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Chuvas e as profecias do porvir

publicado: 30/05/2024 10h59, última modificação: 30/05/2024 10h59
Moradores da zona rural observam os elementos da natureza para prever as oscilações climáticas e a hora do plantio
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Agricultora Sílvia Maria de Lima, de Catolé do Rocha, distribuindo sementes | Fotos: Valdênio Menezes/Secom-PB

por Marcella Alencar*

A emergência climática é uma realidade brasileira. Na Paraíba, as chuvas que assolam o estado já vêm causando também grandes danos. Em João Pessoa, as águas do fim de maio e início de junho provocam bloqueios e transtornos para quem circula por vários pontos da cidade. De acordo com dados publicados pela Secretaria de Mobilidade Urbana de João Pessoa, choveu na última terça feira (28), mais da metade do volume esperado para o mês de maio inteiro, com registro de 125 mm.

Situações como essa têm se tornado comum nos últimos anos diante do cenário de emergência climática que vem inundando as páginas de notícias e criando situações extremas, como a que ocorreu no Rio Grande do Sul no início do mês. Na Paraíba, o cenário também é complexo. Enquanto que na capital e em Campina Grande a água das chuvas torrenciais causam alagamento que complicam a vida dos moradores, no Sertão da Paraíba, as mudanças climáticas assolam as cidades de diferentes formas, prejudicando colheitas com as chuvas descontroladas que causam inundações.

Excesso
As mudanças climáticas assolam as cidades do Sertão de diferentes formas, prejudicando colheitas com as chuvas descontroladas que causam inundações

O período de chuvas do litoral é comum nesse período do ano, devido aos aglomerados de nuvens que se formam no oceano e vêm trazidos pelos ventos de baixos níveis da atmosfera, como salientou a metereologista da Agência Estadual de Águas da Paraíba (Aesa), Marle Bandeira. Contudo, há também uma intensificação das chuvas diante do aquecimento do oceano: “Como a temperatura das águas do Oceano Atlântico estão mais quentes, acabam servindo como ‘combustível’ e intensificam os aglomerados de nuvens, trazendo chuvas mais intensas”. As chuvas, de acordo com Marle Bandeira, no litoral, até julho “deverão se comportar de normal a acima da média”.

Já no Alto Sertão, Sertão, Cariri e Curimataú, o período mais chuvoso é de fevereiro a maio “As chuvas nesses cinco meses ficaram dentro da média, porém com irregularidades”. São essas irregularidades nas chuvas que agricultores e agricultoras, como Sílvia Maria de Lima, da cidade de Catolé do Rocha, endossam ao falar sobre como os impactos das águas têm causado prejuízo a plantios: “De certa forma a gente já sabia que ia acontecer alguma coisa. Na região de Sousa, Aparecida, as pessoas que viviam de plantio de bananeiras ficaram com inundações. Foi como uma ‘seca’, porque acabou com tudo deles. Foi uma seca com água, a gente costuma chamar aqui. E aí para eles reconstruir tudo de novo demora”, falou dona Silvia, agricultora e apicultora do assentamento Frei Dimas, em Catolé do Rocha. 

A percepção de chuva em consonância com natureza é um importante indicativo para pessoas que habitam a zona rural e que vivem do trabalho do campo. É por meio das plantas, animais e solo que os agricultores conseguem dizer, para além dos dados objetivos, se as chuvas frutificarão de forma positiva ao longo do ano. “Os profetas e profetisas e seus conhecimentos são formas de conectar rituais da vida e rituais da natureza”, ressalta Valdênio Menezes, professor doutor de Ciências Sociais nos cursos de Engenharia Agronomica da UFCG do campus de Pombal. Valdênio desenvolveu um projeto sobre os profetas da chuva no Sertão do estado, juntamente com seu orientando, Pedro Felipe Miranda.

Anualmente, o professor Caetano Moura, do IFPB de Sousa, realiza o encontro anual dos profetas da chuva. Na reunião, discutem-se temas importantes para as colheitas e percepções da natureza ao longo dos últimos meses. Foi neste encontro que Valdênio e Pedro Felipe tomaram conhecimento acerca da discussão que já vem ocorrendo sobre os rituais da natureza que dão sinais do que costumeiramente estamos chamando de emergência climática: “A emergência climática em nível macro e trágico está forçando a gente a observar a natureza. Não mais somente rituais de comunidades locais, mas instituições modernas de Estado, dos mercados e da vida urbana, como a gente pode observar hoje em dia”, destaca o professor.

Acertos das previsões sobre o clima resultam da experiência

"A gente apenas observa a natureza, os animais, as abelhas, as plantas. As formas que as plantas floram, que as fruteiras seguram as frutas"
- Sílvia Maria

Os chamados profetas da chuva, na realidade, são pessoas que historicamente vivem do campo e começaram a observar, por meio da experiência diária, como a natureza se comporta. Por isso, a percepção é diferente da experiência comum que temos na cidade: “Na realidade, a gente não sabe de nada a respeito de clima e de chuva. A gente apenas observa a natureza, os animais, as abelhas, as plantas. As formas que as plantas floram, que as fruteiras seguram as frutas. As formas que os insetos estão vivendo. E dessa forma a gente vai descobrindo as chuvas do próximo ano como serão”, comenta Sílvia, sobre como ocorrem os eventos anuais dos profetas da chuva. Neste ano o evento ocorreu em janeiro, em Catolé do Rocha.

A agricultora comenta ainda sobre como é possível perceber essas mudanças a paritir de árvores como o Ipê, árvore que costumeiramente é chamada de Pau D’arco no Sertão: “Do mês de junho para o mês de agosto, os Ipês costumam florar. O ano passado, quando eu observei, eu vi dois pés de Ipês encostado um no outro. Um florou bastante e o outro não colocou nenhuma flor. E aí na discussão da gente foi que: para uns ia ser muito bom e para outros seria muito ruim”. Sílvia explica ainda que quem plantou em terras mais baixas perdeu tudo com as inundações e ainda há agricultores que não conseguiram colher para o São João”. 

Encontro dos Profetas da Chuva acontece anualmente para discutir temas relativos às colheitas e à percepção da natureza ao longo dos últimos meses |

Outro fato comum a ser observado pelos profetas da chuva são as abelhas e como elas se movimentam ao longo do ano: “As abelhas, por exemplo, elas no fim do ano não costumam ter mel. E ano passado elas tinham muito mel. E aí a gente viu o quê? Que elas estavam se prevenindo. Todo ano a gente começa a colher mel em fevereiro. Esse ano a gente nem começou. A expectativa é de começar agora, porque as chuvas foram tão fortes que não deixaram as chuvas sair e não deixavam as flores ter mel”. De acordo com Sílvia, as abelhas sabiam que as chuvas iam ser irregulares e prejudicar a flora e guardaram mel para comer durante o período chuvoso: “Elas não iam poder sair. Elas sabem de algum jeito”, comenta a agricultora. Os profetas da chuva e os conhecimentos populares ajudam a também dar outra percepção das mudanças climáticas que acontecem do litoral ao Sertão do estado.

Para quem vive no meio urbano, os movimentos são observados pela dureza do asfalto que acaba coberto de água e causa trânsitos intensos em diversas regiões. Já para as pessoas que vivem do campo, na realidade, é a produção da terra que demonstra a dureza da colheita do ano, pois “tais experiências valem mais que toda a ciência experimental dos doutores, porque são tradições orais que vêm de outras eras, legadas por seus maiores homens bem experimentados neste mister”, como colocou certa feita o autor cearense, Josa Magalhães, no livro “Previsões folclóricas das sêcas e dos invernos no nordeste brasileiro” de 1963.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 30 de maio de 2024.