Ainda que se fale muito sobre o litoral e as deslumbrantes praias do estado, é adentrando as estradas distantes da capital que podemos desbravar os paraísos de água doce da Paraíba. Quando se pensa em cachoeira, é difícil não se lembrar das marcantes quedas d'água espalhadas por todo o estado que se transformam em verdadeiros cartões postais, são responsáveis pelo surgimento e manutenção de vida nessas áreas devido ao fluxo de água, além da função socioambiental, caracterizada pelo ecoturismo.
Não se sabe um número exato para quantidade dessas feições geomorfológicas, mas existe a certeza de que elas se estendem por todo o território paraibano, marcando desde o Litoral até o Sertão. Apesar das ocorrências em diferentes localidades, é nos brejos de altitude que elas se concentram em maior abundância.
O pós-doutor em Gestão de Águas pela Universidade de Alicante, na Espanha, e professor da Universidade Federal de Campina Grande, José Irivaldo Silva, explicou a origem das cachoeiras. Ele destacou que elas são formadas a partir da união de relevo e água, ou seja, quando existe um rio que possui um grande desnível, existe a possibilidade de ter uma cachoeira.
O especialista esclareceu, ainda, que as quedas d’água geralmente são formadas em rios jovens, que possuem um leito estreito e profundo e surgem por dois motivos: o primeiro é pela diferença de resistência à erosão apresentada pelas rochas por onde passa tal rio e por falhas no relevo que o secciona. Geralmente as cachoeiras originadas por esses falhamentos são temporárias, sendo esse o caso das encontradas no nosso estado. Em paralelo, a segunda causa de origem seriam movimentações tectônicas na crosta terrestre, que provocam elevação ou rebaixamento de enormes blocos de rocha, resultando assim em uma queda d'água.
Ele também reforçou que além da função socioambiental, caracterizada pelo ecoturismo, as cachoeiras também exercem um papel e funções primordiais ao ecossistema: “A existência de uma cachoeira ajuda as diversas formas de vida a acontecer naquele ambiente, porque é ela que mantém o fluxo de água suficiente para o ciclo da vida aconteça.”, descreveu.
Por fim, ele chamou a atenção para a necessidade de proteger esses espaços e explorá-los de forma sustentável. Segundo José Irivaldo, é preciso que a gestão pública saiba que há instrumentos de gestão ambiental, como o zoneamento ecológico, que identifica as regiões que devem ser protegidas. Além disso, a comunidade deve se apropriar dessa identidade com o espaço e ao mesmo tempo reconhecer a cachoeira como uma potência turística e ambiental.
Segundo Gabriel Cavalcante, pós-doutorando em Geografia pela Universidade Federal da Paraíba, essas são áreas excepcionais, ou seja, partes do território que se localizam em altitudes relativamente elevadas e possuem características ambientais distintas de seu entorno devido à ocorrência mais frequente e abundante de chuvas. É por isso que as cidades do Brejo paraibano - como Areia, Bananeiras, Pilões, Borborema, Alagoa Nova, Serraria, Pirpirituba, Dona Inês - têm em comum a existência de uma ou mais quedas d’água nos arredores do município.
As cachoeiras também são sazonais, isto é, que se formam durante o período chuvoso e, por isso, não desaguam o ano todo. A melhor época para visitá-las se dá nos meses de janeiro a julho.
Ecoturismo
Quais cachoeiras visitar?
Durante a visita, é possível fazer várias atividades dependendo da cachoeira escolhida. A gama é bastante diversificada, e, conforme os gostos do público e disponibilidade do lugar, se consegue transitar entre a simples contemplação do ambiente até a prática de esportes radicais, como rapel, além dos tradicionais banhos nas águas correntes. Em alguns desses espaços também é possível acampar, fazer trilhas e visitar restaurantes próximos que servem pratos da culinária regional, mas é importante lembrar que as visitações devem ser realizadas preferencialmente com a companhia de algum guia turístico, que orientam os visitantes com segurança nesses espaços.
Cachoeira de Ouricuri
Descoberta há cerca de 30 anos pelos moradores da região, fica localizada no Sítio Ouricuri, na cidade de Pilões, a cerca de 117 quilômetros da capital paraibana. O percurso até a cachoeira é de fácil acesso e exige apenas caminhada. Existem duas entradas para o local: uma principal, que é gratuita; e outra secundária, onde é cobrada uma taxa de R$ 3 por pessoa. Além do banho nas águas da cachoeira, atividades como rapel e tirolesa estão disponíveis para os visitantes.
Cachoeira da Manga
Também pertencente ao município de Pilões, a cachoeira da Manga se localiza no Sítio Avarzeado, a cerca de 130 quilômetros da capital paraibana. Ao contrário da anterior, o acesso até ela é um pouco mais difícil, onde o visitante precisa percorrer uma trilha moderada. Em contrapartida, a entrada é gratuita e o passeio por lá promete prazerosos banhos em água doce nas diferentes quedas d’água do local.
Pedra do Altar
Nesse caso, não se trata apenas de uma cachoeira, mas de um espetacular complexo arqueológico, localizado às margens da BR-104, a cerca de seis quilômetros da cidade de Barra de Santana. Algo que pode vir a ser uma dificuldade é o acesso: para chegar na cachoeira, é necessário fazer uma trilha de um quilômetro e meio, com um nível de dificuldade superior às anteriores por se tratar de um local íngreme e com pedras soltas, obstáculo esse que é recompensado com a linda vista das quedas d’água, das pinturas e da famosa Pedra do Altar. É cobrada uma taxa simbólica no valor de R$ 10 - que será reajustado para R$ 20 a partir de agosto - por pessoa, convertidos em melhorias, manutenção e limpeza do local.
Cachoeira do Roncador
A cachoeira do Roncador não é uma das mais famosas dessa lista à toa. Localizada entre as cidades de Pirpirituba, Bananeiras e Borborema, com uma distância aproximada de 112 quilômetros da capi cvtal, o Roncador traz à tona características que agradam esse tipo de público. O ambiente é capaz de acolher desde o turista que deseja uma passeio relaxante com banhos em águas cristalinas até o visitante fã de esportes radicais e aventura.
Serra Grande detém 36 cachoeiras catalogadas
Mesmo que a região do Brejo seja a mais associada quando se fala em cachoeiras na Paraíba, é no Alto Sertão que a terra com mais cachoeiras se encontra. A 450 quilômetros de João Pessoa, o município de Serra Grande possui 36 cachoeiras catalogadas.
O mais curioso dessa história é que essas cachoeiras só foram descobertas a partir de 2021 - e por acaso. O Consultor Turístico, Fágner Giminiano, contou que sua empresa, a FJ consultoria turística, foi procurada pela Secretaria de Turismo, Esporte e Lazer do município para fazer um trabalho de pesquisa sobre urnas funerárias do povo indígena Tupi, a fim de explorar a viabilidade turística da região. Foi justamente durante as buscas pelas urnas que a equipe de profissionais se deparou com as primeiras quedas d’água, encontros esses que passaram a ser cada vez mais frequentes e, mesmo com o conhecimento prévio de que existiam cachoeiras na região, o número de aparições chamou muita atenção.
Fágner relatou que só na primeira visita foram seis cachoeiras encontradas, e que esse número crescia a cada caminho trilhado. Nesses dois anos de exploração, foram catalogadas quase 40 cachoeiras, com expectativa de que até o fim do próximo ano o número total de áreas catalogadas chegue à casa dos 50.
Duas das principais cachoeiras de Serra Grande são a Cachoeira da Espera, que é a mais conhecida por ser de melhor acesso, e a Cachoeira da Espera Dois. Essa segunda chama a atenção pela grandiosidade - cerca de 50 metros de altura, e apesar de não ser um ambiente muito favorável para banho de visitantes, a equipe turística está estudando a possibilidade de trabalhar atividades de esporte e aventura no ambiente.
Além dessas, também são destaques a Cachoeira das Piabas, Cachoeira Véu de Noiva, Cachoeira do Rastrinho, Cachoeira da Santana e muitas outras. Em Serra Grande existem tantas cachoeiras que muitas nem possuem um “nome de batismo” até então. Foi a equipe de buscas que nomeou diversas delas, porque, segundo o consultor turístico, a população local “não tinha aquilo como cachoeiras”.
Quase todas essas belezas possuem características em comum, como a proximidade com a cidade, já que num raio de apenas 600 metros do município é possível ter acesso a cerca de 12 delas, com um trajeto que consegue facilmente ser realizado a pé. E a gama de atrativos não para por aí: águas claras e limpas juntamente a uma natureza extremamente preservada e com pouquíssima interferência humana somam-se aos encantos das quedas d’água serra-grandenses.
Embora a descrição de tudo isso pareça um convite irrecusável para quem lê, o fluxo de visitantes em Serra Grande não é expressivo. A ideia de se explorar o território turisticamente e ecologicamente começou a ser pensada recentemente, há cerca de dois anos. O investimento no ramo está caminhando. Existem atualmente algumas chácaras e pousadas disponíveis para reserva.
As cachoeiras de Serra Grande são o foco aqui, mas se engana quem pensa que a cidade com cerca de três mil habitantes tem exclusivamente as cachoeiras a oferecer. Mesmo pequena em área, o município é gigante em questões culturais: há a presença de engenhos de cana-de-açúcar, uma culinária local para lá de inusitada (inclui pratos atípicos como cuscuz com mel de engenho e até mesmo doce de ovo) e manifestações religiosas e folclóricas marcantes, a exemplo do bacamarteiro. Por tudo isso, Serra Grande se mostra ser um excelente destino a ser visitado pela experiência de contato com a natureza.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 29 de julho de 2023.