Existem diversas violações contra a pessoa idosa: maus-tratos, exploração financeira, negligência familiar e violência psicológica. Muitas vezes, o idoso compreende as inúmeras violências a qual é submetido diariamente, mas prefere silenciar seu sofrimento, a denunciar os familiares com medo de prejudicá-los. Diversos profissionais que lidam com a pessoa idosa relatam histórias marcantes em sua trajetória.
A violência contra a pessoa idosa está presente nos diferentes grupos sociais, possui várias facetas e formas de se expressar, desde a maneira mais evidente até a mais sutil. A violência silenciosa talvez seja a violação mais difícil de identificar, pois o idoso não pede ajuda ou não tem condições de se defender.
O diretor do Hospital Padre Zé, padre Egídio de Carvalho, revela que o idoso prefere se entregar à doença do que denunciar o familiar que está ocasionando seu sofrimento.
“O idoso não quer expor o filho, prefere se entregar à doença. Geralmente os filhos que estão vivendo com ele, usufruem do seu salário, mas não tem zelo e cuidado com ele. A pessoa chegou a uma fase da vida que precisa de uma atenção especial, mas este direito lhe é negado”, explicou. Desde que assumiu a direção, vários idosos passaram pelos cuidados do Hospital Padre Zé, mas a história da assistente social Maria das Neves Oliveira (nome fictício), 87 anos, sensibilizou toda a equipe. Ela se aposentou com um salário de quase 10 mil reais, mas quando adquiriu Alzheimer, o filho e o ex-marido a abandonaram em uma instituição de longa permanência, pagando apenas um salário mínimo. “Ela chegou ao Hospital Padre Zé com um quadro de desnutrição gravíssimo, tanto é que a equipe médica achou que ela não passava de 24 horas. Os familiares só vieram uma vez, no início de sua estadia no hospital, quando a Justiça bloqueou a aposentadoria”, revelou.
O sacerdote se tornou o responsável legal da idosa. Sua primeira providência foi contratar quatro cuidadoras, que se revezam no cuidado com dona Nevinha. “É muito triste essa situação. Por mais que dona Nevinha esteja debilitada, sente que a família a abandonou. Nossa missão tem sido aliviar seu sofrimento, proporcionando dignidade nos últimos anos de vida. Em datas comemorativas, como Dia das Mães e Natal, a psicóloga coloca um boneco em sua cama para dona Nevinha abraçá-lo”, contou.
Mais do que curar a enfermidade, a missão do Hospital Padre Zé é oferecer um cuidado humanizado ao idoso.
Negligência familiar acontece, principalmente, na classe média
O diretor do Padre Zé evidencia que a negligência familiar acontece, principalmente, na classe média. É só lembrar dos 36 idosos que foram resgatados em condições precárias no abrigo Cuidarte, em Tambauzinho, em abril de 2021.
“Os idosos estavam desnutridos e alguns com escária, vários eram de classe média, mas estavam abandonados. A pandemia dificultou o acesso dos familiares ao abrigo, mas se eles fossem presentes na vida do idoso perceberiam que não estavam sendo bem cuidados. Só tinha duas cuidadoras para 36 idosos”, relembrou.
Após o resgate, os idosos foram levados para o Hospital Padre Zé para receberem assistência médica e os que tinham condições de serem institucionalizados foram transferidos para a Associação Promocional do Ancião (Aspan), no Cristo Redentor. Os idosos que estavam com boa condição de saúde foram levados pelas respectivas famílias, mas continuaram monitorados pela promotoria do idoso em parceria com os Centros de Referências Especializado em Assistência Social (Creas). Foram realizadas visitas domiciliares regularmente para analisar o cuidado da pessoa idosa para ter certeza de que estavam sendo bem cuidados.
O resgate dos idosos no abrigo Cuidarte, talvez tenha sido o caso de maus-tratos de maior repercussão na Paraíba. Entre tantos idosos, a procuradora do MPPB, Sônia Maria Maia, na promotoria de Justiça, se emociona ao contar a história de Rose Santos (nome fictício), que passou quatro meses internada no Hospital Padre Zé e, devido à gravidade do seu estado de saúde, teve que amputar a perna. “Como ela tinha problema cardiovascular e na época não recebeu o tratamento adequado devido à pandemia, o MPPB teve que autorizar a amputação, pois sua saúde estava em risco, já que nenhum familiar se apresentou após o resgate”, contou.
A procuradora lembra emocionada o momento que dona Rose perguntou sobre a perna amputada. “Num lampejo de lucidez, ela perguntou pela outra perna. Eu fiquei sem saber o que dizer, apenas me deixei levar pela emoção”, lembrou emocionada. Na saída a idosa apertou sua mão, como quem agradecia sem discurso por tê-la tirado daquela situação desumana. “Foi um momento muito genuíno. Ela me olhava com gratidão e eu retribuí fazendo um carinho no seu rosto, transmitindo calor humano para que se sinta viva. São gestos como esse que fizeram minha missão ter sentido”, concluiu.
Entre tantas histórias tristes de exploração financeira, negligência familiar e abandono, a procuradora Sônia Maria relatou uma que teve um desfecho feliz. Severino, conhecido como Biu, carregou balaio de feira a vida toda no Mercado Central, se tornando testemunha da história local por volta de 50 anos. No entanto, vivia há muito tempo em situação degradante, pois não aceitava ajuda - esta condição se caracteriza como autonegligência. As pessoas relataram que Bio nunca gostou de tomar banho, cortar as unhas e que preferia viver em um beco com lençóis sujos e no chão, do que em um abrigo de longa permanência.
O proprietário da Casa Bahia, situada no Mercado Central, Genival Araújo, há 30 anos acompanhava sua história, criando um vínculo afetivo com o morador de rua. O comerciante procurou a promotoria do idoso para saber como ajudá-lo. “A gente providenciou o registro tardio de nascimento para que ele começasse a receber os benefícios assistenciais, inclusive o BPC. Depois de muito diálogo, conseguimos convencê-lo a morar na casa de acolhimento de idosos Aspan. Ele está muito feliz e bem saudável. O Genival sempre vai visitá-lo”, comemorou.
MPPB desbravando os caminhos
A procuradora do MPPB, Sônia Maia, atuou por nove anos na Promotoria de Justiça do Cidadão e Defesa do Idoso em João Pessoa. Ela relembra a dificuldade de promover melhorias, pois não existia uma equipe especializada no atendimento à pessoa idosa. Teve que desbravar caminhos literalmente, “cutucar” a gestão municipal e lutar incansavelmente pelos direitos da pessoa idosa.
“Era apenas eu e o assistente jurídico, não tínhamos assistente social nem psicólogo. Depois de algum tempo conseguimos voluntários até o MPPB formar o quadro de servidor”, afirmou. A dificuldade de interagir com o Conselho Municipal do Idoso também foi outro empecilho.
Apesar das dificuldades enfrentadas, Sônia considera um período de muito aprendizado e evolução espiritual. Ela avalia que a política do idoso na Paraíba vivencia outro momento, comparado ao cenário de 2013. “Demorei quatro anos para organizar o básico. É preciso atuar de forma integrada para ter avanços. A nova gestora do Conselho Municipal do Idoso é uma pessoa bem comprometida e recebeu o órgão com outra visão, por isso tem condições de fazer um trabalho bem melhor”, concluiu.
Acolhimento mais investigação
A delegada Vera Soares revela que, muitas vezes, os idosos procuram a Delegacia Especializada do Idoso, localizada no Centro de João Pessoa, para desabafar sobre conflitos familiares e se informar sobre seus direitos. “Aqui eles encontram o acolhimento necessário e são encorajados a recuperar a autonomia de sua vida. Se o idoso é lúcido, ele tem condições de administrar sua vida”, afirmou.
De acordo com o art.10, do Estatuto do Idoso “É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.
Após receber a denúncia anônima, a Delegacia do Idoso realiza a investigação para não cometer injustiça. As agentes femininas realizam uma visita surpresa na casa do idoso, conversando com o idoso em particular. Geralmente a denúncia parte de vizinhos ou pessoas que trabalharam para aquela família.
“A melhor hora de fazer a visita é pela manhã, se o idoso estiver limpinho e aparentemente alimentado não há indícios de maus-tratos. Quando a denúncia não procede, muitas vezes, é provocada por desavenças familiares”, revelou a delegada.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 13 de maio de 2023.