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Médico europeu radicado em Baía da Traição ressalta que as culturas brasileira e espanhola são diferentes, mas garante que, pela educação, os dois povos estão unidos por um conceito judaico-cristão

Almanaque: Um espanhol em terras dos potiguaras

publicado: 28/08/2022 00h00, última modificação: 01/09/2022 09h30
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Médico europeu radicado em Baía da Traição ressalta que as culturas brasileira e espanhola são diferentes, mas garante que, pela educação, os dois povos estão unidos por um conceito judaico-cristão - Foto: Ilustração: Tônio

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por Hilton Gouvêa*

 

O médico espanhol Rafael Quintas Frutos costuma dizer que as culturas brasileira e espanhola são diferentes, porém, unidas por um conceito judaico-cristão de nossa educação. Atualmente prestando serviços em Baía da Traição, município do Litoral Norte paraibano, distante 82 quilômetros de João Pessoa, ele revela que não sentiu dificuldades com a língua por ser casado com uma brasileira, Roberta Maria Travassos de Albuquerque, a quem conheceu pela Internet.

O namoro entre os dois surgiu durante a realização de um curso de cirurgia ambulatorial em Sevilha, na Espanha. “Meu contato com diversas universidades levou-me até Roberta. Ela era a secretária do Centro Universitário Facisa (Unifacisa), em Campina Grande. E eu enviava as cartas-pesquisa para lá, cujas respostas me interessavam. Acho que no meio delas enviei uma carta de amor. O resultado foi um casamento que já dura 17 anos”, brinca.

Um dos fatores que o forçou a vir para o Brasil foi um problema de saúde no nervo ciático, que não melhorava. No Brasil, encontrou tranquilidade para tratar de sua enfermidade. Oportunamente implantaram o programa Mais Médicos, no governo de Dilma Rousseff (PT). “Aqui só estranhei a comida, porque, no Brasil, ela é misturada de forma diferente. Por exemplo, na Espanha não existem pratos de sabores variados. Por isso, a degustação é mais pura, porque os espanhóis não misturam filé com feijão”.

Culinária brasileira conquistou o médico

Da culinária regional, ele aprecia coxinha (aquelas que vendem nas lanchonetes e botecos) e peixes de água salgada. Das comidas juninas gosta de pamonha e canjica, mas esclarece que, na Espanha, não é comum a cultura do milho. “Esse cereal amarelo popularizou-se na Europa só depois que as viagens de Cabral, Colombo, Pizarro e Cortez abriram as rotas marítimas para a América, nos séculos 15 e 16”, disse, referindo-se aos navegadores.

No Litoral paraibano aprendeu a gostar de outras iguarias: ensopados de caranguejo e de marisco; e, em qualquer lugar deste país, cupim bovino, até porque sua terra natal, Utrera, ao sul da Espanha, na Andaluzia, a 35 quilômetros de Sevilha, tem fama histórica de ser o berço do touro valente. “Aprecio muito os rodízios de carne, porque, na Espanha, comia bastante o delicioso coxão de um porco do campo, cuja raça ainda não vi por aqui”.

O médico acha que a vida financeira no Brasil é mais barata do que na Espanha. E o que é mais interessante: a Espanha, por ter passado 800 anos sob domínio dos mouros, exportou muita cultura árabe para o Brasil. “Basta citar que, da Espanha, na Europa, para o Marrocos, na África, via Gibraltar, existe uma nesga de mar de apenas 14 quilômetros de largura. Então, a cultura árabe interferiu profundamente nos usos, costumes e na economia luso-espanhola-brasileira, embora poucos percebam isso”.

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Médico europeu radicado em Baía da Traição ressalta que as culturas brasileira e espanhola são diferentes, mas garante que, pela educação, os dois povos estão unidos por um conceito judaico-cristão

Discriminação  cedeu espaço ao acolhimento

Na primeira vez em que assumiu o Programa Mais Médicos, teve problemas de discriminação. Alguns companheiros não gostaram do seu método de trabalhar, porque Rafael informatizou suas fichas de atendimento e individualizou os prontuários dos pacientes que atendia. A crise passou. Agora, é a terceira vez que volta para Baía da Traição, desta vez tendo a interferência do secretário municipal da Saúde, Aloísio Lorena. “Na Espanha, eu morava a 135 quilômetros do Atlântico e, aqui, estou na beira da praia, o que para mim é gratificante”.

Cirurgião-geral e digestivo, Rafael é formado pela Universidade de Sevilha. Veio para o Brasil, a primeira vez, em 2005. Retornou para a Espanha e voltou para terras brasileiras em 2013. Sua opinião sobre as mulheres espanholas e brasileiras é simples: ambas são bonitas, embora a paraibana seja mais educada e não guarde rancor. Na Espanha, a mulher costuma engravidar aos 30 anos, quando no Brasil chega a ser um problema de saúde pública, por ser mais precoce. No Brasil, o interior é bem habitado, ao contrário da Espanha onde existem cidades quase vazias, porque ninguém quer trabalhar no interior”, constata o médico.

Os primeiros dados históricos oficiais de Utrera, a terra natal de Rafael Frutos na Espanha, são apresentados na chamada Reconquista Cristã. No decorrer dos séculos 14, 15 e 16 teve papel estratégico na prosperidade da região, com a realização de obras públicas. Em 29 de março de 1877 conseguiu seu título de cidade, ainda durante o reinado de Afonso XII. É a terra de escritores do quilate de Gustavo Adolpho Abcquer, autor do livro ‘Rimas e Lendas’, e de outros sábios de renome.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 28 de agosto de 2022.