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Construção civil exalta experiência

publicado: 20/05/2024 09h59, última modificação: 20/05/2024 09h59
Atuação de idosos como pedreiros, encarregados e mestres de obras é muito comum e importante para o setor
2024.05.15 Obras viaduto Água Fria Lourenço de Lima Delgado  © Leonardo Ariel (21).JPG

Aos 71 anos, Lourenço Delgado atua na administração de pessoal em obra do Viaduto de Água Fria, em João Pessoa | Fotos: Leonardo Ariel

por Daniel Abath*

Foi-se o tempo em que, tão logo a idade chegava, só nos restava “pendurar as chuteiras” e se aposentar. Ao contrário do que muitos pensam, os idosos estão cada vez mais empenhados em deixar os seus aposentos, arregaçar as mangas e partir para o trabalho. E isso vale para qualquer função, inclusive aquelas consideradas braçais, que exigem um pouco mais de vigor e esforço físico, como acontece na construção civil, entre pedreiros, encarregados e mestres de obras. Afinal de contas, de acordo com estudos realizados em 2020 pela World Health Organization (WHO), a expectativa é de que em 2050 teremos cerca de dois bilhões de idosos no mundo, o que aponta para a necessidade de adaptação das organizações em relação ao envelhecimento da força de trabalho.

Só no mês de março na Paraíba, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) — que registra as admissões, dispensas e transferências de trabalhadores formais —, de 3.546 admitidos na construção civil, 16 possuem idade igual ou superior a 65 anos.

Para o diretor executivo do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon) de João Pessoa, Sérgio Oliveira, a presença de idosos no setor é uma tendência de notável crescimento. “Às vezes, tem alguns funcionários de 60 anos ou mais na sua obra e você nem sabe. Muitas vezes, não são as pessoas que produzem mais, mas são pessoas que têm uma experiência maior para passar para o pessoal”, pondera.

Esse é o caso de Lourenço Delgado, de 71 anos, mestre de obras empregado na construção do Viaduto de Água Fria. Lourenço, que passou por várias funções próprias à sua profissão, não se intimida quando o assunto é trabalhar na construção civil.

“Sou mestre de obras e não quero parar. Trabalho em obras já faz 50 anos. Comecei como ajudante de carpinteiro, passei a encarregado de carpintaria, depois encarregado de obras e, aos meus 33 anos, passei a ser mestre de obras. Estou com 71 anos, continuo com saúde, graças a Deus, e acho que ainda tenho muito como contribuir e que esse é o caminho para todos que têm condições de trabalhar”, diz.

Diretor do Sinduscon-JP acredita que presença de idosos em canteiros de obras é uma tendência

Senso de responsabilidade é qualidade dos idosos

O diretor-executivo do Sinduscon pontua que a responsabilidade é um fator diferencial, próprio aos trabalhadores de faixa etária avançada, algo que deveria ser mais valorizado pelos empregadores.

"Os mais velhos são mais atentos. Observei que é muito fácil a gente difundir algumas informações por meio do pessoal mais velho"
- Sérgio Oliveira

“Os mais velhos são as pessoas mais responsáveis. Muitas vezes, você precisa dar algumas orientações de segurança, e essas pessoas acabam difundindo mais isso dentro da obra. Os mais velhos são mais atentos e chamam mais a atenção dos outros. Isso é uma coisa muito interessante. Então, uma das coisas que eu observei é que é muito mais fácil a gente difundir algumas informações por meio do pessoal mais velho”, conta Sérgio Oliveira. 

O representante do Sinduscon ressalta, ainda, que os trabalhadores idosos costumam ter mais respeito às regras em canteiros de obras, principalmente no que diz respeito à segurança.

“O meu operador de máquina, que é uma função que não exige mais tanta força física, observa as coisas e o que vê de errado fala para a gente. Eles não têm mais medo de falar. Já os mais novos, geralmente, não querem utilizar os equipamentos de proteção individual (EPIs) nas obras, se confiam demais e muitas vezes ficam até chateados quando a gente recomenda o uso. Os mais velhos já têm muito mais cuidado”, elogia Sérgio Oliveira.

Trabalho é terapêutico e fonte de alegria

Rodeado de máquinas, poeira e muito barulho no local de trabalho, Lourenço Delgado demonstra que, além de ser muito responsável, possui um entusiasmo digno de um aprendiz que se depara com a primeira oportunidade de emprego. Paramentado com todos os EPIs, o mestre de obras passa facilmente despercebido a qualquer condutor da via como um jovem funcionário proativo.

Lourenço Delgado se dedica ao trabalho como se ainda fosse aprendiz e diz que não pretende se aposentar |

“Eu quero continuar trabalhando até o último suspiro. A minha família às vezes diz: ‘Rapaz, com tua aposentadoria dá para tu ir vivendo, você tem casa própria’. Mas eu nunca me acostumei de ficar parado em casa. Eu fico doente, eu adoeço! Então, continuo na luta e quero continuar por muito tempo”, declara Lourenço.

O mestre de obras explica que a sua função é voltada para a administração de pessoal em projetos da área. Lourenço já trabalhou em grandes empresas, com muitos encarregados e afirma que a profissão de mestre de obras exige muito do trabalhador. “Construção é sempre um grande desafio, não só para mestres, como para os engenheiros. O desafio eu considero que é para todos, mas o prazer é grande demais”, destaca.

Para o pedreiro Carlos da Silva, de 75 anos, trabalhar é uma alegria. Ele atua no ramo da construção civil desde a adolescência e, de lá para cá, já construiu e reformou centenas de casas.

“Eu fico feliz quando vejo uma casa que eu sei que foi levantada pelas minhas mãos. É muito gratificante poder estar, ainda hoje, de pé e trabalhar com aquilo que eu sempre gostei de fazer, graças a Deus”, celebra Carlos.

O mestre de obras Lourenço Delgado também considera o trabalho como uma terapia, verdadeiro alicerce de satisfação diária. “Ficar em casa não dá. A profissão é boa, não tenho do que reclamar porque foi a que Deus me deu e eu a abracei com muito carinho e muito respeito a quem trabalha comigo. Nós fazemos esse país, esse mundo, muito mais bonito. Estou satisfeitíssimo”, orgulha-se.

O idoso acrescenta, ainda, que, na construção civil, os trabalhadores não são desprezados pela idade. “Acho que a idade no Brasil é discriminada. O idoso no Brasil é discriminado. Passou dos 50, ninguém quer mais. Mas, na profissão de mestre de obra, a gente é bem aceito”, garante.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 18 de maio de 2024.