A Agrovila Águas da Acauã é um exemplo inspirador de projeto em construção de reassentamento sustentável na cidade de Itatuba, Agreste paraibano. A comunidade foi implantada pelo Governo da Paraíba para acolher as famílias impactadas pela construção da Barragem Acauã. A iniciativa vai além da moradia, uma vez que busca garantir segurança alimentar, dignidade e oportunizar geração de renda por meio do cultivo de algodão agroecológico em consórcio com outras culturas alimentares tradicionais, como o milho, feijão andu, jerimum, batata-doce e gergelim.
Nesta semana, os agricultores familiares vinculados ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) iniciaram, pelo terceiro ano consecutivo, o plantio do algodão agroecológico em consórcio com outras culturas. O cultivo deve seguir até o dia 15 deste mês. No ano passado, a produção de algodão agroecológico resultou em mais de sete toneladas, distribuídas entre 20 agricultores familiares. A expectativa desse ano é produzir aproximadamente 10 toneladas.
A produção é feita em parceria com a Organic Cotton Colours — uma empresa espanhola que atua há mais de 25 anos no mercado têxtil europeu — referência em produtos de cama, mesa e banho, com foco em produtos hipoalergênicos é a empresa parceira deste ano. Ela chegou ao Nordeste, em 2015, por meio de uma rede de organizações da sociedade civil que buscavam agricultores que já tinham plantado algodão e tinham interesse de produzir de forma agroecológica. Além de incentivar o cultivo, a empresa garante condições favoráveis para os agricultores, oferecendo sementes crioulas, sacaria para armazenar o algodão, transporte até a usina, certificação e, principalmente, garantia de compra a preço justo.
Para o coordenador do projeto Organic Cotton Colours no Brasil, Diógenes Fernandes, a parceria com os agricultores da Agrovila está sendo muito importante. “Precisamos fortalecer a agricultura familiar e agroecologia na região, pois o grupo é bem coeso e tem garantido o trabalho coletivo no assentamento”, frisou.
A Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer) possui um papel fundamental no fortalecimento da agricultura familiar baseado nos princípios da agroecologia. Desde a fundação do reassentamento, o órgão atua de forma contínua, tanto com capacitações, como também com orientações técnicas aos cultivos e manejos necessários a alcançar bons resultados à produção, conforme explica Ricardo Farias, assessor estadual em Agroecologia e Convivência com Semiárido. “O nosso trabalho é atender as demandas da própria comunidade com foco na produção orgânica e agroecológica. Apesar do foco ser geração de renda, o órgão prioriza a segurança alimentar e nutricional da comunidade”.
Agroecologia
Enquanto a agricultura convencional prioriza a monocultura, a produção em larga escala e o uso de agrotóxicos, a agroecologia é uma abordagem que integra conhecimentos científicos e saberes tradicionais para desenvolver sistemas agrícolas sustentáveis. Essa forma de pensar e agir no campo respeita a biodiversidade de culturas, os ciclos naturais de produção e a autonomia dos produtores rurais.
Além disso, a agroecologia atua como barreiras naturais contra pragas, especialmente o bicudo — inseto que ataca o algodão, conforme explica Oswaldo Bernardo Silva, coordenador do Movimento Atingido pelas Barragens (MAB). “Para proteger o algodão, os agricultores familiares plantam filas de milho ou gergelim que dificultam a passagem do bicudo, ajudando na prevenção dos ataques”. Após a colheita, toda a plantação de algodão deve ser arrancada completamente para eliminar possíveis focos do bicudo na próxima safra. Ele complementa ainda que essa técnica era realizada pelo povo ancestral. “Nós estamos reproduzindo de forma agroecológica e sem utilizar agrotóxicos ou fertilizantes químicos”, revelou
Vinte anos de luta na história da comunidade
De família de agricultores, Aline Araújo, de 36 anos, desde criança ajudava os pais no plantio de diversas culturas alimentares. Ela tinha apenas 14 anos quando precisou deixar a comunidade do Cajá devido à construção da Barragem de Acauã. A obra teve início em 1999, foi concluída em 2002, e dois anos depois atingiu sua capacidade máxima de armazenamento. “Todas as famílias ribeirinhas tiveram que ser realocadas para outras comunidades”. A partir dessa difícil situação, diversas famílias conheceram o MAB e passaram a lutar por diversos direitos que foram violados. “Desde os 17 anos participo das lutas, das ocupações e protestos em busca de melhorias para todas as famílias atingidas”, revelou.
Para Aline, o reassentamento Agrovila Águas Acauã representa uma conquista histórica de mais de 20 anos de luta das famílias atingidas pela construção da Barragem de Acauã. “Esse projeto está devolvendo a dignidade de quem perdeu tudo. E agora, por meio da agroecologia, estamos reconstruindo nossas vidas, respeitando a natureza e fortalecendo a agricultura familiar. Depois de tanta luta, estamos saboreando essa vitória”, frisou.
Segundo o procurador da República, José Godoy, o caso de Acauã mostra a foça dos movimentos sociais, em especial do Movimento Atingindo pelas Barragens (MAB) que nunca desistiu de ter a devida reparação histórica. "O Ministério Público Federal acompanhou como órgão que articula soluções junto às instâncias governamentais, mas eles sempre foram os protagonistas de sua própria história. É preciso também destacar o papel de coragem e decisão política do Governo da Paraíba que assumiu o compromisso de dar resolutividade a essas famílias", revelou.
Infraestrutura
Com um investimento de quase R$ 20 milhões, o projeto é composto por 150 hectares de área, onde cada família é contemplada com 1,5 hectares da propriedade, sendo mais de 25 hectares para cultivo de uso coletivo e da cooperativa. O projeto contempla 100 unidades habitacionais, associação dos moradores e produtores, escola, campo de futebol, Unidade Básica de Saúde, praça e centros religiosos estão entre os benefícios.
As casas da Agrovila estão sendo construídas pela Companhia Estadual da Habitação Popular (Cehap) com foco na sustentabilidade, inovação e qualidade de vida. Elas serão equipadas com placas solares para geração de energia, cisternas para captação de água da chuva, já o abastecimento de água será realizado pela Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa). Outro destaque é a implantação do Sistema de Saneamento Ambiental de Reuso de Água (Sara), desenvolvido pelo Instituto Nacional do Semiárido (INSA). Esse sistema transforma o esgoto doméstico em água tratada, própria para o uso na agricultura.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 04 de junho de 2025.