No Cariri, região mais seca do Brasil, se engana quem pensa que não é possível produzir toneladas de alimentos encontrados em muitas mesas brasileiras como cereais e frutas. Na Paraíba, uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em parceria com outras instituições de ensino e a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq), desenvolve práticas de agricultura nessa região e com um diferencial, de forma sustentável.
O biólogo Helder Farias Pereira de Araújo, professor do Centro de Ciências Agrárias da (CCA) da UFPB, em Areia, integra o “Nexus Caatinga”, programa com foco no “desenvolvimento agropecuário sustentável e altamente produtivo” no Cariri paraibano. A iniciativa tem apoio financeiro da própria UFPB, da Fapesq-PB, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).
Segundo Helder Farias, as ações em campo ocorrem nos municípios de Cabaceiras, São João do Cariri e São José dos Cordeiros. “No entanto, outras atividades que envolvem mapeamentos e avaliações com imagem e produtos de satélite são focadas em todos os municípios do Cariri paraibano”, acrescentou.
Durante os estudos, a equipe utiliza a chamada “abordagem Nexus”, que destaca as interdependências entre ações para garantir segurança hídrica, energética e alimentar para o bem-estar humano. Com isso, garante o uso sustentável de recursos naturais essenciais. “A abordagem Nexus fortalece as sinergias, reduz trade-off e cria efeito cascata que influencia direta e indiretamente a realização de todos os 17 objetivos do Desenvolvimento Sustentável, sintetizados pelas Nações Unidas. Dessa forma, trabalhamos com o conceito de ‘Paisagens Agrícolas Sustentáveis’, iniciativas que fazem o melhor uso dos bens e serviços da natureza e das tecnologias e práticas humanas para melhorar a vida dos trabalhadores rurais”, declarou o professor.
Segundo ele, as práticas usadas dentro do conceito de ‘Paisagens Agrícolas Sustentáveis’ aumentam a produtividade agrícola, protegendo a biodiversidade e mantendo serviços ecossistêmicos que a própria agropecuária necessita. Esses serviços são resultados do ecossistema, que trazem benefícios para a humanidade como a decomposição de matéria orgânica no solo, fixação de nitrogênio, polinização, predação e produção primária.
Práticas ambientais ajudam a recuperar solo degradado
“Nos ambientes semiáridos, esse funcionamento adequado aumenta a retenção de água e fertilidade do solo, da produção de forragem e de frutos, o controle natural de pragas agrícolas, entre outros benefícios”, destacou Helder. O professor afirmou que os produtos cultivados nos municípios onde o projeto é desenvolvido são variados. Entre as culturas adotadas estão feijão, sorgo, gergelim, goiaba, pitaya e maracujá. “Algumas dessas culturas, e mais outras, são plantadas junto com produtores da agricultura familiar, e avaliadas pela equipe, incluindo, por exemplo, milho, batata-doce, feijão, sorgo e maracujá. Nas atividades atuais, as avaliações em campo acontecem em 20 propriedades nos municípios de Cabaceiras, São João do Cariri e São José dos Cordeiros”, contou.
Ele frisou que não há como quantificar o volume de alimentos cultivados em todo o programa, mas destacou que um subprojeto que está sendo desenvolvido, e aplicado numa dissertação de mestrado, demonstrou um aumento produtivo superior a 20 vezes, em toneladas de alimento por hectare, quando comparado um cenário restaurado (segundo o modelo de ‘Paisagens Agrícolas Sustentáveis’), ao cenário atual das propriedades rurais do Cariri paraibano.
De acordo com ele, a produção oriunda dos agricultores é destinada tanto para o comércio e indústria (laticínio), como para o consumo próprio. “A produção oriunda dos experimentos na estação experimental da UFPB é destinada para outras avaliações em laboratório”, acrescentou.
Helder de Araújo afirmou que a adoção do modelo de “Paisagens Agrícolas Sustentáveis” tem o potencial de alterar a trajetória de degradação ambiental e geração de pobreza que assola a região. Essa mudança de cenário resulta na geração de riquezas para o Cariri, pois aumenta indicadores de bem-estar social e conservação e recuperação da natureza e seus serviços. A experiência traz inúmeros benefícios à população e ao meio ambiente, mudando a ideia daquele Cariri pobre e seco, como é propagado.
Entre as benfeitorias, otimiza o uso da água das chuvas, aumenta o armazenamento de água no solo, evita a degradação do solo, amplia a diversidade de culturas adequadas, aplica o sistema de rotação de culturas e a interação entre lavoura e pecuária. Ainda mantém cerca da metade da cobertura natural e permite alto rendimento na produtividade agropecuária.
“No entanto, essa integração exige mentalidades que foquem nas combinações de funções, em vez de apenas grãos, apenas leite, apenas solo, apenas uma única cultura, apenas biofísica, aspectos sociais ou rendimento máximo por partes.”
Iniciativa é modelo para pesquisadores do Senegal
O projeto de agricultura sustentável no Cariri paraibano atraiu, no mês de maio, a atenção de uma equipe do Senegal associada à Agência de Reflorestamento e da Grande Muralha (ASERGMV). De acordo com o professor da UFPB, Helder Farias Pereira, a delegação veio ao Brasil para conhecer experiências e tecnologias na produção sustentável de alimentos no Semiárido.
“No âmbito do Acordo Básico de Cooperação Técnica entre os governos do Brasil e Senegal, o Ministério do Meio Ambiente de Senegal, por meio da ASERGMV, solicitou cooperação técnica bilateral nas áreas de agrofloresta, pecuária e de unidades agroecológicas. De acordo com técnicos senegaleses, o Governo daquele país está preocupado com o avanço de ações humanas de desflorestamento, degradação dos solos e dos ecossistemas que afetam, sobretudo, as comunidades rurais na região”, afirmou Helder.
Segundo ele, o desafio é implementar uma barreira florestal para conter o aumento da desertificação no continente africano. “Então, por meio de convite da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), Aliança Sipa (Sistemas Integrados de Produção Agropecuária), Embrapa Agrossilvipastoril e delegação senegalesa, integrantes dessas instituições visitaram atividades de projetos do programa ‘Nexus Caatinga’ e do Grupo de Estudos em Forragicultura (GEF) do Centro de Ciências Agrárias (CCA) da UFPB, nos municípios de São João do Cariri, São José dos Cordeiros e Cabaceiras”, acrescentou Helder.
O professor explicou que a vinda ao Brasil foi uma visita de prospecção, que servirá como base para a elaboração de um projeto de cooperação técnica bilateral nas áreas agroflorestal, pecuária e de unidades agroecológicas. De acordo com ele, a ASERGMV pretende construir um projeto que busque garantir a autonomia alimentar, geração de empregos verdes, promoção do desenvolvimento local sustentável, promoção da preservação e recuperação das florestas.
Segundo ele, a visita foi importante pela preocupação global na busca de modelos de desenvolvimento rural sustentável, principalmente em ambientes semiáridos. “Seja na África, aqui na América do Sul, ou em outra região seca do planeta, os dados mostram que o modelo histórico exploratório de uso da terra não só não desenvolveu essas regiões, como aumentou sua vulnerabilidade e gerou pobreza.”
Sobre o interesse da equipe do Senegal ao modelo brasileiro, Helder de Araújo destacou o interesse em buscar soluções, com embasamento em evidências científicas, de atividades desenvolvidas na Paraíba, com instituições e pesquisadores locais. “Investimento em pesquisa pode trazer soluções para problemas locais que podem ser exportadas para outras regiões globo.”
Fapesq investe recursos que ultrapassam os R$ 160 mil
Uma das instituições que incentiva o uso de práticas sustentáveis da agropecuária no Cariri é a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq). Incluindo o projeto do “Nexus Caatinga” e outros dois, os investimentos na atividade já ultrapassam os R$160 mil.
“Ao todo, a Fundação tem investido em diversos projetos de natureza muito próxima e que, juntos, compõem um bloco de ações voltadas para as questões do Semiárido, notadamente para o conhecimento e a preservação ambiental do bioma Caatinga”, afirmou o presidente da Fapesq, Antonio Guedes Rangel Junior.
Ele afirmou que a Fapesq existe há mais de 30 anos. Somente há pouco mais de uma década a instituição tem sido dotada de orçamento suficiente para cumprir a sua missão institucional, que é de fomentar o desenvolvimento da região por intermédio do apoio à iniciativas de pesquisa e inovação.
Segundo Rangel Junior, “nos últimos anos, o Governo Federal vinha num processo de verdadeiro desmonte da ciência, tecnologia e inovação no país”, completou.
Segundo ele, a Caatinga precisa receber - de todas as autoridades governamentais e em todos os sentidos, a merecida atenção por vários motivos: seja pelo que o bioma representa de diversidade genética; pela importância econômica, ambiental, bem como pela alternativa de desenvolvimento social que permite melhorar a qualidade de vida da população.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 4 de junho de 2023.