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Colégio Liceu Paraibano está na memória afetiva de muitos ex-alunos e funcionários que passaram por ele e ainda hoje guardam as recordações de um ensino público de qualidade

Almanaque: Entre a ordem e a liberdade

publicado: 12/12/2022 09h48, última modificação: 29/12/2022 16h13
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Tombamento do Liceu Paraibano pelo Iphaep ocorreu em 1980, e a construção do atual prédio data do final da década de 1930 - Foto: Foto: Evandro Pereira

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por Alexsandra Tavares*

 

Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep) desde 1980, o Colégio Liceu Paraibano está na memória afetiva de muitos ex-alunos e funcionários que passaram por ele e ainda hoje guardam as recordações de um ensino público de qualidade. O prédio, de linhas arquitetônicas de características modernistas, faz parte da evolução urbanística da cidade.

Uma das pessoas que estudou nesse centro educacional foi a professora Ângela Bezerra de Castro, escritora, crítica literária e ex-presidente da Academia Paraibana de Letras (APL). Quando criança, ela foi matriculada numa escola de freiras, mas a rigidez típica do ensino religioso fez com que Ângela Bezerra tomasse uma decisão que não iria agradar em nada a mãe dela, Miriam.

Sem comunicar a ninguém, ela fez o exame de seleção para estudar no Liceu, escola mista, pública, que permitia aos alunos expressarem seus pensamentos e onde estavam muitos dos melhores professores da época. Só após a aprovação, ela contou a notícia a Miriam, que teve de aceitar a opção da filha. Caso contrário, a jovem não voltaria mais para a sala de aula.

“Tomei essa decisão porque eu sabia da qualidade do Liceu e também porque detestava o colégio de freiras. No Liceu, os professores eram de alto nível. Além disso, havia equilíbrio entre ordem e liberdade”, frisa a escritora. Foi nesse colégio que ela terminou o quarto ano do ginásio e o ensino clássico. A experiência lhe deixou recordações às quais ela guarda até hoje. “Lá, eu tive dois professores que marcaram, definitivamente, minha formação. Gibson Maul de Andrade e Padre Luiz Gonzaga de Oliveira. Aos dois, devo minha boa formação em latim, português e literatura. Foram fundamentais no desenvolvimento de minha capacidade de leitura”, declara Ângela.

Além dela, outros paraibanos ilustres, estudaram no colégio, como exemplo, o poeta Augusto dos Anjos; o economista Celso Furtado; o prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena (Progressistas); e a premiada atriz Zezita Matos. “Adorava o Liceu. Nós tínhamos lá os melhores professores e eu ainda participei do grêmio estudantil”, relembra Zezita Matos.
Foi nesse colégio que Zezita concluiu o ginásio e estudou até o segundo ano do ensino clássico, mas não pôde terminar o curso por causa da perseguição da ditadura militar. “Eu era da Juventude Comunista e todo mundo me conhecia por Zezita, só que eu era matriculada no Liceu com meu nome de batismo, Severina. Quando o pessoal da ditadura chegou no colégio, procurando nas cadernetas o nome de Zezita, não me encontrou. O pessoal do Liceu também não revelou que a Severina era eu. Agradeço demais essa atitude do colégio, porque muitos dos meus colegas já tinham sido presos, inclusive meu namorado, Breno (Matos)”, revela.

Dias atuais
O Liceu Paraibano tem atualmente 740 estudantes matriculados na 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio em tempo integral, segundo a Secretaria da Educação e da Ciência e Tecnologia da Paraíba (Secitec).A nota da escola no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2021 foi 5,1. A pontuação mostrou que, além de atingir a meta projetada para o ano, o Liceu ficou à frente da média estadual e nacional, que tiveram o mesmo desempenho (3,9).

O tombamento do Liceu Paraibano pelo Iphaep ocorreu por meio do Decreto 8.644, de 26 de agosto de 1980. A construção do atual prédio data do final da década de 1930, início de 1940, nos governos de Argemiro Figueiredo e José Américo de Almeida.

Palco das mobilizações sociais e políticas da PB

O surgimento do Liceu data do período regencial (1831-1840), após a renúncia de Dom Pedro I, época em que o Brasil vivenciou maior investimento em instituições educacionais, não apenas na Paraíba, mas em estados como o Ceará, Sergipe e o Rio Grande do Norte. Inicialmente, o colégio funcionou em uma aérea da cidade que reunia um conjunto arquitetônico da Igreja Católica: a casa dos jesuítas (atual Palácio da Redenção), que ao lado tinha a Igreja de Nossa Senhora da Redenção (derrubada na gestão do presidente João Pessoa – “para ventilar seu quarto de dormir”) e vizinho estava o Liceu, no local onde antes existia o Seminário Arquidiocesano, fundado pelo padre Gabriel Malagrida. Segundo o pesquisador, historiador e escritor José Octávio de Arruda Mello, o Império, de linha elitista, queria investir no ensino para a alta burguesia.

“Teve um período em que o Liceu funcionou somente com 12 alunos da alta burguesia, porque naquela época quem estudava era o pessoal da Igreja. A ideia era criar, ao lado do ensino religioso, o ensino laico. Dessa forma, tanto os professores quanto o currículo da escola eram ligados à Igreja. Muitos professores da escola eram religiosos, como o monsenhor Afonso, e entre as disciplinas lecionadas tinha até Direito Canônico. No início, todos os alunos eram do sexo masculino e isso só foi mudar nos anos de 1950”, afirma o historiador.
José Octávio de Arruda Mello destaca que o Liceu, desde o século 20, foi palco da programação cultural, mobilização política e social do estado. Grandes eventos ocorreram no auditório dessa unidade de ensino que, até hoje, acolhe atos públicos organizados por várias entidades e sindicatos.

Na década de 1930, José Octávio lembra que o Brasil estava dividido politicamente entre direita e esquerda. O primeiro era representado pelo Partido Integralista, e do outro lado estava a Aliança Nacional Libertadora, comandada pelo comunismo. O pesquisador conta que, certa vez, os integralistas vieram a João Pessoa para fazer uma palestra sob o lema “Deus, pátria e família”, e houve um debate rumoroso com os integrantes de esquerda. Toda a polêmica ocorreu no auditório do Liceu, quando ele ainda funcionava nas proximidades do Palácio da Redenção.

Somente no governo de Argemiro de Figueiredo (1935-1940), no Estado Novo, foi construído o atual prédio do Liceu Paraibano, onde até hoje está situado na Avenida Getúlio Vargas, no Centro de João Pessoa. Os responsáveis pela obra foram o arquiteto-urbanista Clodoaldo Gouveia e o engenheiro Ítalo Joffily. Mesmo nessa época, José Octávio frisa que a escola continuou participando das atividades culturais sociais e políticas da capital. “Um dia, Carlos Lacerda veio a João Pessoa fazer uma palestra sobre divórcio e comunismo, na década de 1950. Ele se apresentou no Liceu”, conta José Octávio.

Até nos dias atuais, o colégio é um marco, um ponto de encontro para os atos públicos da sociedade organizada. Representantes de vários movimentos sociais e políticos já realizaram protestos em frente ao Liceu Paraibano que, quando não é o ponto de encontro das mobilizações, está na rota de passagem dos manifestantes.

Uma dessas entidades é a Central Única dos Trabalhadores (CUT). “O Liceu tem muita história e contribui para a cultura do estado. Além disso, é um local que acolhe os movimentos sindicais e sociais. Ainda é um ponto estratégico no centro da cidade, porque está numa área bem movimentada”, declara o presidente da CUT paraibana, Tião Santos.

Segundo ele, o último evento da Central, que reuniu entidades sociais e sindicais em frente ao Liceu, foi o Grito dos Excluídos, ocorrido em setembro deste ano. Os manifestantes defenderam a democracia, pediram melhorias para a educação, a queda da inflação e criticaram a precarização do serviço público, entre outras reivindicações. Os participantes se concentraram em frente ao colégio e caminharam rumo ao Largo do Ponto de Cem Reis, outro palco de mobilizações na capital.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 11 de dezembro de 2022.