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Arquitetura rica em azul

publicado: 14/08/2023 09h51, última modificação: 14/08/2023 09h51
Símbolo de uma época, o Casarão dos Azulejos, com sua parte externa revestida completamente por azulejos portugueses trazidos da Fábrica Devezas, na cidade do Porto, é um marco no Centro Histórico da capital paraibana
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Prédio histórico em João Pessoa esteve ligado diretamente ao ciclo econômico português durante o período da mineração e principalmente à época da administração do Marquês de Pombal - Foto: Ortilo Antônio

por Michelle Farias*

Uma das maiores riquezas arquitetônicas dos séculos 18 e 19 na Paraíba, o Casarão dos Azulejos chama a atenção de quem visita ou passa pelo Centro Histórico de João Pessoa. Através dele é possível recontar a história da Paraíba e da sua capital. Símbolo da riqueza da época, a parte externa do prédio é revestida completamente por azulejos portugueses na cor azul, trazidos da Fábrica Devezas, na cidade do Porto.

A construção esteve ligada diretamente ao ciclo econômico português durante o período da mineração e principalmente ao período em que Portugal foi administrado por Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal. O ciclo da mineração impulsionou a chegada de muitos portugueses, de todos os estratos sociais.

A chegada dos portugueses, inclusive para trabalhar, fez com que muitas capitanias, províncias, vilas, povoados passassem por um processo de urbanização e continuidade durante o século 19 até o processo de independência do Brasil, em 1822. Algumas construções do centro da atual cidade de João Pessoa datam dessa época.

O Casarão foi construído pela abastada família Santos Coelho, formada por sertanejos que edificaram seu patrimônio com fazendas no Sertão, Agreste e Litoral da Paraíba e de Pernambuco.

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Professor Dominick Farias é especialista em História do Brasil na Paraíba - Foto: Ortilo Antônio

O professor Dominick Farias, especialista em História do Brasil, explica que eles eram grandes exportadores de açúcar e escravocratas do Nordeste no século 18. Ele explica que o Casarão está ligado diretamente ao comendador Antônio dos Santos Coelho.

Uma comenda é uma espécie de título ou honraria que existe desde a Idade Média na Europa e foi muito popular no Brasil colonial português. “Indivíduos que recebiam essa honraria deviam zelar pelo governo em questão e, acima de tudo, ser fiel aos caprichos administrativos da época. A família Santos Coelho beneficiou-se por ter alguns de seus membros com essas honrarias em Pernambuco e na Paraíba, garantindo, inclusive, benefícios da obtenção de propriedade, documentações e favorecimentos”, lembra o professor.

O Casarão dos Azulejos é um desses símbolos de riqueza e apadrinhamento na Paraíba, segundo Dominick Farias. O prédio histórico foi moradia da família Santos Coelho que se destacou no Nordeste independente e no período republicano. A família em questão construiu inúmeros negócios em cidades como Olinda, Caruaru, Jaboatão dos Guararapes, Recife, Campina Grande e Paraíba do Norte (atual cidade de João Pessoa).

O professor acredita que, provavelmente, Antônio dos Santos Coelho não tenha usufruído do Casarão, já que boa parte dos seus negócios estava no Sertão paraibano e em Pernambuco, por mais de três gerações.

O Casarão foi depósito, escola e até repartição pública. Atualmente, é usado pelo Governo da Paraíba para exposições de arte e encontros culturais. O prédio é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep) desde o início da década de 1980. Desde seu tombamento, o prédio é administrado pelo governo paraibano.

Recuperação estrutural e uma revitalização histórica do prédio

Atualmente, não é possível visitar a parte interna do Casarão dos Azulejos em virtude das obras de recuperação executadas pela Superintendência de Obras do Plano de Desenvolvimento do Estado da Paraíba (Suplan). A revitalização está orçada em mais de R$ 135 mil e deve ser concluída em 120 meses.

Na primeira etapa, será reformada toda a coberta do Casarão. Haverá ainda uma outra licitação para uma recuperação mais ampla da estrutura, que vai contemplar paredes e os cuidados com as cerâmicas. O Casarão apresenta 480 metros quadrados de área construída e dois pavimentos.

Doutoranda com formação em artes e especialização em Artes Visuais, Maria da Consolação Policarpo é pesquisadora em azulejaria da Paraíba e explica que o Casarão tem revestimento cerâmico composto de duas partes: biscoito e vidrado. O vidrado tem base lisa branca e ornatos na cor azul cobalto. O verso é conhecido por tardoz. “Todo padrão se concentra no centro da peça tornando-o isolado ou único. Verifica-se no centro a formação de um losango e uma composição de motivos fitomórficos, lembrando a flor do cravo da Índia em padrão estilizado, rodeado por motivos estilizados em diagonais”, descreve.

O prédio pertence atualmente à Secretaria Estadual da Cultura. A reportagem do Jornal A União entrou em contato para saber os planos para a utilização do Casarão, após a reforma, mas não obteve resposta.

Processo de tombamento pelo Iphaep

O Casarão dos Azulejos é considerado um monumento ímpar, com características distintas dos outros imóveis que integram o Centro Histórico de João Pessoa. O arquiteto Artur Medeiros, do Instituto do Patrimônio Histórico da Paraíba, explica que, por suas características, o prédio recebe um tratamento diferenciado em relação aos demais imóveis, por conta do revestimento que há em toda sua parte externa.

“Não é um revestimento comum de a gente encontrar, especialmente em faixadas de edifícios. A gente tem muitos imóveis com a presença de azulejos, mas quando o material passou a ser popularizado e empregado nos imóveis, ele era muitas vezes utilizado como um revestimento interno de banheiro. Ele veio primeiro como uma necessidade e depois passou a ter uma característica mais de estética, decoração”, diz.

“Não é um revestimento comum de a gente encontrar, especialmente em faixadas de edifícios."

A partir das pesquisas feitas no arquivo do Iphaep, ele afirma que a ocupação holandesa em Recife, no estado de Pernambuco, no século 17, demonstra que era uma tradição do país utilizar azulejos nas construções. “Mas como aqui na Paraíba não foi especificamente a ocupação principal dos holandeses, não é muito comum esse tipo de adorno”, conta, acrescentando que o revestimento do Casarão é único.

O cuidado com a preservação dos azulejos recebe uma atenção maior do Iphaep. Na última reforma feita no Casarão foi realizado um trabalho de restauração dos azulejos, com atuação dos técnicos do Instituto em relação à limpeza e recuperação de peças quebradas. A retirada da vegetação invasora que brota entre os azulejos também é feita com cuidado, com um material que não cause danos.

No processo de tombamento é avaliado o valor histórico agregado ao prédio e, ao chegar ao Iphaep, o pedido passa por avaliações das Coordenadorias de Histórica e de Arquitetura. O tombamento do Casarão dos Azulejos, em 1980, foi feito na gestão do então governador Tarcísio de Miranda Burity (de 1979 a 1982 e de 1987 a 1991).

O Casarão de Azulejos, também conhecido como Sobrado dos Azulejos, está localizado em frente à Praça Dom Adauto, à Rua Conselheiro Henrique, 159, no Centro de João Pessoa.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 13 de agosto de 2023.