Nos últimos cinco anos, a produção de algodão na Paraíba cresceu 175%, saindo de 400 toneladas da planta em caroço (2018), para 1.100 toneladas no ano passado, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Algodão, com base nos dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). De acordo com a empresa, o incremento se deve à busca maior pelo algodão (branco ou colorido) produzido dentro de um sistema orgânico ou agroecológico. Esse interesse, por parte dos produtores, ocorreu porque a fibra branca ou colorida é certificada, podendo atingir até o dobro do valor da pluma do algodão convencional.
Independentemente dos motivos monetários que levaram ao incremento do cultivo, o curioso é que houve uma maior adesão ao plantio dentro de princípios mais sustentáveis, e a Paraíba se sobressai nacionalmente nesse nicho. De acordo com o diretor de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar do Brasil (MDA), que também é pesquisador da Embrapa Algodão, Marenilson Batista, o Estado é destaque nacional na produção do algodão orgânico e agroecológico, tanto no produto de coloração branca quanto colorida,
“E isso traz uma característica muito importante para a gente, porque ressalta a discussão da sustentabilidade, que inclui a própria característica das cultivares, a conservação do solo, o uso dos bioinsumos, e também começou a ter essa ligação direta com a moda sustentável”, frisou o pesquisador.
Ele afirmou que o Estado “tem contribuído, decisivamente, para a transição agroecológica do produto”, incentivando um mercado que respeita o meio ambiente. Para entender um pouco melhor essas diretrizes da sustentabilidade, basta dizer que a abordagem agroecológica da produção trabalha com sistema que depende, minimamente, de insumos agroquímicos.
As práticas adotadas na Paraíba têm servido de exemplo para outros países. Segundo a Embrapa Algodão, a Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) já utilizou os modos de produção paraibana como referência para produtores da América Latina e Caribe, bem como em projetos de cooperação na África. O Assentamento Margarida Maria Alves, no município de Juarez Távora, foi destaque numa publicação de 2017 sobre o tema.
Nem sempre, porém, a planta, que já foi considerada o “outro branco brasileiro”, foi utilizada com modernas técnicas de cultivo e dentro de princípios ecologicamente corretos. Também não existiam órgãos, como a Embrapa, que realizassem pesquisas sobre o algodão, aumentando a sustentabilidade e potencialidades das plantações.
Um dos momentos da história do algodão na Paraíba, em que se investiu numa produção mais sustentável foi na década de 90, com a chegada do algodão colorido. “No final dos anos 90, com o lançamento do cultivo do algodão colorido, a Paraíba começou a ter destaque, porque tínhamos um produto diferenciado, que passou a ser utilizado na moda sustentável”, declarou Marenilson.
Ele explicou que, nesse período, já havia a preocupação de não colocar tinta na fibra e diminuir o uso de água durante a produção. As técnicas foram evoluindo e, hoje em dia, o algodão passa a ser utilizado de forma agroecológica e orgânica. Um dos municípios que há alguns anos vem se sobressaindo nesse aspecto é Juarez Távora. A cidade não demorou para adotar equipamentos mais modernos, como o minidescaroçador de algodão, com prensa de enfardadeira, que facilita a comercialização.
“Essa é uma das tecnologias que a Embrapa organizou para facilitar todo o processo de comercialização do algodão. Hoje, o algodão colorido está em vários municípios e região, ou seja, no entorno de Juarez Távora, na região de Itabaiana, de Remígio, de Catolé do Rocha e de São Bento. Então, você tem a Paraíba com um grande potencial de ter esse algodão orgânico, tanto na forma colorida como a branca”, acrescentou Marenilson.
A “onda verde” que permeia o cultivo do algodão e coloca a Paraíba em situação de destaque como produtor no mercado, já influencia a dinâmica de algumas marcas locais de vestuário que trabalham com a fibra. O pesquisador da Embrapa Algodão acrescentou que elas estão se tornando famosas no mundo e levam consigo o status da sustentabilidade. “Além desse destaque especial como produtor, na Paraíba há marcas que já começaram a estar em vários locais do mundo da moda sustentável”, frisou Marenilson. Uns dos exemplos citados por ele foram a Natural Cotton Color, a Via Terra Natural e a Morada.
Do campo à moda tipicamente paraibana
Das práticas agroecológicas e orgânicas dos campos para o consumidor final. O ciclo do algodão só começa nas plantações. Depois de transformado em tecido, ele chega às mãos de profissionais que criam inúmeras peças de vestuário, decoração e acessórios. Uma das pioneiras na Paraíba no design de roupas mais requintadas, feitas com algodão, é a empreendedora e artesã Ana Maia. Suas criações, que já somam 70 modelos assinados por ela, já passaram por todos os estados brasileiros e até outros países, como Portugal e Estados Unidos.
Ana contou que há 16 anos deixou a atividade na área do Jornalismo e Marketing e investiu no talento que tinha na área da moda. Se interessou pelo macramê e passou a desenhar suas peças em algodão, branco e colorido, e assiná-las. Foi então que surgiu o ateliê Da Terra, no Centro Histórico de João Pessoa. “Nunca fui de fazer modinha. Enquanto, na época, os outros usavam o algodão para fazer apenas camisetinhas, eu imprimi meu estilo. Sou artesã da moda. Agrego nas minhas peças o macramê, o bordado, rendas e até trabalhos de artistas plásticos, mas não uso tinta nas peças”, frisou.
Segundo ela, o algodão é um tecido sustentável, que se adequa a qualquer região do país, tanto as mais frias, quanto as mais ensolaradas. “O turista adora esse tecido porque quando o sol bate, ele filtra, e no frio ele aquece. Desenho vestidos, saias, calças, blusas, tudo agregando valor artesanal. Imprimi meu estilo que foge a qualquer sazonalidade”.
O trabalho de corte, costura e bordado é terceirizado, gerando renda para outros profissionais. Além de vestuário, Ana Maia disse que o algodão é uma matéria-prima versátil, em que tudo se aproveita. Os retalhos são transformados em souvenir, bijuterias, peças para decoração, bolsas, roupa íntima e outras finalidades.
Plantio agroecológico protege a natureza
“Saudações agroecológicas. Sou Suzana Aguiar, jovem agricultora, agroecológica, orgânica, certificada pelo primeiro SPG (Sistema Participativo de Garantia), credenciada pelo Ministério da Agricultura da Paraíba, que é a Rede Borborema de Agroecologia. Sou filha, neta e bisneta de agricultores familiares, produtores de algodão, e estou na quinta geração nesse cultivo”. Foi com esse entusiasmo que a produtora de algodão branco e colorido do Assentamento Oziel Pereira, no município de Remígio, iniciou a conversa com a equipe de reportagem sobre suas experiências com o produto.As comunidades da região costumam produzir, anualmente, cerca de 500 quilos de algodão em rama por hectare, que resulta em 190 quilos de pluma. Suzana tem dois hectares plantados e trabalha dentro do sistema de consórcios agroalimentares. Isso quer dizer que o plantio é feito juntamente com a plantação de alimentos, como o feijão e o milho. “O feijão é uma leguminosa e ajuda a fixar nitrogênio no solo. Também não realizamos queimadas e temos vários cuidados com o meio ambiente, pois temos amor pela terra. Alimentamos a terra, para ela nos alimentar de volta”, frisou.
Para atuar dentro de um sistema sustentável, Suzana disse que recebeu capacitação da Embrapa Algodão e realiza o cultivo e o manejo do produto seguindo ações e técnicas que minimizam o impacto na natureza.
A pluma é comercializada, e o caroço do algodão retorna para o produtor, que comercializa uma parte e usa para alimentar a criação de animais (ovelhas, rebanho bovino e caprino). Uma fração dos caroços, especificamente 20%, é reservada para abastecer o volume do banco de sementes comunitário.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 6 de agosto de 2023.