A grande produção e descarte incorreto de plástico no mundo traz sérios impactos ambientais e ao homem. O produto já está presente na água, solo e atmosfera. A presença do material nos oceanos é um capítulo à parte, pois os dados são alarmantes. A estimativa é de que o Brasil lance 3,44 milhões de toneladas desse lixo todo ano no mar. Os resíduos já se acumulam na superfície e até nos leitos mais profundos, atingindo o ecossistema marinho e o ser humano. Não é à toa que a comunidade acadêmica se debruce sobre o assunto, tentando avaliar e mitigar esses impactos. A Universidade Federal da Paraíba (UFPB), juntamente com outras instituições, desenvolve o projeto “Sustentabilidade como Solução para o Lixo no Mar”.
O estudo busca não só avaliar os prejuízos do plástico descartado de forma errônea nas praias, mas propõe ideias de reciclagem e uso sustentável do material. Em parceria com outras instituições, o “Sustentabilidade como Solução para o Lixo no Mar” já agrega projetos como o do tijolo sustentável e o da madeira sintética, que podem conter frações de plástico na produção, dando uma reutilização ecologicamente correta ao resíduo plástico.
Dentre as instituições parceiras estão a Universidade Federal de Lavras (UFLA), a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o Senai/Cimatec, a Universidade Estadual Paulista (Unesp); em Sorocaba-SP), o Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
A professora do Departamento de Engenharia de Materiais da UFPB, Amélia Severino Ferreira e Santos, coordenadora do projeto, afirmou que o objetivo do estudo é mostrar que o fortalecimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) é um dos meios para os resíduos plásticos não chegarem ao mar, comprovando que esse resíduo jogado nos oceanos pode ser reaproveitado ou reciclado em produtos de valor agregado. Outra finalidade é gerar dados experimentais para estimar a taxa de geração de microplásticos nos oceanos.
“Ainda discute, criticamente, por Análise de Ciclo de Vida (ACV), quais os plásticos e suas alternativas reutilizáveis, biodegradáveis e não biodegradáveis, que têm menor impacto ambiental nos oceanos”, acrescentou a professora.
O grupo de pesquisadores é formado por professores e profissionais que trabalham ativamente na área de resíduos sólidos, microplásticos, plásticos biodegradáveis e reciclagem de plásticos, e conta ainda com alunos de graduação e pós-graduação. Segundo Amélia, por meio do compartilhamento de conhecimentos, é posto em prática um trabalho integrado para compor um plano de ação no combate à poluição plástica.
A professora declarou que existe uma “carência enorme” de dados experimentais que quantifiquem a diferença de propriedades entre os plásticos encontrados na praia e aqueles recolhidos na coleta seletiva, dados de quantificação e, principalmente, tipificação dos diferentes tipos de plásticos presentes nas praias - como o polietileno, polipropileno, PET e isopor. Também são poucas as experiências sobre a taxa de fragmentação dos plásticos nos oceanos e uma análise crítica sobre qual alternativa causa menos impacto no mar.
Atividades de campo ocorrem em julho
A equipe do projeto “Sustentabilidade como Solução para o Lixo no Mar” irá iniciar as atividades de campo, no Litoral paraibano, a partir desse mês de julho. Entre as ações está programada a realização de uma campanha de educação ambiental na orla do município de Cabedelo, junto aos trabalhadores formais e informais do local.
Ainda está prevista a realização de minicurso sobre o combate à poluição plástica nos oceanos para o público interno de universidades e instituições de pesquisa, tornando-os multiplicadores de conhecimento. A programação conta ainda com oferta de oficinas em duas associações de catadores de materiais recicláveis. Nesse último caso, a finalidade é estimular atividades de empreendedorismo no segmento.
A professora Amélia Severino ainda enfocou que o calendário conta com a análise gravimétrica para quantificação e tipificação dos tipos de plásticos encontrados nas praias do Seixas e da Penha, bem como o ensino do jogo de xadrez produzido com resíduo de tampinhas plásticas para crianças do Ensino Fundamental I da Escola de Educação Básica (EEBAS) do Centro de Educação (CE) da UFPB.
Tijolo sustentável
O projeto “Sustentabilidade como Solução para o Lixo no Mar” conta com ideias sustentáveis para o uso do plástico. Uma delas é o tijolo ecológico. O professor Ricardo Peixoto Suassuna Dutra, que atua junto com a professora Amélia Severino Ferreira e Santos, no Departamento de Engenharia de Materiais da UFPB, explicou que já há estudos que comprovam a viabilidade do uso de frações de plástico numa mistura que resulta em um tijolo sustentável.
Ciente disso, o Departamento de Engenharia de Materiais da UFPB está desenvolvendo seu próprio tijolo ecológico. Ele explicou que o tijolo tradicional, de cerâmica, é processado em altas temperaturas. “O tijolo ecológico é confeccionado por um material argiloso e cimento prensado e, a partir dessa mistura, são incorporados percentuais diferentes de resíduos plásticos. A expectativa é obter resultados semelhantes ao tijolo convencional”, explicou.
Os estudos para a fabricação desse produto na UFPB iniciaram esse ano, e estão na fase de análise de laboratório, ou seja, ainda não foi feito nenhum tijolo do tipo. Mas, ele adiantou que um dos materiais descartados no mar e que pode ser usado na produção desse item da construção civil é o plástico proveniente da garrafa pet. “Acredito que até o final desse ano já tenhamos resultados sobre a produção do tijolo”.
Após a confecção do produto, há a intenção de buscar parcerias para que o tijolo ecológico seja fabricado em escala industrial e chegue a toda a população. Com isso, aumenta o interesse pelo lixo plástico pelas empresas, reduzindo a presença desse material poluente na natureza. “Além do tijolo ecológico, ainda há instituições que estudam a produção da madeira plástica”, acrescentou Ricardo.
Atuação costeira
A Universidade Federal de Lavras (UFLA), em Minas Gerais, é uma das parceiras do projeto “Sustentabilidade como Solução para o Lixo no Mar”. Segundo o professor Juliano Elvis Oliveira, da Escola de Engenharia da UFLA, a entidade mineira atua em diversas frentes na oferta de soluções frente à poluição plástica na região costeira e nos oceanos.
Juliano Elvis Oliveira alertou que o descarte incorreto dos materiais plásticos, tanto na região costeira quanto no interior do Brasil, irá trazer sérios prejuízos aos oceanos, ao meio ambiente e ao ser humano.
“Esses resíduos podem causar diversos impactos como a poluição da água, danos à vida marinha, destruição de habitats marinhos e mesmo prejuízos econômicos ao prejudicar a pesca e o turismo. Esses resíduos podem ser facilmente transportados pelas correntes oceânicas e alcançar todo nosso planeta”, enfocou Juliano.
Segundo ele, os microplásticos podem causar contaminação da água potável, da atmosfera, do solo, dos peixes e de outros frutos do mar que compõem a dieta das famílias. A presença desse resíduo no organismo humano pode liberar diversas substâncias tóxicas ou reações alérgicas.
O professor afirmou que ainda é cedo para apontar qual a real dimensão de todos os impactos negativos dos resíduos sólidos nos oceanos. “No entanto, o apoio da sociedade em estudos científicos para entender e minimizar os danos causados por esses resíduos é fundamental”.
Juliano Oliveira ressaltou que para minimizar os impactos ambientais causados pelo plástico, é preciso que haja uma mobilização do setor público e do setor produtivo para fomentar ações alinhadas à Política Nacional de Resíduos Sólidos, no sentido de reduzir a geração, incentivar a reutilização, a reciclagem e o descarte correto dos resíduos plásticos. “Essas práticas são fundamentais para nos ajudar a manter um crescimento da nação, de forma justa e sustentável.”
Saiba Mais
Iniciativas que visam adotar e ampliar o uso sustentável do plástico é de grande relevância para o mundo, uma vez que práticas ecologicamente corretas ainda são pouco adotadas. A professora Amélia Severino Ferreira e Santos frisou que os índices de reciclagem global do plástico são menos que 10%. “Por outro lado, há uma enorme quantidade de plástico produzido desde o início da fabricação do material, em 1950. Por outro lado, a fabricação e consumo têm aumentado exponencialmente. Já está constatada a presença de microplástico no solo, água e atmosfera, e seus efeitos na saúde dos seres vivos ainda não são totalmente compreendidos”, destacou a professora.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 2 de julho de 2023.