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Degraus da história

publicado: 11/12/2023 11h20, última modificação: 11/12/2023 11h21
Espaços na Avenida General Osório que demonstram elementos urbanos característicos de uma cidade em aclive e declive, a Escadaria da Malagrida e a Escadaria Silva Jardim testemunham o abandono do Centro Histórico de João Pessoa
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Escadaria da Malagrida liga a Rua Duque de Caxias à Avenida General Osório, praticamente separando dois mundos do Centro Histórico da capital paraibana - Foto: Acervo Pessoal

por Taty Valéria*

No Centro de João Pessoa, uma única avenida que concentra o novo comércio popular, casas e igrejas históricas interliga, através de suas escadarias, a Cidade Alta e a Cidade Baixa. A Avenida General Osório, que no passado era chamada de Rua Nova e depois Marquês do Herval, é o ponto comum de diferentes realidades da capital paraibana. Esses espaços, que demonstram elementos urbanos muito característicos de uma cidade em declive (ora em aclive), são representados pela Escadaria da Malagrida, ligando a Rua Duque de Caxias à General Osório, e a Escadaria Silva Jardim, ligando a mesma avenida ao acesso do Viaduto Dorgival Terceiro Neto.

“Essa escadaria do Beco Malagrida é interessante justamente porque ela liga dois mundos no Centro de João Pessoa. De um lado, esse comércio mais popular; de outro, a Praça João Pessoa, que também é conhecida como Praça dos Três Poderes, onde está concentrado as sedes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário estaduais”, lembra Iale Camboim, que usou o Beco da Malagrida como tema da sua dissertação de mestrado em Arquitetura e Urbanismo, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

O que move a Confraria da Malagrida, além da paixão pela cultura, é a preocupação com o meio ambiente e a cidade que amamos - Ednamey Cirilo

“Foi interessante observar que, no perímetro da escadaria, há os bares que funcionam como cabarés durante o dia. São usos do espaço que, apesar de conflituosos, convivem democraticamente. À noite, o local fica completamente esvaziado e até os bares fecham cedo. Essa é também uma questão do Centro, sobre esse esvaziamento do Centro de João Pessoa”, afirma Iale Camboim, trazendo de volta à pauta o abandono das regiões centrais de João Pessoa.

Num outro ponto da Avenida General Osório, no trecho que ainda guarda as construções históricas, uma outra escadaria mantém suas características de unir o novo ao antigo, e que também divide a sensação de esvaziamento. A escadaria da Rua Silva Jardim, que liga a Avenida ao Viaduto Dorgival Terceiro Neto, construído em 1974 com o objetivo de ser mais um ponto de ligação da Cidade Alta à Cidade Baixa. Hoje é um local insalubre e abandonado.

As mudanças na Rua Nova (atual General Osório) começaram a acontecer nas primeiras décadas do século XX. A Cidade Alta continuava a ser ocupada e valorizada pela classe média da cidade, mas as famílias ricas começaram a se deslocar para outras áreas.

Durante esse período, a rua passou por intervenções urbanas, através da construção de passeios de pedestres, demolição de casarões, prolongamento da via, instalações de postes de iluminação ingleses e arborização.

Foi na segunda metade do século XX, dando continuidade às transformações urbanas, do iminente abandono residencial do Centro, e com crescimento da Avenida Epitácio Pessoa e região das praias, que a Rua Nova foi “presenteada” com a construção do Viaduto Dorgival Terceiro Neto, que alterou de forma significativa, sua paisagem original.

Essas intervenções, especialmente entre as décadas de 1930 e 1940, ocorreram com o objetivo de modernizar as cidades, buscando melhores condições de saneamento ou maior fluidez para o tráfego, e esse fenômeno não foi exclusivo de João Pessoa.

Na capital da Paraíba, ela ocorreu de forma mais significativa com a implantação da Praça Antenor Navarro, em 1930, da Praça 1817 (que exigiu a demolição da Igreja das Mercês) no ano de 1939, e do prolongamento da Rua General Osório.

Resistência cultural e preservação da memória da cidade

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Centro da cidade, hoje serve de palco para a cultura, transformando o local para apresentações musicais, feiras de artes, livros, e artesanato - Foto: Acervo Pessoal

Ao contrário da Escadaria da Rua Silva Jardim, que perdeu quase por completo suas características históricas, onde o pedestre quase não consegue visualizar sua extensão e importância enquanto via de acesso, a Escadaria da Malagrida ganhou fôlego e um novo significado a partir das intervenções culturais que começaram a surgir.

E o que antes era apenas mais uma via entre a Cidade Baixa e a Cidade Alta, hoje serve de palco para a cultura e arte, a partir da iniciativa da ativista cultural Ednamey Cirilo, que fundou a Confraria da Malagrida, movimento independente iniciado em 2005 e dirigido pela Associação Cultural e Recreativa Anjo Azul (Acraa) e integrado por artistas, poetas, escritores, músicos, jornalistas e produtores culturais. Desde então, o local vem se transformando em palco de apresentações musicais, feiras de artes, livros e artesanato.

“O que move a Confraria da Malagrida, além da paixão pela cultura, é a preocupação com o meio ambiente e a cidade que amamos. Nós confrades e confreiras temos questionado incansavelmente o ‘por que’ e ‘porquê’ tamanha cegueira de gestores públicos anularem muitas vezes a riqueza cultural e os perigos ambientais que ameaçam nossa cidade capital”, diz a ativista Ednamey.

O principal diferencial entre o início e o fim da Avenida General Osório, e que vai muito além dos pouco mais de 325 metros de distância que separam a Escadaria da Malagrida, da Escadaria da Rua Silva Jardim, é a intervenção humana, que vai além da intervenção dos poderes públicos. Enquanto um respira e transborda arte e cultura, o outro guarda apenas a lembrança de um tempo em que o Centro passava por um processo de expansão e modernização, mas que levou o desenvolvimento econômico para outras paisagens.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 10 de dezembro de 2023.