Notícias

inspiração

Cordel apresenta direitos dos idosos

publicado: 03/11/2025 08h31, última modificação: 03/11/2025 08h31
Livreto é de autoria de Alisson Medeiros e tem xilogravuras de capa de Jefferson de Lima de Campos
2025.10.28 Idoso lendo cordel © Leonardo Ariel (5).JPG

Lunga é um personagem bastante rabugento e com pouquíssima paciência para os que não o conhecem, mas bem comum nos escritos populares nordestinos | Foto: Leonardo Ariel

por Bárbara Wanderley*

Entusiasta da literatura de cordel, o perito criminal José Alysson Medeiros aproveitou o Dia Internacional do Idoso, comemorado em 1o de outubro, para lançar o cordel “O dia em que Seu Lunga caiu num golpe”, com xilogravuras de capa de Jefferson de Lima Campos. No texto, o autor busca conscientizar, de forma lúdica, sobre os direitos da pessoa idosa e teve o auxílio do advogado André Lins Almeida.

Esta não é a primeira aventura de José Alysson pelo mundo dos cordéis, que ele escreve desde 2012. No início, porém, ele escrevia sobre a própria profissão, de perito criminal, buscando inspiração em suas vivências na área. No ano passado, após uma sugestão da esposa, a médica geriatra Ana Laura Medeiros, ele escreveu o cordel “A peleja de Seu Lunga com a geriatra”.

Seu Lunga, conforme explicou Alysson, é uma figura bastante conhecida na cultura popular: um homem rabugento, sem qualquer vestígio de paciência.

Morador de Juazeiro do Norte, no Ceará, ele existiu de verdade e se chamava Joaquim dos Santos Rodrigues. Antes de morrer, em 2014, aos 87 anos, Seu Lunga ficou tão famoso que deu entrevista para jornais, sites de notícia e programas de televisão. Os episódios de sinceridade e grosseria protagonizados por ele ganharam vida própria nos relatos dos conterrâneos, que passaram a criar novas histórias bem humoradas atribuídas ao cearense.

A ideia de usar esse personagem nos cordéis veio de Ana Laura. “Eu sempre digo que todos nós, sem exceção, temos um pouquinho de Seu Lunga. Em alguns aspectos da vida,  a gente acaba tendo esse comportamento um pouco mais arredio, mais inflexível”, disse a médica.

A história chama a atenção para a relutância de alguns idosos em procurar o médico. A conversa de Seu Lunga com a geriatra fez sucesso, principalmente entre os pacientes de Ana Laura, que passou a distribuir o cordel no Hospital Universitário Lauro Wanderley, em João Pessoa, onde trabalha, além de sua clínica particular.

“Esse ano, meu amigo de longa data, que é advogado, deu a sugestão de fazer um sobre os direitos dos idosos, aproveitando esse mote do Seu Lunga. A gente aproveitou e criou a história do retorno dele na consulta, conversando com a geriatra, mas dessa vez destacando alguns aspectos do direito dos idosos”, contou José Alysson.

A história chama a atenção para a relutância de alguns idosos em procurar um médico especialista em geriatria | Foto: Roberto Guedes

No retorno à geriatra, Seu Lunga desabafa com a médica sobre sua tristeza após ter sofrido um golpe:

“Fizeram uma ligação.

Disseram que era do banco

E pediram minha senha,

(Me parecia tão franco!)

Depois rasparam minha conta...

Quase que morro de espanto!”.

A história foi lançada em um evento durante a abertura da Semana da Pessoa Idosa, realizada pelo Conselho Municipal da Pessoa Idosa. “Nós fomos à Lagoa no finalzinho de setembro, e aí é um momento que tem várias apresentações culturais, ações de saúde, e aí houve esse lançamento. Eles gostaram bastante, porque acaba que eles são muitas vezes vítimas desse tipo de golpe. Quem não conhece um idoso que sofreu alguma tentativa de golpe”, comentou Ana Laura.

“É uma forma também de divulgar a nossa cultura popular e a literatura de cordel, que é patrimônio imaterial brasileiro, desde 2018, pelo Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] e, aqui na nossa região, ele é bem celebrado”, completou José Alysson.

“Nesse aspecto do cordel, para a parte jurídica, é interessante porque um dos desafios mais difíceis para um advogado é levar a informação para as pessoas sem tanto ‘juridiquês’, sem tanta linguagem difícil, que faz parte dos tribunais. Então a gente fez um cordel porque tem aquela linguagem mais acessível, a pessoa lê e aprende seus direitos e dá uma risada, acha legal”, explicou o advogado André Lins, que motivou a criação do cordel.

Os direitos ressaltados pelo profissional são o direito ao acompanhamento dos filhos, de não ser abandonado, direito ao lazer, atividade física. “Porque acaba que o idoso, de certa forma, ele sofre um isolamento. Pela questão de não ter mais atividade profissional, de trabalho, muitas vezes a gente sabe que infelizmente são excluídos de convites para atividades sociais. Então, quando tem uma situação assim, eles comparecem em peso e eles se sentem validados, se sentem acolhidos quando a gente traz essa linguagem e essa referência a eles”, avaliou Ana Laura.

Para André Lins, um dos principais desafios na garantia dos direitos de pessoas idosas ocorre, em parte, por causa desse isolamento, já que muitos idosos não conhecem seus próprios direitos. “Muitas vezes eles ficam muito no Facebook ou naquela rotina do dia a dia e não sabem, por exemplo, que não podem fornecer uma senha para uma pessoa que está no banco, que não conhece. Não sabem também muitas vezes que os filhos têm a obrigação de dar assistência. Então muitas vezes eles não conhecem os direitos mais básicos que fazem parte da sua rotina. O direito à saúde, de solicitar medicamentos que são essenciais, e de recorrer à Justiça quando os medicamentos são negados”, disse.

“Na juventude estariam todos antenados, participando dos eventos, mas os idosos dependem muito de ganchos, das pessoas que capitaneiam os grupos para levá-los. Eles são dependentes, não têm acesso direto à informação. Já os jovens, hoje em dia, têm todo o acesso à internet e redes sociais, então são mais antenados”, completou.

Ele destacou ainda que, muitas vezes, quando o idoso procura informações por conta própria na internet, acaba sendo vítima de notícias falsas ou informações imprecisas. “Às vezes a informação é alguém que patrocinou um conteúdo, pagou, e o idoso vai acreditando. Claro que tem os idosos que são autônomos, têm sua independência, mas, para a maioria, as tecnologias são um pouco mais difíceis”, ponderou o advogado.

Onde obter

O cordel “O dia em que Seu Lunga caiu num golpe” é distribuído gratuitamente no ambulatório de Geriatria do Hospital Universitário Lauro Wanderley, em João Pessoa, e também na Clínica Singular, no LivMall, sala 825, também em João Pessoa.

Uma versão digital do cordel está disponível no Instagram @andrelinsalmeida.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 1º de novembro de 2025.