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Cigarro prejudica a vida de quase meio milhão de paraibanos

publicado: 30/05/2016 17h57, última modificação: 30/05/2016 17h57
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Segundo o IBGE, somente em João Pessoa existem 90 mil fumantes - Foto: Ludmilla Tavares/Flickr

tags: cigarro , fumo , dia mundial sem tabaco


Jadson Falcão - Especial para A União

Mesmo com todos os malefícios que o cigarro traz, muita gente ainda insiste em consumir a droga que continua fazendo vítimas ao redor do mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem o tabagismo como a principal causa de morte evitável no planeta, e estima que um terço da população mundial adulta seja fumante. Na Paraíba, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de fumantes passa dos 450 mil, sendo 90 mil destes somente em João Pessoa. 

No Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde (MS), 200 mil pessoas morrem todos os anos por doenças causadas pelo tabagismo. O hábito de fumar é responsável por 30% das mortes por câncer de boca, 25% das mortes por doenças do coração, 85% das mortes por bronquite e enfisema pulmonar, e 90% das mortes por câncer de pulmão, doença que já matou 1865 pessoas de 2011 até agora na Paraíba, sendo 418 apenas no ano passado. 

Apesar da mortalidade causada pelo tabagismo ainda ser uma forte realidade por aqui, o Brasil é reconhecido mundialmente por seu empenho em combater o problema, e os resultados têm aparecido ao longo dos anos. Para se ter uma ideia dos avanços alcançados, em 1989, 34,8% da população brasileira fumava, índice que de acordo com o MS, caiu para 15,6% da população em 2006, e 10,8% em 2014. 

A fumaça do cigarro tem mais de 4,7 mil substâncias tóxicas que prejudicam - além dos pulmões e do coração - todos os órgãos do corpo. A nicotina, substância mais conhecida do cigarro, ocasiona problemas cardíacos e vasculares, e causa a sensação de prazer ao cérebro, sendo por isso a responsável por viciar a pessoa fumante no cigarro.

A aposentada Nice Balbino (60) foi fumante durante mais de 40 anos e contou que, assim como muitos jovens, começou a fumar na pré-adolescência sem que os pais soubessem. Nice explicou que tinha vontade de largar o cigarro, mas o vício era muito forte, e por isso, mesmo tendo tentado várias vezes, ela não conseguia. “Eu só deixava de fumar quando estava grávida, aí eu passava os nove meses sem fumar, mas também no dia em que eu tinha [o bebê], eu descontava os dias perdidos”, contou ela.

Problema comum em muitos fumantes, as dores de cabeça e o pigarro na garganta também incomodavam a aposentada que, em 2009, conseguiu iniciar sozinha o processo para se livrar do cigarro. “Eu coloquei na cabeça que ia deixar de uma vez por todas, porque nas outras vezes eu tentava, mas o máximo que eu conseguia era 15 dias. Então, no dia da mulher eu fumei normalmente, e no outro dia decidi que nunca mais ia fumar. Mas eu sofri, viu?”, relatou Nice.

Ela contou ainda que o processo para deixar de fumar levou mais ou menos um ano, e que durante esse tempo, mastigava casca de romã, chiclete, e até arroz cru para diminuir a ansiedade pela droga. “De tudo eu inventava pra me livrar disso”, explicou.

Nice salientou que o processo não foi fácil, mas que com força de vontade, conseguiu se livrar do problema. Ela contou que a melhora na saúde foi rápida e evidente. “Em uma semana que deixei [o cigarro] eu já vi o resultado. Passou aquele pigarro da garganta, as dores de cabeça e a tosse seca que eu tinha. Fiquei boa e todos os sintomas que eu tinha passaram”, explicou.

Tratamento

"A nicotina é a grande responsável pelos infartos no coração de fumantes", alerta o pneumologista Sebastião CostaUma pessoa que fuma 20 vezes por dia, ele joga 20 vezes por dia 60 substâncias cancerígenas no seu pulmão. Ele só não vai morrer de um câncer de pulmão se ele morrer de alguma outra coisa antes, como o infarto por exemplo. A nicotina é a grande responsável pelos infartos no coração de fumantes”, afirmou o pneumologista Sebastião Costa, que explicou que é possível largar o cigarro sozinho, mas que a melhor forma de se livrar do problema é o tratamento acompanhado por profissionais, que garante a certeza de sucesso.

Antigamente só parava de fumar quem tinha força de vontade. Hoje, não. Hoje, todo e qualquer fumante tem toda condição de parar de fumar. É só procurar um serviço adequado”, afirmou o médico explicando ainda que todo fumante tem, não somente a dependência da nicotina - que é tratada com produtos como o adesivo nicotinizado, comprimidos, e o chiclete nicotinizado -, mas também a dependência psicossocial, que devem ser tratadas nas unidades de saúde especializadas no combate ao tabagismo.

De acordo com a coordenadora do Núcleo de Doenças e Agravos Não Transmissíveis da Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba (SES), Gerlane Carvalho, o Governo do Estado trabalha contra o tabagismo em parceria com as prefeituras, fornecendo os medicamentos enviados pelo MS aos municípios. Segundo ela, o Governo do Estado inclui a luta contra o tabagismo em todas as suas ações de promoção da saúde, e em suas campanhas foca principalmente nas crianças e adolescentes, buscando evitar o contato inicial desse grupo com o cigarro.

A psicóloga Fabiana Cunha faz parte da equipe contra o tabagismo no Centro de Atenção Integral à Saúde (Cais) no bairro do Cristo, e explicou que, inicialmente o paciente passa por uma triagem, para depois fazer uma análise clínica e começar a frequentar as reuniões em grupo, que são formadas por no máximo 15 pessoas, e ocorrem semanalmente com o objetivo de ajudar o paciente a socializar suas experiências e, assim, se sentir motivado a largar o cigarro.

Fabiana contou que durante o primeiro mês de tratamento, o paciente participa das reuniões para tentar largar o cigarro apenas através da socialização com os colegas e com a equipe de apoio. Aqueles que não conseguem nesse primeiro momento são encaminhados ao médico para começarem a utilizar os adesivos nicotinizados, e se for o caso, os medicamentos. O tratamento completo tem duração de um ano.

O segurança patrimonial Amois Carvalho (32) fumou durante dez anos, e está em tratamento no Cais do Cristo. Através do acompanhamento psicossocial e dos medicamentos e adesivos nicotinizados, Amois está agora há três meses sem fumar, e contou que o processo não foi nada fácil. “Nas primeiras semanas é complicado, a gente tem que tá sempre conversando e recebendo as dicas da equipe que nos ajudam a afastar mais a vontade. Eu parei de fumar, mas o tratamento tem que ser finalizado porque tem a recaída, né? Se você não estiver com o acompanhamento dessas pessoas aqui, fica difícil”, afirmou.

Ele explicou que resolveu deixar o cigarro por conta de sua saúde, e também por conta da saúde de suas filhas, que inalavam a fumança em casa. Amois elogiou o cuidado recebido por parte da equipe da unidade. “O tratamento tá super legal. O pessoal dá muita atenção pra gente, muita força, e são pessoas boas que estão sempre nos orientando, nos dando uma palavra de conforto”, salientou.

Amois fumou por dez anos e hoje está em tratamento para largar o vícioHoje em dia, eu sei o que é viver sem o cigarro, e parar é muito importante porque queira ou não queira, é uma coisa que vai matando você aos poucos. Eu acho que o primordial na vida da gente é a saúde, porque os objetivos a gente conquista ao longo do tempo”, completou.

Os Centros de Referência para Tratamento do Fumante estão espalhados por todos os cem municípios da Paraíba que aderiram ao Programa Nacional de Controle do Tabagismo. O serviço é oferecido de forma totalmente gratuita em Unidades de Saúde da Família; Centros de Atenção Psicossocial (Caps); Centros de Atenção Integral à Saúde (Cais); Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf) e Centros de Saúde.

Em João Pessoa, o tratamento é disponibilizado em cinco Centros de Atenção Integral à Saúde, que também atendem ao fumante de forma gratuita. Os postos estão localizados nos bairros de Mandacaru, Cristo, Rangel, Mangabeira e Jaguaribe. Além do acompanhamento psicológico, nos Cais o paciente recebe os medicamentos necessários ao tratamento.

Para as pessoas que não têm acesso às equipes nas unidades de saúde, ou desejam um contato inicial para saber mais sobre o tratamento, o Ministério da Saúde disponibiliza o Disque Saúde (136), serviço gratuito que garante ao usuário seu anonimato, orienta e tira dúvidas a respeito de várias doenças, entre elas o tabagismo. Os quitlines, como são chamados mundialmente os serviços telefônicos de ajuda para deixar de fumar, são uma ferramenta importante para ajudar os fumantes que querem se livrar desse mal. No Brasil, o serviço funciona de segunda a sexta-feira das 8h às 18h.

A meta do governo federal é diminuir a população de fumantes no país para 9,1% até 2020. O SUS conta atualmente com mais de 23 mil equipes de saúde da família que atuam no tratamento ao tabagismo em 4.375 municípios. Em 2013 e 2014, mais de R$ 40 milhões de reais foram gastos com a compra dos medicamentos que ajudam na luta contra o tabagismo.

Saúde bucal

Verso dos maços de cigarro na Austrália traz imagens mais impactantesO tabagismo também afeta a boca, onde provoca uma série de alterações”, explicou o cirurgião dentista Itamar Falcão Bezerra. Segundo ele, num primeiro momento, por conta da nicotina, o cigarro provoca manchas nos dentes e mau hálito nos pacientes. Itamar explicou também que o hábito de fumar favorece o aumento da placa bacteriana, levando também a complicações mais severas como alterações na língua, nas papilas gustativas, nas bochechas, e em último caso, ao câncer bucal, que mata quatro mil brasileiros todos os anos, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca). 

É bem certo que o cigarro não traz nenhum benefício, ele só traz malefícios. Em caso de qualquer alteração na boca de algum paciente fumante, normalmente fazemos um exame clínico, e depois o acompanhamento. Se o problema continuar evoluindo, fazemos uma biópsia para poder chegar a um diagnóstico mais preciso”, explicou.

No final do ano passado, entrou em vigor a lei de nº13.230, que instituiu a Semana Nacional de Prevenção ao Câncer Bucal, e tem como objetivo promover ações preventivas, debates e campanhas educativas que conscientizem a população a respeito da doença.

O conselho que dou é que a gente trabalhe com a questão preventiva. Se o Brasil partisse pra educar mais, prevenir mais, e colocasse profissionais mostrando os malefícios do cigarro na rua, nas escolas, nas instituições e nas empresas, o governo federal gastaria muito menos dinheiro com saúde bucal do que se gasta atualmente”, opinou o dentista. 

O esporte como auxílio no tratamento

A prática de exercícios físicos e de esportes também ajuda a pessoa que fuma a se livrar do cigarro. O treinador físico Alberto Sarly explicou que exercitar o corpo ajuda o fumante pelo fato de estimular cada vez mais o uso de sua capacidade respiratória. “Quem fuma normalmente tem uma capacidade cardiorrespiratória muito reduzida, então quando começa a fazer os exercícios, a troca gasosa acontece com mais facilidade nos pulmões, e com o passar do tempo o vício pelo cigarro vai diminuindo, porque a pessoa vai percebendo que precisa respirar melhor pra continuar se exercitando,”, afirmou. 

O pneumologista Sebastião Costa contou que a importância do esporte para o fumante é justamente essa, e que, além da melhora na respiração, os exercícios também trazem a sensação de bem-estar ao praticante, o que também ajuda a se livrar do vício do cigarro. “A endorfina é a principal substância liberada ao cérebro durante o exercício, ela promove euforia e bem-estar”, explicou o médico.

Essa liberação de hormônios vai fazendo com que a pessoa se sinta melhor e queira mais. Isso vai permitir que ela treine cada vez mais, e consiga liberar cada vez mais hormônios, o que vira um ciclo não vicioso, mas um ciclo virtuoso”, completou Alberto Sarly. 

Legislação anti-fumo

A legislação brasileira proíbe o ato de fumar cigarrilhas, charutos, cachimbos, narguilés e outros produtos derivados do tabaco em locais fechados de uso coletivo, mesmo que o ambiente esteja parcialmente fechado por uma parede, divisória, teto ou toldo. A lei proíbe também a propaganda comercial de cigarros em qualquer tipo de mídia, inclusive nos locais de venda, sendo permitida apenas a exposição dos produtos. 

As embalagens de cigarro no Brasil vêm acompanhadas de mensagens e imagens que mostram os males trazidos pelo fumo, além do número do telefone do Disque Saúde. O país foi um dos pioneiros em implantar a obrigatoriedade do uso de imagens fortes nos maços como tentativa de conscientização. Com a nova Lei Anti Fumo, que entrou em vigor no final do ano passado, os avisos nas embalagens agora ocupam 100% da face posterior e uma de suas laterais.

Além do Brasil, as fotografias de mazelas provocadas pelo cigarro são obrigatoriamente impressas nos maços de outros 74 países, incluindo a Austrália e alguns países africanos, que têm adotado o uso de imagens muito fortes nas embalagens com o intuito de reduzir os índices de tabagismo entre as populações.

Nos Estados Unidos, a situação é curiosamente diferente, pois, apesar de ter sido o primeiro país a imprimir avisos nos maços de cigarro, é um dos poucos que não assinaram a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco da OMS, que entrou em vigor em 2005, e determina a adoção de medidas que buscam "proteger as gerações presentes e futuras das devastadoras consequências sanitárias, sociais, ambientais e econômicas geradas pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco" (artigo 3º).

O aumento do preço dos maços e dos impostos sobre eles também é uma medida utilizada para reduzir o consumo, e tem se mostrado bastante efetiva, principalmente entre os jovens e populações mais pobres. Estudos indicam que um aumento de preços na ordem dos 10% é capaz de reduzir o consumo desses produtos em cerca de 8% em países de baixa e média renda, como o Brasil. As pesquisas demonstram ainda que o aumento dos preços estimula os fumantes a deixarem de fumar, e inibem a iniciação de crianças e adolescentes no fumo.

De acordo com o Decreto nº 8.656/2016, desde domingo (1), o cigarro deve ser vendido no país ao preço mínimo de R$ 5,00, ficando o estabelecimento comercial que descumprir a medida sujeito ao perdimento dos produtos, e a proibição de comercializar cigarros pelo período de cinco anos. O fabricante de cigarros que divulgar tabela de preços de venda abaixo do preço mínimo ou comercializar cigarros a estabelecimentos que estejam proibidos de vendê-los, terá cancelado seu Registro Especial pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Os estabelecimentos devem afixar e manter em local visível ao público a tabela de preços das marcas de cigarros que comercializarem, e cobrar dos consumidores exatamente os preços dela constantes. A comercialização de cigarros no país ao consumidor final somente pode ser feita em carteiras contendo vinte unidades. 

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