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DESCRIMINALIZAÇÃO DA MACONHA

Decisão do Supremo deixa brechas

publicado: 28/06/2024 09h12, última modificação: 28/06/2024 09h24
Para presidente da Liga Canábica, critérios estabelecidos pelo STF são limitados e ignoram especificidades dos usuários
Julio Americo © Reproducao_Unifesp.jpg

Para Júlio Américo, ausência de uma regulamentação dificulta tratamento de pessoas que utilizam cannabis para fins terapêuticos | Foto: Reprodução/Unifesp

por Sara Gomes*

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu descriminalizar, na última terça-feira (25), o porte de maconha para uso pessoal. Na prática, o uso da maconha passa a ser um ilícito administrativo, mas isso não significa que o seu consumo foi legalizado. Outro ponto abordado é que pessoas flagradas com até 40 g de maconha ou seis plantas fêmeas devem ser tratadas como usuárias e não traficantes. Ativistas da cannabis na Paraíba e representantes da Delegacia de Entorpecentes repercutem o que foi decidido na Corte.

Os usuários não poderão mais ser presos em flagrante. A droga deve ser apreendida e a pessoa notificada para comparecer ao fórum. A pena permanece a mesma: advertência sobre os efeitos das drogas e participação em programas ou cursos educativos.

Apesar desse pequeno avanço em diferenciar traficante e usuário, o presidente da Liga Canábica da Paraíba, Júlio Américo, afirma que a decisão do STF não inclui as diferentes especificidades de usuários de cannabis, deixando uma brecha para a autoridade policial interpretar como tráfico.

“O critério estabelecido ainda é muito limitado, seja a quantidade ou posse de planta. Não é especificado, por exemplo, se as 40 gramas ‘permitidas’ para uso pessoal são de material úmido ou se passou por secagem? Essas plantas fêmeas de cannabis estão vegetando ou florando? No caso de usuários para fins terapêuticos, por exemplo, eles precisam de todo o ciclo da planta completo para fazer um óleo, garantindo a continuidade de seu tratamento.  São muitos fatores que precisam ser analisados”.

Para Júlio Américo, a ausência de uma regulamentação comprometida com a vida dos usuários dificulta o tratamento de pessoas que utilizam cannabis para fins terapêuticos. “É importante que a legislação contemple a substância, o usuário e o contexto no qual ele está inserido, a fim de construir uma regulamentação que priorize a saúde pública, o direito à saúde e os direitos humanos daquele usuário”, disse.

Na percepção dele, é preciso uma reformulação da estrutura policial, desde os critérios de seleção e atuação dos policiais, além de monitoramento no controle social, para que sejam respeitados os direitos humanos. “Tanto na questão da violência, abuso de autoridade e abordagem a usuários de drogas. A questão das drogas no Brasil é uma questão de saúde pública, pois os usuários precisam de acolhimento e conscientização, ao invés de repressão, violência e encarceramento”, frisou.

A questão das drogas no Brasil é uma questão de saúde pública, pois os usuários precisam de acolhimento e conscientização   --    Júlio Américo

Para o médico de Família e Comunidade e prescritor do óleo da maconha terapêutica, Marcos Bosquiero, a descriminalização é um avanço importante, mas na prática possui vulnerabilidades. “Um usuário de maconha para fins terapêuticos pode ser enquadrado como traficante porque teria uma balança de precisão. Outra preocupação é que os usuários pretos e pobres são os mais penalizados pela abordagem policial”, declarou.

Ele complementa ainda que a PEC 45 é um dos maiores retrocessos na política de drogas na história do Brasil, pois ela quer criminalizar um usuário no mesmo nível que um traficante.

Lei das Drogas

Segundo a Delegacia Civil de Entorpecentes de João Pessoa, a decisão do STF altera pouca coisa na prática policial. A Lei de Drogas (no 11.343) dispõe sobre medidas de prevenção, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, estabelecendo normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico.

Segundo o artigo 28, adquirir drogas para consumo pessoal já não era considerado uma sanção penal. No artigo 33, o que define a investigação policial não é necessariamente a quantidade e, sim, as circunstâncias que caracterizam o tráfico, conforme explica o chefe do cartório da Delegacia de Entorpecentes, Cássio Espínola.

“A gente vai em algum ponto conhecido por vendas de entorpecentes, localizamos acessórios utilizados para comercialização de drogas, como balança e embalagens”, comentou.

A Delegacia dos Entorpecentes da Paraíba segue a Portaria no 344 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que especifica os entorpecentes proibidos. “A cannabis sativa e o tetrahidrocanabinol (THC) constam na lista da Anvisa”, disse.

 *Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 28 de junho de 2024.