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BICHO-PREGUIÇA

Animal busca por sossego na cidade

publicado: 08/07/2024 09h26, última modificação: 08/07/2024 09h26
Destruição do hábitat natural força a procura por refúgio em áreas urbanas e coloca espécie em risco

por Priscila Perez*

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Apesar de parecer amistoso, o mamífero tem garras que podem causar ferimentos graves em pessoas que tentarem pegá-lo | Fotos: Kenny Rogers/Colaboração

A máxima “Devagar se vai ao longe” cabe muito bem para o bicho-preguiça, um dos animais mais tranquilos da natureza, famoso por seus movimentos lentos, quase em câmera lenta. Mas esses mamíferos dorminhocos (sim, eles podem dormir até 15 horas por dia) não estão mais desfrutando do sossego do seu hábitat natural.

Na Paraíba, em vez de permanecerem na copa das árvores, dentro das reservas ecológicas do estado, eles frequentemente são flagrados atravessado a Rodovia BR-101, em direção ao Campus I da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa.

No caso mais recente, uma preguiça foi flagrada dormindo dentro de um rack — estrutura que armazena e organiza diferentes componentes de instalações de redes—, entre os cabos de internet. Episódios inusitados como esse não só chamam atenção, como levantam uma pergunta importante: o que está afugentando esses animais para as zonas urbanas?

A bióloga Marília Paz, mestre em Ecologia pela UFPB, onde também já realizou trabalhos de educação ambiental e observação de preguiças, tem a resposta: o desmatamento. Segundo a especialista, que atua hoje na Divisão de Fauna da Sudema (Superintendência de Administração do Meio Ambiente), a destruição do hábitat natural — áreas remanescentes de Mata Atlântica — gera uma proximidade maior de fragmentos florestais com a cidade.

“Devido ao avanço da urbanização e da agropecuária, as preguiças vêm perdendo os nichos que ocupam na natureza e podem ser avistadas em bordas de mata de fragmentos florestais urbanos, correndo sérios riscos ao se deslocarem pelo solo”, aponta.

Invasão urbana

Por serem arborícolas (viverem nas árvores) e se alimentarem exclusivamente de folhas e brotos, esses animais são severamente prejudicados pelo desmatamento, já que dependem da vegetação nativa para sobreviver.

Quando a área é desmatada, o bicho-preguiça se desloca em busca de uma nova área de floresta. Essa ação os coloca em perigo. “Ao atravessar ruas e avenidas, pelo solo, as preguiças podem ser atropeladas ou até capturada por traficantes de animais silvestres. Elas também podem utilizar a fiação elétrica como meio de locomoção, ficando expostas a choques elétricos que podem ser fatais ou causar ferimentos graves, como a perda de membros”, observa a bióloga.

Para se ter uma ideia, somente em João Pessoa, o Batalhão de Polícia Ambiental da Paraíba já resgatou 26 preguiças entre janeiro e maio deste ano. Segundo a tenente Telma Lúcia da Silva, chefe do setor de comunicação social do Batalhão Ambiental (BPA), os bairros com maior incidência de resgates são Castelo Branco e Bancários, devido à proximidade com áreas de mata.

“Os acidentes mais comuns envolvendo os bichos-preguiça são os atropelamentos em vias públicas”, destaca a tenente. Ela também menciona que, ao saírem do hábitat natural, esses animais estão expostos a ataques de animais domésticos, e podem ter dificuldade em encontrar alimentos.

 Recomendações

Quando um bicho-preguiça é encontrado em situação de risco, a primeira recomendação é manter distância. Por mais amistoso que ele possa parecer, suas três fortes garras em cada membro podem causar ferimentos graves.

Sobre essa interação, a bióloga Marília Paz explica que, de fato, pode ser negativa, já que as pessoas tendem a humanizar o comportamento do animal. “Quando a preguiça abre os braços em nossa direção, achamos que ela quer nos abraçar, mas, na verdade, essa é uma posição de defesa em que o animal está pronto para desferir golpes com suas garras”, alerta.

Por isso, tanto a bióloga quanto o Batalhão Ambiental orientam a população a ligar para o 190, que é o telefone da Polícia Militar. “Não tente tocá-la ou movê-la, pois isso pode estressá-la. Em seguida, isole a área para evitar que outras pessoas ou animais se aproximem”, complementa a tenente Telma.

O BPA está preparado para realizar o resgate de forma segura.  Quando o animal encontrado está saudável, ele é devolvido ao hábitat natural; mas se estiver ferido, é levado ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas).

Proximidade com a natureza torna as aparições do bicho comuns na UFPB 

Além da aparição do bicho-preguiça no rack de internet da UFPB no início de maio, Marília Paz relata que esses animais já foram encontrados em salas de aula, corredores, telhados e até pendurados em motos, pneus de carros e bicicletas. Essas visitas não ocorrem por acaso, já que a universidade está localizada em meio a um reduto de Mata Atlântica, o que torna essa interação com a fauna silvestre mais natural.

A UFPB, inclusive, possui corredores ecológicos suspensos, instalados pela Superintendência de Infraestrutura (Sinfra), para viabilizar o trânsito de animais entre os fragmentos de mata da instituição.

Para entender como se dá essa convivência, o Jornal A União entrou em contato com a Sinfra, responsável pelo gerenciamento das atividades relacionadas à infraestrutura da instituição.

Sobre o caso específico do bicho-preguiça no rack de internet, a UFPB informou, em nota, que os seguranças resgataram o animal e o devolveram à mata sem ferimentos. A universidade também esclareceu que a aparição de preguiças em espaços urbanizados internos ocorre de forma esporádica e não é quantificada, pois se trata de uma ocorrência comum no campus.

 “Quando esses animais são avistados, a vigilância os captura e os devolve ao seu hábitat natural. A detecção desses animais geralmente ocorre quando pessoas os avistam e enviam fotos para a segurança, indicando a localização para o resgate”, afirmou a UFPB em nota.

Além disso, a UFPB conta com uma Comissão de Gestão Ambiental (CGA) e projetos de extensão que envolvem a proteção dos animais, como a iniciativa “Animais Comunitários”, que distribui faixas pelo campus alertando sobre a presença de animais na pista. “Os bichos-preguiça habitam, principalmente, as matas dentro da UFPB. É raro encontrá-los fora dessas áreas naturais e nas vias dentro do campus”, finaliza.

Apesar dessa informação, no dia em que a equipe de reportagem entrou em contato com a UFPB, uma preguiça havia sido fotografada na grade de acesso à universidade, no bairro Castelo Branco.

Saiba mais

Metabolismo lento deu origem à fama de preguiçoso

Na Paraíba, é encontrada a espécie Bradypusvariegatus, conhecida popularmente como “bicho-preguiça comum” ou “preguiça-de-garganta-marrom”. De acordo com a bióloga Marília Paz, o hábitat natural dela é a Floresta Neotropical, que está presente em biomas como o da Mata Atlântica e da Amazônia. São mamíferos placentários de médio porte, com pelagem espessa e modo de vida arborícola, alimentando-se de folhas e brotos.

A fama de preguiçosa se deve ao seu metabolismo lento, que demora mais para digerir os alimentos. Para se ter uma ideia, o animal faz suas necessidades fisiológicas apenas uma vez por semana. Outra peculiaridade é a presença de uma vértebra extra na base do pescoço, que permite à preguiça virar a cabeça em até 270°. Além disso, elas não enxergam muito bem e dependem mais do olfato para interagir com o ambiente.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 07 de julho de 2024.