Falar sobre o semiárido imediatamente remete à imagem de uma natureza inóspita, uma vez que o clima caracteriza-se por ser quente e seco, com longos períodos de estiagem. Apesar desse aspecto, a biodiversidade do semiárido brasileiro é rica e deve ser preservada. No entanto, áreas atingidas pelo clima estão sendo castigadas com a degradação.
De acordo com a professora doutora em Ecologia e Recursos Naturais da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Alecksandra Vieira de Lacerda, os danos são causados, principalmente, pela ação humana, por meio da ocupação territorial indevida. “Muitos não entendem a dinâmica e a riqueza dos ecossistemas e dos recursos naturais, provocando assim a perda dos seus potenciais”, explica a pesquisadora.
O biólogo Lucas Nunes apresenta outra situação que contribui para a degradação do semiárido: a forte presença da ovinocaprinocultura nessas regiões. De acordo com o Instituto Nacional do Semiárido (Insa), 70% das espécies botânicas presentes na Caatinga – bioma predominante das áreas de semiárido - compõem a dieta dos caprinos e ovinos. Um exemplo é a palma forrageira, considerada um dos mais importantes alimentos para os rebanhos durante longos períodos de estiagem.
“Mesmo que o proprietário não desmate, os bodes e cabras fazem isso. Então a área acaba ficando sem vegetação, o que acelera o processo de desertificação. A Caatinga já é um bioma suscetível a isso por conta do clima. É como aprendemos o ciclo da água na escola: a vegetação puxa a água do solo e joga para a atmosfera. Essa água evapora, forma nuvens e faz chover. Ou seja, sem vegetação não há chuva e sem chuva, temos mais secas e mais desertificação”, esclarece o biólogo.
Pesquisa
Na Paraíba, um grupo de pesquisa da UFCG analisa o desenvolvimento de estratégias de preservação e restauração de biomas degradados do semiárido desde 2013. “Nosso maior objetivo está em propiciar aos moradores das faixas de terras secas, os conhecimentos e as condições relevantes para o desenvolvimento e a sustentabilidade regional”, afirma a professora Alecksandra Vieira de Lacerda, que lidera o Grupo de Pesquisa: Conservação Ecossistêmica e Recuperação de Áreas Degradadas no Semiárido (Cerdes).
O grupo atua, principalmente, em ecologia e dinâmica da Caatinga, gerenciamento e manejo de bacias hidrográficas, restauração ecológica de sistemas degradados, etnoecologia, flora e estrutura de áreas ciliares e manejo de lavoura xerófila.
O trabalho é desenvolvido no campus de Sumé e a professora conta com a participação dos alunos dos cursos de graduação em Tecnologia Agroecológica, Engenharia de Biossistemas, Engenharia de Biotecnologia e Bioprocessos, além do mestrado em Rede Nacional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos.
Atividades de preservação são desenvolvidas no Cariri paraibano
A Universidade Federal de Campina Grande desenvolve o projeto Restauração de Ecossistemas Ciliares Degradados no Semiárido Brasileiro (Redesab), que realiza ações de preservação ligadas à bacia do Rio Paraíba. O projeto foi aprovado no ano passado, junto ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.
As atividades têm o objetivo de avaliar a estrutura e o funcionamento de ecossistemas ciliares, subsidiando a definição de estratégias voltadas para a restauração de sistemas naturais degradados e a construção de respostas sistêmicas para a conservação e a sustentabilidade socioambiental e econômica no contexto do semiárido brasileiro.
Para isso, o grupo atua nos municípios de Sumé, Livramento e Serra Branca, no Cariri paraibano, e analisa ecologia de ecossistemas, de comunidades e de população em sistemas ecológicos com perfis diferenciados. Além do trabalho em campo, o projeto dispõe dos recursos do Laboratório de Ecologia e Botânica (Laeb) e do Viveiro para Produção de Mudas Nativas e Estudos de Ecologia e Dinâmica da Caatinga, onde são desenvolvidos estudos que envolvem as tecnologias de produção vegetal. “A partir dos conhecimentos gerados nesses espaços, buscamos promover ações estratégicas que envolvem biologia de conservação e restauração de ecossistemas degradados”, afirma a coordenadora do projeto, Alecksandra Vieira de Lacerda.
A estudante de Engenharia de Biossistemas, Jéssica Rodrigues de Freitas, é bolsista do projeto há um ano. Para ela, trabalhar com projetos que envolvam a recuperação de áreas degradadas enriquece seu conhecimento prático. “Envolvida em projetos de recuperação de ecossistemas ciliares, adquiro conhecimentos sobre técnicas de manejo sustentável de recursos naturais. Essa experiência prática complementa minha formação teórica, fortalecendo minha compreensão dos desafios e soluções relacionados à sustentabilidade no semiárido brasileiro”, avalia.
Jessica Alexandre da Silva é tecnóloga em Agroecologia também colabora com o projeto. Ela conta que uma ação desenvolvida em parceria com uma creche em Livramento foi marcante. “Fizemos a distribuição de algumas mudas e, logo que elas foram entregues para as crianças, recebemos algumas fotos. Ao ver o sorriso de felicidade e esperança em cada rostinho, percebi que todo o trabalho e dedicação está sendo muito valioso e gerando um impacto positivo”, acredita.
Para a coordenadora do Redesab, além do impacto social, a atuação na Bacia do Rio Paraíba contribui com dados que envolvem as matas ciliares com diferentes níveis de sucessão ecológica, a partir do acompanhamento e da observação dos processos de dinâmica de ecossistemas ciliares.
Saiba Mais
No Brasil, o semiárido atinge 12% do território nacional. O clima está presente em todos os estados do Nordeste. De acordo com o Instituto Nacional do Semiárido (INSA), mais de 28 milhões de habitantes vivem em locais com esse clima. Na Paraíba, 194 dos 223 municípios são semiáridos.
Apesar da escassez de água, a Caatinga conta com 11.036 espécies vegetais. O clima permite, inclusive, atividades extrativistas, como o cultivo de milho, feijão, cana-de-açúcar e umbu, que ocorrem aqui no estado.
A fauna do semiárido também surpreende. São 1.307 espécies de animais, sendo 327 exclusivas das regiões onde o clima é observado. Assim como as plantas, os animais também conseguem se adaptar às condições de sol intenso e poucos recursos hídricos. Muitas das espécies desenvolveram hábitos noturnos e comportamentos migratórios.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 23 de junho de 2024.