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Radar Ecológico

Arborização versus urbanização

publicado: 19/06/2023 13h00, última modificação: 19/06/2023 13h00
Capital possui mais de 30% de área com cobertura vegetal. Especialistas criticam desequilíbrio do verde entre bairros
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Falta de árvores tem sido registrada também nos principais corredores - Foto: Evandro Pereira
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Foto: Evandro Pereira
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Anderson Fontes - Foto: Arquivo pessoal
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Anne Falcão - Foto: Arquivo pessoal
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Joel Silva dos Santos - Foto: Arquivo pessoal
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por Alexsandra Tavares*

Mesmo sendo detentora de títulos como “Cidade das Acácias” e possuir um Jardim Botânico incrustado em pleno coração da cidade, João Pessoa é uma capital que ainda apresenta vias públicas que são verdadeiros corredores de asfalto e concreto. Alguns dos exemplos estão nas avenidas Flávio Ribeiro Coutinho (Retão de Manaíra), Josefa Taveira, Cruz das Armas, e na Rua Walfredo Macedo Brandão (principal dos Bancários). Segundo especialistas da área ambiental, o problema está na má distribuição de árvores no perímetro urbano, prática que precisa ser revista para que os benefícios da arborização sejam aproveitados de forma igualitária.

O professor do Departamento de Geociências da Universidade Federal da Paraíba(UFPB), Joel Silva dos Santos, concorda que João Pessoa é considerada uma das cidades mais verdes do país, no entanto, há uma distribuição desigual da arborização nos bairros. “Temos uma boa relação do número de árvores por habitante, mas há uma má distribuição do verde. Temos umas áreas arborizadas e outras com infraestrutura cinza”, destacou.

Segundo ele, há a necessidade de um planejamento mais equilibrado e sustentável. Um dos motivos é o próprio contexto mundial, em que a cada ano os termômetros marcam uma temperatura mais elevada em todo o globo. As árvores têm influência nesse processo de sensação térmica. “O aumento das áreas verdes vai tornar essas cidades mais resilientes a possíveis mudanças climáticas. Além disso, a arborização melhora a qualidade do ar, de ruídos, ameniza as altas temperaturas e possibilita ambientes de socialização”, frisou.

Joel Santos explicou que o processo de urbanização no Brasil ocorreu sob a perspectiva de uma “infraestrutura cinza”, plena de asfalto e concreto. E com o problema do aquecimento global, países da Europa já defendem um trabalho de engenharia e arquitetura urbana bem diferente, com o olhar voltado à infraestrutura verde.

A bióloga e ecóloga Anne Falcão de Freitas afirmou que a iniciativa de plantar espécies arbóreas nas zonas urbanas é indispensável para a qualidade de vida da população e o equilíbrio ecológico. Entre os benefícios para os cidadãos ela citou a purificação do ambiente por meio da reciclagem de gases que ocorre via mecanismos fotossintéticos e também pela fixação de poeira e gases tóxicos presentes no ar.

O verde distribuído pelas ruas melhora o microclima, pois retém a umidade do solo e do ar por meio do sombreamento. Isso evita que os raios solares incidam diretamente sobre as pessoas. “Ainda influencia no balanço hídrico, favorecendo infiltração da água no solo, provocando uma evapotranspiração mais lenta, podendo formar os lençóis freáticos. Ainda controla enchentes e inundações à medida que drena as águas pluviais, evitando doenças à população veiculadas por águas contaminadas”.

Anne Falcão ressaltou que áreas arborizadas são capazes de atenuar problemas de erosão e assoreamento, que afligem a população por meio de deslizes e desabamento de residências. Sem falar, que as espécies arbóreas ainda servem de abrigo à fauna, propiciando uma variedade maior de espécies, consequentemente, influenciando positivamente para um maior equilíbrio das cadeias alimentares, de pragas e agentes vetores de doenças urbanas. “Vale lembrar que a arborização traz bem-estar físico e psíquico ao homem, por deixar o ambiente mais agradável visualmente”, concluiu Anne.

O professor Joel Santos enfocou que as áreas não arborizadas trariam, portando, reflexos negativos em vários aspectos da vida animal e humana. Esses impactos vão desde a poluição do ar, o aumento da temperatura, maior efeito de impermeabilização do solo, bem como perda da biodiversidade e desconforto visual. “Então, a gente só tem a perder com a ausência dessas áreas verdes. Sem elas, a gente também não teria ambientes adequados de convivência entre as pessoas. São vários impactos negativos”, enfocou Santos.

João Pessoa tem cerca de 200 mil árvores viárias

O engenheiro agrônomo e diretor de Controle Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente de João Pessoa (Semam), Anderson Fontes, destacou que João Pessoa é considerada uma cidade “bastante verde”, já que mais de 30% de seu território tem cobertura vegetal, destacando-se as unidades de conservação, praças e parques. Nesse contexto estão as árvores urbanas viárias. “Que são as espécies presentes nas calçadas, praças e canteiros centrais”, afirmou. Segundo ele, a estimativa é de que estejam distribuídas nas cerca de oito mil ruas da capital, aproximadamente, 200 mil árvores viárias de pequeno, médio e grande porte.

“Não temos ainda um inventário geral quantitativo, mas um pré-inventário que foi realizado aponta para em torno de 2% das ruas do município. E a gente vê que temos um limite bom de árvores”, enfocou. Ele afirmou que a prefeitura tem ações de incentivo ao plantio de mudas nas vias públicas como o“Rua Verde”.

Nas ruas em que o passeio público não comporta árvores, por causa do padrão das calçadas, como a Josefa Taveira e a principal dos Bancários, Anderson Fontes citou que está se discutindo com os moradores a plantação de espécies arbóreas no recuo da casa ou área de jardinagem. “Seria uma árvore de médio porte que tenha condições de se desenvolver e socializar essa questão ecológica e ambiental.

Um fato relevante, segundo ele, é que no trabalho da gestão municipal há uma orientação do tipo adequado da espécie a ser plantada no espaço público, uma vez que algumas podem danificar o calçamento, os imóveis e trazer danos à rede elétrica. “A prefeitura tem esse padrão, desenvolve técnicas, metodologias de plantio correto, a começar do plantio de mudas para os 76 bairros do município. Sabemos a muda mais adequada para cada zona da cidade considerando a incidência solar, ventilação e solo da área.”

Ele explicou que durante o processo de crescimento de João Pessoa, não houve uma preocupação com o planejamento arbóreo. Somente a partir da década de 1940 houve uma maior preocupação de se tentar disciplinar o tipo de árvore adequado a cada área pública. Um exemplo foi o planejamento de uma das principais avenidas da cidade, como a Epitácio Pessoa.
Nos anos subsequentes, segundo Anderson Fontes, vieram alguns modismos de se adotar mudas inadequadas à área urbana. Na década de 1970, surgiu a prática de se permitir plantar árvores frutíferas como jambeiros nas calçadas. Nos anos 1990, Anderson contou que intensificou-se o plantio de árvores de crescimento mais rápido, como a “Ficus benjamina”, no entanto, nem todas elas eram apropriadas às áreas pavimentadas.

Nos anos 2000, com a criação da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e com o Código Municipal do Meio Ambiente, foi posto em prática, de forma mais efetiva, o disciplinamento arbóreo. Então, as pessoas foram cultivando nas vias públicas espécies que não danificavam imóveis, calçadas, nem traziam impacto à rede elétrica. “Não se planta hoje ‘o plantar por plantar’, mas árvores que tragam benefício para o cidadão”, declarou Anderson Fontes.

Ilhas de calor podem provocar variação de até 6ºC entre bairros de João Pessoa

Além de impactar na qualidade do ar, na biodiversidade animal, saúde do homem e erosão do solo, a falta de arborização nos centros urbanos formam as chamadas “ilhas de calor”. Segundo o professor do Departamento de Geociências da UFPB, Joel Silva dos Santos, a literatura clássica define esse fenômeno como sendo “as diferenças de temperatura entre as áreas urbanas e rurais”. No entanto, há as chamadas ilhas de calor “intraurbanas”. Estas têm relação direta com a carência de espécies arbóreas dentro das zonas urbanizadas, podendo resultar em uma variação térmica de até 6ºC entre bairros de uma mesma cidade.

Essa constatação foi feita em um estudo que o professor Joel Santos realizou na UFPB em 2011. “As ilhas de calor intraurbanas consistem na formação de microclimas ou bolsões de temperaturas mais elevadas dentro da própria cidade. Nesse estudo que realizei, detectamos que os bairros mais urbanizados da capital - como Manaíra, Bessa, Cabo Branco e Bancários, apresentaram altas temperaturas devido à remoção da cobertura vegetal. Enquanto bairros com maior arborização ou próximos às reservas florestais, como a Mata do Buraquinho, apresentaram temperaturas mais amenas”, enfocou Joel.

De acordo com ele, a pesquisa mostrou uma diferença de temperatura de 5ºC a 6ºC na comparação entre bairros mais verdes, como os próximos da Mata do Buraquinho, e outros considerados mais “cinzas”, a exemplo de Manaíra, permeado de concreto. “Então, a ausência da cobertura vegetal potencializa essas ilhas de calor”, declarou.

A pesquisa feita por Joel Santos foi intitulada “Estudo do Clima urbano em João Pessoa/PB”. Outros projetos que ele também participou trouxeram informações que corroboraram com os dados do estudo feito em 2011. Em 2019, por exemplo, o professor Joel orientou o trabalho de doutorado da bióloga e ecóloga Anne Falcão de Freitas intitulado “Clima Urbano e sua relação com as arboviroses de dengue, zika e chikungunya em JP”. “Nessa pesquisa, também se observou a existência das ilhas de calor na capital paraibana”, salientou Santos.

A bióloga e ecóloga Anne Falcão de Freitas comentou que esse fenômeno microclimático ocorre porque os raios solares, que atingem a superfície construída, se acumulam, tornando difícil a dissipação do calor. Dessa forma, há a elevação da temperatura do local e a formação das ilhas de calor. “Ainda é importante ressaltar que a falta de vegetação no ambiente urbano diminui a capacidade refletora dos raios solares, e reduz a quantidade de evaporação no ar e, consequentemente, de vapor de água na atmosfera”, acrescentou Anne.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 18 de junho de 2023.