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Combustível considerado "limpo", etanol vira aposta das montadoras no Brasil

publicado: 09/07/2017 00h05, última modificação: 08/07/2017 10h01
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A cadeia produtiva da cana-de-açúcar na Paraíba, principal matéria prima do etanol, gera 44 mil empregos em 26 municípios - Foto: Evandro Pereira

tags: etanol , produção , paraíba , biocombustível , álcool


Lucas Campos - Especial para A União

Composto químico da família dos álcoois, sendo constituído por carbono, hidrogênio e oxigênio, o etanol (C2H5OH) é uma substância líquida e translúcida, obtida da fermentação de açúcares. Normalmente, é utilizado para a assepsia e como desinfectante e também na produção de bebidas alcoólicas. Contudo, no Brasil, é muito utilizado para a produção de combustíveis para reduzir a poluição em motores de veículos, um mercado que está em constante ascensão.

Principal adversário da gasolina, o etanol é valorizado por ser um combustível “verde”, ou seja, captura na sua produção gases nocivos à atmosfera. Segundo dados apresentados pela Internacional Energy Agency (IEA), o etanol produzido da cana-de-açúcar apresenta 89% de redução na emissão de gases do efeito estufa quando comparado com a gasolina; se produzido a partir da beterraba, a redução da emissão cai em 46%; e, se produzido de grãos, a redução é de 31%. “A gasolina contém benzeno, produto cancerígeno. Esta informação deve constar em todos os postos de abastecimento por lei”, observa Edmundo Barbosa.

De acordo com o engenheiro mecânico, João Felipe Vital, essa diferença nas emissões acontece porque o etanol é uma substância pura e a gasolina é uma mistura, na qual existem diversas substâncias e, dentre elas, o enxofre, que é o principal vilão dos motores de combustão interna – isso porque o enxofre pode reagir e formar ácido sulfúrico, que é altamente corrosivo para o motor.

Dessa forma, é fácil entender porque há uma diferença de preços considerável entre os dois combustíveis. João Felipe também aponta que essa diferença existe, não apenas por conta do preço dos barris de petróleo e das safras de cana-de-açúcar, mas também por conta dos subsídios governamentais para a política energética no país. Segundo ele, o etanol poderia ter um preço mais competitivo no mercado, devido aos recordes de produção serem batidos ano após ano.

Montadoras apostam nos carros a hidrogênio 

Protótipo da Nissan movido a hidrogênio a partir do etanol pode rodar até 600km com 30 litros de combustível

Ainda de acordo com Edmundo Barbosa, durante a abertura da Safra do Nordeste, foram reunidos produtores e fornecedores de cana, responsáveis por empresas que geram 50% do volume de cana no país. Na ocasião, foram divulgadas informações sobre a tendência entre montadoras do setor automobilístico em produzir veículos movidos a hidrogênio obtido a partir do etanol. Atualmente, mais de cinco das maiores montadoras globais tem projetos em andamento de veículos que funcionem a base de hidrogênio.

O primeiro protótipo de carro com este tipo de funcionamento foi apresentado, em novembro de 2016, ao presidente Michel Temer pelo presidente da empresa Nissan. O veículo com lançamento previsto para 2020 consegue rodar 600km com 30 litros de etanol e, através de processos químicos, transforma o etanol em hidrogênio. “Hoje essa é uma forte tendência mundial. O Brasil, que detém a vantagem competitiva de possuir 42 mil postos de abastecimento de Etanol espalhados por todo território nacional, foi escolhido por essa montadora porque aqui a fonte de hidrogênio será o etanol” , explica Edmundo.

Política de estado que tem como objetivo cumprir o acordo firmado na 21ª Conferência do Clima (COP 21), o RenovaBio foi lançado pelo Ministério das Minas e Energia para reduzir as emissões dos combustíveis fósseis e incentivar os biocombustíveis, apontando medidas para que seja reduzida a emissão de poluentes dos combustíveis fósseis até 2030. “Esse programa é a melhor resposta do Brasil para o mundo no atual cenário em que o Governo dos Estados Unidos da América decidiu que irá continuar poluindo e defende o seu lugar de segundo maior poluidor mundial”, explica Edmundo Barbosa.

Utilização do ‘álcool’ traz uma série de vantagens

Patrísia Delgado é professora de química e explica que, quando comparamos gasolina e etanol, é possível perceber uma série de vantagens em utilizar a substância. “A gasolina não vem de uma fonte renovável, enquanto o etanol sim, é mais limpo e se autossustenta”, explica. Além disso, o bagaço e a palha da cana-de-açúcar – vegetal utilizado com maior frequência para produzir o etanol – podem ser utilizados para gerar energia térmica, elétrica e mecânica. Vegetais como milho, beterraba, batata, trigo e mandioca também podem ser utilizados para produzir etanol.

O pesquisador em engenharia mecânica na área de energia, João Felipe Vital, acrescenta que a principal vantagem de usar o etanol é ambiental. “A reação de combustão do etanol, não gera produtos indesejáveis ao ambiente, como o monóxido de carbono”, afirma. Além disso, ele esclarece que o processo de produção do etanol, conhecido como fermentação, é também menos poluente.

João Felipe acrescenta que outro grande ponto positivo no uso do etanol como combustível é de que ele gera uma potência maior para o automóvel, considerando o poder calorífico da substância. A queima do etanol também não gera resíduos sólidos, também conhecidos como borra, durante a combustão – mantendo o motor do veículo bem mais “limpo”.

Para o presidente executivo do Sindalcool/PB, o Brasil precisa investir em combustíveis que venham de dentro do paísUm outro aspecto importante do etanol, elencado agora por Edmundo Barbosa, é a valorização do produto brasileiro. A gasolina teve importações 173% maiores no primeiro trimestre de 2017 em relação ao mesmo período do ano passado. Para o presidente, gastar com gasolina importada é sinônimo de dar dinheiro a outros países. Para ele, o povo precisa investir em combustíveis que vem de dentro do país, dentre eles o etanol, que é extraído da cana-de-açúcar paraibana.

Entretanto, em meio à tantas vantagens, existem também as desvantagens. Patrísia e João Felipe concordam ao explicar que o etanol perde para a gasolina no quesito de consumo. De acordo com a professora, o rendimento é 30% inferior ao da gasolina, o que impede que o etanol seja sempre economicamente vantajoso. O engenheiro mecânico acrescenta que o etanol consome cerca de 20% a mais do que a gasolina, sob as mesmas condições. Patrísia também explica que, quando utilizado em regiões frias, cujas temperaturas ficam abaixo de 13 ºC, o etanol perde a capacidade de combustão.

Outra questão levantada pela professora é a do impacto ambiental que a agricultura visando produção de etanol traz. Ela explica que a substância necessita do cultivo de uma matéria- prima para ser produzida, de forma que o desmatamento se torna praticamente inevitável. “Há também a ocupação de uma área que poderia estar sendo utilizada para a produção de alimentos”, conclui.

Política de preços da gasolina ameaça setor

No Brasil, o etanol começou a ser utilizado como aditivo da gasolina na década de 1920. Entretanto, foi somente com a criação do ProÁlcool, em 1975, que o país estabeleceu, de fato, uma indústria do etanol. Atualmente, o Brasil é um dos países mais bem-sucedidos na substituição de combustíveis derivados do petróleo para os biocombustíveis, especialmente no que tange ao etanol – em 2015, a produção brasileira atingiu 30 bilhões de litros, número recorde e que representou um aumento de 6% em relação à 2014.

Dessa forma, é incontestável o peso que o mercado do etanol tem na economia nacional. Na Paraíba, por exemplo, a cadeia produtiva de cana-de-açúcar, principal matéria prima do etanol, gera 44 mil empregos em 26 municípios. “Ela contribui para a arrecadação de ICMS do Estado, além de injetar recursos financeiros na economia local através do pagamento de salários, encargos, compras de insumos industriais, combustíveis, equipamentos de segurança do trabalho”, explica o presidente executivo do Sindicato da Indústria de Fabricação de Álcool do Estado da Paraíba (Sindalcool/PB), Edmundo Barbosa.

De acordo com o presidente, um dos três principais produtos de exportação na Paraíba e no Brasil é o açúcar. Em 2016, as exportações de açúcar representaram entrada 10,6 bilhões de dólares de receita para o Brasil, e foram exportadas 28,9 milhões de toneladas de açúcar. A Paraíba produziu na safra 2016/2017 189,6 mil toneladas de açúcar.

A produção de etanol no Nordeste corre o risco de ser interrompida após o fim da próxima safra, que se inicia em agosto. Segundo o Fórum Nacional Sucroenergético (FNS), a ameaça é consequência direta da importação de etanol dos Estados Unidos e da política de variação de preços da gasolina e do diesel praticada pela Petrobras. Sem conseguir ocupar o mercado nacional, os produtores brasileiros podem precisar interromper a produção.

Como é produzido o etanol? 

  • Inicialmente, a cana passa por uma lavagem da cana, a fim de retirar os resíduos que possam haver nela;
  • Posteriormente, a cana passa pelo processo de moagem, onde o líquido é separado do bagaço;
  • Em seguida, o líquido passa por uma peneira e pelo processo de decantação, visando remover impurezas;
  • Finalmente, acontece o processo de fermentação, no qual os microrganismos quebram as moléculas de açúcar, etanol e dióxido de carbono; 
  • Ocorre a destilação, onde se separa o vinho fermentado do etanol propriamente dito.

O que são biocombustíveis? 

A produção de etanol no Nordeste corre o risco de ser interrompida após o fim da próxima safra

  • Biocombustíveis são combustíveis sustentáveis produzidos com o objetivo de substituir aqueles derivados do petróleo, que são mais poluentes e cancerígenos. Estes últimos são conhecidos como combustíveis fósseis, porque o petróleo é derivado de camadas de florestas e natureza morta, soterradas com o movimento da crosta na superfície do planeta. “O etanol é um dos biocombustíveis, usado para o abastecimento de veículos e para mistura com a gasolina bruta, como oxigenar da combustão para reduzir os efeitos poluentes”, explica Edmundo Barbosa. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Anp), aproximadamente 45% da energia e 18% dos combustíveis utilizados no Brasil já são de origem renovável. Entretanto, 86% da energia proveniente do resto do mundo vêm de fontes energéticas não renováveis. De acordo com Edmundo Barbosa, o Brasil é uma referência no uso do etanol e na produção de biocombustíveis. Além do etanol, alguns exemplos de biocombustíveis são:

  • Biometano: combustível obtido a partir do biogás, produzido por meio da decomposição de matéria orgânica através de bactérias. Pode ser obtido também a partir de resíduos sólidos contidos em aterros sanitários.

  • Biodiesel: combustível obtido através de um processo químico conhecido como transesterificação, no qual os triglicerídeos presentes nos óleos e gordura animal reagem com algum álcool primário, metanol ou etanol, produzindo o éster e a glicerina. O éster só é comercializado como biodiesel depois de passar por purificação e é utilizado principalmente em motores de ignição por compressão. No Brasil, as pesquisas com biodiesel existem desde 2003.

  • Biocombustíveis de aviação: É o biocombustível utilizado em aviões e helicópteros que possuem motores à turbina. Sendo o setor de transportes o principal responsável pela emissão de dióxido de carbono na atmosfera, o biocombustível de aviação pode ser utilizado voluntariamente em mistura com o  querosene de aviação (QAV) de origem fóssil. O uso do biocombustível de aviação é regulamentado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).