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A polêmica dos fenícios na Paraíba

publicado: 12/06/2023 13h09, última modificação: 12/06/2023 13h09
Há mais de 150 anos, pesquisadores e historiadores divergem sobre a teoria de que povos da antiga Fenícia, atual Tunísia, contemporâneos dos hebreus e dos impérios grego e romano, estiveram no interior paraibano em meados do ano de 530 a.C.
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Ilustração: Tônio
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Foto: Reprodução
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matéria-11-06-2023-fenícios-paraíba-parte da interpretação da inscrição em Pedra Lavrada-Foto Reprodução.png

por Hilton Gouvêa*

Os fenícios estiveram na Paraíba. E quem afirmou isso foi o Visconde de Sapucaí, quando presidia o Instituto Brasileiro de História e Geografia (IBHG). Ele teria recebido uma carta em 1872 relatando a descoberta de uma pedra com inscrição fenícia, “encontrada dentro de uma plantação na Paraíba”. A cópia da inscrição contida no estranho achado foi enviada, já traduzida em português, ao IBHG, segundo publicou a revista Enigma (Larousse do Brasil), nas páginas 322 e 323, numa edição de setembro de 2009.

A pedra em questão nunca foi encontrada. Suspeita-se de que ela esteja submersa nas águas do Açude Cantagalo, em Pedra Lavrada, interior paraibano, onde inscrições semelhantes às da Pedra de Ingá eram vistas nas margens do reservatório, antes da inundação provocada pela sua construção. Então, após analisar detidamente a carta e a tradução do respectivo conteúdo, Sapucaí e outros intelectuais brasileiros apelaram para os conhecimentos do erudito francês Ernest Renan, autor do livro ‘A Vida de Jesus’, um perfeito especialista em civilização fenícia.

Sem “pestanejar”, Renan declarou que a inscrição era falsa. Mesmo assim, arriscou fazer uma tradução, hoje considerada errônea. Depois dessas duas facetas duvidosas sobre as inscrições da misteriosa pedra, criou-se uma controvérsia entre especialistas europeus que após uma troca de ideias, divergentes, chegaram à conclusão de que, “a estranheza do fato vinha de que certos aspectos da escrita utilizada eram, em teoria, desconhecidos na época em que a pedra foi descoberta. Daí a desconfiança surgida em torno da autenticidade do texto”.

Especialista garante a autenticidade

A polêmica sobre a pedra e a autenticidade do texto já estavam esquecidas, quando, em 1967, o norte-americano Cyrus Gordon, especialista em línguas antigas e diretor do Departamento dos Estados Mediterrâneos da Universidade Brandeis de Massachusetts, retomou o texto enviado a Sapucaí e o traduziu novamente. À luz de recentes descobertas, Cyrus afirmou que a inscrição não poderia ser falsa, o que, literalmente, reacendeu a polêmica em torno do achado.

Gordon explicou: “O rei mercador citado no texto da pedra se refere ao monarca Hiron 3º, que reinou entre os fenícios de 552 a 532 a.C. E que a data referida da inscrição seria o ano de 531, da mesma época. A Ilha do Ferro assinalada na mensagem enviada a Sapucaí não seria outra terra a não ser o Brasil, onde tinha muito material desse minério. E como os cartagineses faziam o contorno da África pelo Estreito de Gibraltar, os fenícios aqui chegaram por ser a Paraíba a primeira terra a ser avistada ainda em alto-mar pelo navegante em busca de terras ocidentais, fora do continente negro.

E o que dizia o texto recebido por Sapucaí, que foi desmentido pelo francês Renan e admitido pelo norte-americano Cyrus Gordon? Primeiramente, sem titubear, a Larousse do Brasil Participações Ltda., que assumiu a polêmica história e a publicou em 2009, faz uma pergunta: “Essa pedra encontrada numa plantação da Paraíba seria a prova de que navegantes fenícios teriam chegado ao Brasil anos antes de Cristo, se antecipando à sua descoberta? E acrescenta, na legenda ao pé da pedra: “Um achado igual a este (o da carta enviada a Sapucaí) ainda hoje se encontra na Ilha de Motya, na Sicília”.

Conteúdo da inscrição

A carta traduzida em português enviada ao então presidente do IBHG, Visconde de Sapucaí, em 1872, diz o seguinte: “Nós somos cananeus de Sidon, cidade do rei mercador. Fomos jogados nesta ilha longínqua, numa terra de montanhas. Sacrificamos uma jovem aos deuses e deusas celestes, no décimo nono ano de aniversário do nosso poderoso rei Hiran e embarcamos de Ezion Ceber no Mar Vermelho”. E continua a carta: “Viajamos com dez barcas e demos a volta à África por mar durante dois anos. Em seguida fomos separados pela mão de Baal, e não estamos mais com nossos companheiros. Assim viemos aqui, doze homens e três mulheres, à Ilha do Ferro. Seria eu o almirante, homem para empreender fuga? Não! Possam os deuses e deusas celestes do bem por nos favorecer!”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 11 de junho de 2023.