O envelhecimento pode trazer uma série de restrições, mas uma delas tem se tornado preocupante pelo aumento no número de casos: a Doença de Alzheimer que, segundo o Ministério da Saúde, afeta hoje no Brasil mais de 1,2 milhão de pessoas, com cerca de 100 mil casos por ano. Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), o envelhecimento da população contribui para uma tendência de aumento nos diagnósticos. No Dia Mundial do Alzheimer, lembrado dia 21 de setembro – a perspectiva é pouco animadora. A Alzheimer’s Disease International projeta 74,7 milhões de novos casos em 2030 e 131,5 milhões em 2050.
A doença não tem cura, mas existem algumas novidades no tratamento publicadas recentemente, algumas delas em fase de estudo na Europa e Estados Unidos. A principal, conforme o neurocirurgião Emerson Magno de Andrade, envolve o uso dos anticorpos monoclonais, medicamentos que vão tentar quebrar ou remover o acúmulo da proteína beta-amiloide entre os neurônios. Esse acúmulo está associado ao surgimento da doença.
“Os resultados são bem promissores até então, porém foi observado, com o uso dessas medicações, efeitos colaterais até certo ponto bastante graves em alguns pacientes. É uma promessa talvez para o futuro, mas não são medicamentos que tenhamos, pelo menos no Brasil, disponíveis para uso rotineiro”, ressalta.
O tratamento mais comum hoje inclui o acompanhamento com geriatra, neurologista, psiquiatra, psicólogo, terapia ocupacional. Há também duas classes de medicamentos utilizadas diretamente para a doença inibindo ou bloqueando uma enzima chamada acetilcolinesterase. Quando a medicação é usada, aumenta a quantidade da acetilcolina, um neurotransmissor que pode participar do circuito ligado à memória e atenção. “Esse tratamento tem um efeito mais sintomático e, infelizmente, não impede a progressão da doença e nem consegue reverter totalmente os sintomas uma vez instalados”, ressalta.
Alzheimer é uma doença neurodegenerativa e considerada a mais comum. A causa ainda é desconhecida, mas sabe-se que nas pessoas que têm o diagnóstico, ocorre um acúmulo anormal de algumas proteínas, tanto entre as células neuronais quanto no interior dos neurônios. O acúmulo anormal dessas proteínas faz com que haja uma dificuldade na comunicação das informações entre os neurônios.
O especialista observa que a Doença de Alzheimer pode ter origem genética e esses casos representam entre 5% a 10% do total. Existem também fatores de risco como o tabagismo, hipertensão, diabetes, aumento do colesterol, sedentarismo. Assim, uma combinação de fatores genéticos com alterações do estilo de vida pode favorecer o surgimento da doença.
Aprender coisas novas pode ajudar a retardar o surgimento dos sintomas
Ainda não é possível prevenir, mas algumas medidas podem retardar o início ou mesmo fazer com que a doença evolua de forma um pouco mais branda. Isso envolve os cuidados gerais com a saúde, além da atividade física rotineira que tem um impacto muito grande em relação ao surgimento da doença. Uma boa qualidade do sono e a prática de atividades intelectuais de aprendizado constante também contribuem.
Emerson Magno observa que, durante o sono, acontece a limpeza dos detritos produzidos pelo processamento neuronal e também a reorganização da memória. Por isso, pessoas que têm trabalhos noturnos, privação de sono de forma constante, podem ter um risco maior de desenvolver a doença. As que têm um alto grau de atividade intelectual, que estão sempre buscando novas atividades de aprendizado, acabam criando mais conexões entre os neurônios.
Quando aprendemos algo novo, criamos ligações entre as células neuronais, as sinapses. Quanto mais ligações são criadas entre as células neuronais, maior a poupança neuronal.
“Quando a doença surge, vai haver uma demora para os sintomas aparecerem porque existe uma poupança neuronal, ou seja, mais conexões e, mesmo que perca algumas dessas conexões, existem outras que vão fazer com que o neurônio tenha sua função ainda preservada. O neurônio é a principal célula do cérebro e a conexão inteira, que é chamada de sinapse, é o que acaba sendo destruído no decorrer da doença”.
O neurocirurgião esclarece que qualquer novo aprendizado é importante. Diz ainda que palavra cruzada é uma ferramenta mais simples e acessível, mas uma pessoa que tenha sintomas iniciais da doença ou mesmo que não tenha, mas que busque aprendizado, teria o mesmo benefício de pessoas que praticam palavra cruzada.
Pode ser aprender um novo idioma, um instrumento musical, fazer um novo curso, seja técnico, de arte, pintura, tecnologia. Ao comprar um aparelho eletrônico, ler o manual e entender como funciona desperta a parte cognitiva e é um aprendizado.
“Quando aprendemos algo novo, criamos ligações entre as células neuronais, as sinapses. Quanto mais ligações são criadas entre as células neuronais, maior a poupança neuronal. Mesmo que perca algumas das conexões, ainda existem outras para manter a função. Esse seria o grande diferencial de qualquer aprendizado”, pontua.
Perda da memória recente é um dos primeiros sinais no paciente
Talvez o primeiro sintoma da doença seja a perda de memória de fatos recentes. O paciente não consegue guardar na memória uma situação que ele viveu durante o dia ou algo que acabou de ser dito para ele. Emerson Magno afirma que é uma doença progressiva e vai atingindo outras faculdades mentais, tanto a memória quanto a parte cognitiva.
Pode surgir a dificuldade de localização do espaço, ele pode se perder com frequência, perder a capacidade de manter uma conversa com pensamentos complexos, de tomar decisões, de criar estratégias em longo prazo. Nos casos mais avançados, perde a capacidade do autocuidado e vêm outros sintomas como irritabilidade, agressividade, transtorno do sono. Em casos terminais, fica totalmente dependente e necessita de alguém para tomar os cuidados diários.
O diagnóstico é baseado na avaliação clínica, acompanhamento por neurologista, geriatra ou psiquiatra que vão observar a perda da capacidade de memória e cognitiva. “É importante a investigação de outras alterações que podem causar sintomas semelhantes ao Alzheimer, as demências reversíveis”, alerta.
O paciente não consegue guardar na memória uma situação que ele viveu durante o dia
Na investigação, são feitos exames de sangue, dosadas algumas vitaminas como a B12, exames de neuroimagem cerebral como tomografia ou ressonância para avaliar a parte do volume cerebral, porque o paciente com Alzheimer vai ter uma redução progressiva do volume cerebral, principalmente na região temporal e parietal. Ainda não existe um exame único que dê o diagnóstico da doença. “Temos que juntar a parte clínica, avaliação de sangue, exames de imagem e, através da avaliação do especialista, tentar chegar ao diagnóstico que, muitas vezes, não é tão simples”, constata.
Diagnósticos precoces contribuem para melhorar todos os estágios
O professor de neurologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Alex Tiburtino Meira, neurologista especialista em distúrbios do movimento, afirma que o diagnóstico precoce é importante porque quanto antes começarem as terapias de reabilitação, melhores são as chances de o paciente aproveitar os resultados das terapias.
Ele lembra que a doença tem estágios leve, moderado e avançado. No leve, o paciente ainda mantém-se independente dentro de casa para atividades básicas. No moderado, ele começa a depender de outras pessoas e, no estágio avançado, a dependência é total e o paciente está restrito ao leito. Nessa fase, ele precisa de um cuidador.
O neurologista ressalta que o paciente com Alzheimer não deve ser confrontado em relação à sua memória. “Não se deve ficar fazendo perguntas com o objetivo de observar se ele se lembra das coisas. Isso não apenas não ajuda em nada, como também atrapalha: faz o paciente sentir-se inseguro”, ressalta.
Estimulação cerebral profunda ainda está em fase experimental
Em 2015, foi realizada, no Hospital Napoleão Laureano, em João Pessoa, uma estimulação cerebral profunda em um paciente. A intervenção resultou na melhora do quadro dele, mas o procedimento, que é de alto custo, ainda está em fase experimental. “Não há previsão de seu uso na prática clínica, nem de sua liberação no SUS”, ressalta o neurologista Alex Meira.
É o que reforça o neurocirurgião Emerson Magno. “A cirurgia de Alzheimer ainda é algo estritamente experimental. Só pode ser realizada e proposta em ambientes de pesquisa médica. No mundo inteiro, não é feita de forma rotineira. Existem alguns grupos que tentam utilizar a estimulação cerebral profunda para tratamento da Doença de Alzheimer, porém os resultados ainda não são muito confiáveis e não dá para extrapolar um trabalho experimental para a prática clínica diária”, sublinha.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 23 de setembro de 2023.