Sepultamento ou cremação? Essas normalmente costumam ser as duas opções quando se pensa na morte. No entanto, seu Valter fez uma escolha diferente. Ainda em vida, ele decidiu se cadastrar no Programa de Doação de Corpos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e, segundo suas próprias palavras, contribuir para a ciência.
O Programa de Doação de Corpos da UFPB existe desde 2019 e é coordenado pela professora Amira Medeiros, do Departamento de Morfologia do CCS, da UFPB. Desde então, o corpo de Valter foi o primeiro do centro a ser doado pelo próprio doador ainda em vida. Outros três foram doados pela família, sendo um adulto e dois recém-nascidos; além de 13 natimortos.
“Eu fiz o cadastro de seu Valter em fevereiro de 2020. Ele tinha 84 anos na época, estava tão feliz que ele disse ‘eu não acredito que eu vou realizar o meu sonho’”, conta a professora.
Valter queria ser útil para a formação de profissionais que no futuro estarão pesquisando ou mesmo cuidando de pessoas. A sua maior motivação foi o fato dele nunca ter conseguido se formar, mas ter sido beneficiado pela ciência ao longo dos seus 87 anos. Ao fim da vida, decidiu deixar um documento autenticado em cartório para os seus oito filhos, afirmando o seu desejo de ter seu corpo a serviço da universidade.
Memorial
Entre os mais de mil alunos beneficiados, estão futuros médicos, biomédicos, enfermeiros, dentistas, fisioterapeutas, entre outras profissões onde compreender bem o funcionamento do corpo humano é essencial.
Como uma forma de homenagear a memória daqueles que tiveram seus corpos doados para a universidade, o Departamento de Morfologia do Centro de Ciências da Saúde (CCS) criou um memorial. Além da homenagem, o local também tem o objetivo de humanizar a despedida dos familiares.
O diretor de graduação do CCS da UFPB, professor João Euclides, ressalta a importância do projeto para todas as religiões: “A gente providenciou o projeto arquitetônico como um espaço ao ar livre em que familiares dessas pessoas, em que estudantes, professores e pesquisadores atuam, pudessem vir, sentar, meditar na natureza, lembrar dessas pessoas, depositar flores. Nós tivemos aqui na inauguração do memorial a presença da família do primeiro doador de corpos. O senhor Valter, por exemplo, faleceu, mas em vida deixou um documento dizendo aos filhos que queria, ao morrer, que seu corpo viesse aqui para a universidade para servir como estudo”.
O memorial é uma iniciativa do Programa de Doação de Corpos (PDC) da UFPB, coordenado pela professora Amira Medeiros, do Departamento de Morfologia do CCS, para expressar a gratidão da comunidade universitária pela doação.
A UFPB é a única universidade do país a disponibilizar um memorial desse tipo. A Universidade Federal de Santa Catarina, pioneira no programa de doação de corpos, até o momento não conseguiu realizar um memorial em homenagem aos corpos doados. De acordo com o professor João Euclides, isso acontece devido ao fator financeiro.
Na UFPB, ele ressalta que foram investidos cerca de R$ 25 mil no projeto arquitetônico. “A gente alocou os recursos do Centro por considerar que a gratidão é algo importante. Esse gesto de doar é para que seu corpo sirva para formar futuros profissionais de saúde que possam também salvar a vida. Ou seja, é vida que dá vida, não é? Ou a morte que faz com que a vida seja mantida. Então, a gente resolveu apoiar esse projeto que foi proposto pela professora Amira”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 21 de novembro de 2023.