. A implantação da horta e do pomar complementa a alimentação dos alunos, incentivando-os, desde cedo, a consumir alimentos saudáveis, vindo direto da escola, e com a ajuda das crianças na hora da plantação”, disse Andreza.

Já Patrícia Sousa, vice-diretora da Escola Poeta Ronaldo Cunha Lima, em Cacimba de Dentro, enfocou que o projeto foi um marco na unidade de ensino, porque até então não existia água canalizada para os estudantes e funcionários. “E com a adesão a este projeto, temos água na escola. Estamos bastante satisfeitos porque temos como fazer a alimentação para os alunos. A água ainda ajuda na higienização da escola. Hoje, temos um ambiente limpo e que tem condições de disponibilizar alimentos saudáveis, que era nosso sonho”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 23 de abril de 2023.