A participação das tecnologias de informação e comunicação (TICs) são uma realidade e a interação é uma das palavras-chave para se inserir nesse mundo. Por isso, as redes sociais têm um grande destaque no meio virtual. Contudo, esse é um meio onde o domínio é dos mais jovens. Será mesmo?
Maria Estela Bezerra Vilarouca, mais conhecida como Estelinha Bezerra ou a “rainha do batom”, é uma das influenciadoras digitais que tem se destacado nas redes sociais. Estelinha tem 94 anos e compartilha com seus 593 mil seguidores vídeos sobre envelhecimento, sonhos, além de suas aventuras ao lado de seu filho Josafá Bezerra. Em julho, os dois saíram de São Paulo, onde residem, e vieram para João Pessoa passar uma temporada de férias.
A visita para conhecer a influenciadora foi inevitável, conversamos com seu filho, e a entrevista foi agendada. A recepção foi acolhedora e a entrevista foi tão fluida, daquelas que não percebemos o tempo passar. Boa de prosa, ela conta suas histórias de maneira leve e descontraída, mesmo quando está falando de momentos difíceis.
"Ninguém é velho. Enquanto estiver viva, falando e conversando, é ter alegria, é gostar das pessoas. Olhe, isso é muito bom para gente"
- Maria Estela Bezerra Vilarouca
Quem deu início ao conteúdo publicado nas redes sociais foi seu filho, Josafá Bezerra, que leva o mesmo nome do pai. Em junho de 2023, Estelinha sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) o que comprometeu sua fala. “Ele ficava comigo no hospital, teve um dia que ele saiu para ir no banheiro e [quando] voltou eu tava rezando o ‘Pai Nosso’. Ele disse: ‘Mãe, você tá falando!’. Por aí começou e depois ele começou a brincar comigo, me fazendo um vídeo: ‘Mãe, você tem sonho?’. Eu digo: ‘Tenho’. E começou por aí, nessas duas palavras, [dizendo para ele], ‘tenho o sonho de comer lagosta e filé’”.
A fama nas redes sociais lhe rendeu notoriedade nacional, com participações em jornais das mídias impressa, digital e televisiva, de repercussão nacional, como o Domingão do Huck, que lhe ofereceu uma viagem de cruzeiro para Búzios e Angra, no Rio de Janeiro. Questionada sobre seus sonhos, Estelinha nos revela seus dois sonhos, que são voltar a andar e ter um carro. Seu filho logo questiona, brincando, quem iria dirigir e ela dispara docilmente, “Você! Não é você quem está mais eu [sic]? Você tem que estar sempre junto de mim”.
Os sonhos de Estelinha mostram sua vontade de continuar viajando, conhecendo pessoas e lugares novos, pois para ela, “envelhecer é uma questão de tempo”. Estelinha demonstra uma lucidez sobre a vida e o envelhecimento que deixa muitos jovens espantados. “Eu acho que ninguém fica velho. Deus quando faz a gente, é perfeito. Ninguém é velho. Enquanto estiver viva, falando e conversando, é ter alegria, é gostar das pessoas. Olhe, isso é muito bom para gente”.
Infelizmente, o tempo chegou para o término de nossa entrevista, e tivemos que retornar para a redação, carregando os sentimentos e pensamentos de Estelinha de que o “tempo é rei”, mas não soberano e que o que importa carregar nessa vida é viver de maneira plena, autêntica, respeitando e acolhendo ao próximo.
A fama nas redes sociais lhe rendeu notoriedade nacional, com participações em jornais da mídia impressa e digital
Um pouco sobre sua vida
Estelinha teve uma juventude marcada pelo casamento, filhos e a mudança para a capital paulista. “Eu fui uma menina que nasci pobre, fui criada pobre e, ainda hoje, me considero uma pobre amada, uma pobre rica, porque eu tenho 28 netos, 20 bisnetos, uma tataraneta, 12 filhos, oito genros e cinco noras”, contou Estelinha. Nascida em Jaguaribe, no Ceará, casou-se aos 20 anos e teve seus filhos. Na década de 1970, seu marido Josafá também se muda para São Paulo devido à crescente oportunidades de trabalho que o estado oferecia.
Josafá, agora o filho, foi o único a nascer no hospital. Segundo ele, “em 1970, ela decidiu se mudar para a capital cearense porque lá havia o único sanatório do estado que poderia tratar a tuberculose do meu irmão mais velho. Anos depois, em 30 de janeiro de 1979, contrariando a vontade do meu pai, ela coloca os pés em São Paulo, apinhada de filhos — e acompanhando uma onda migratória que havia começado na década de 1930 e se intensificado nas décadas de 1960, 1970 e 1980, devido à grande oferta de empregos na cidade, na época”.
Em 1979, Estelinha ganhou, como presente de Dia das Mães de seus filhos, seu primeiro batom, aos 49 anos. “Eu adoro batom e é vermelho, amanheço o dia e anoiteço com ele”, nos revelou Estelinha.
Idosos na internet: os benefícios e os riscos psicológicos
De acordo com o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil teve um aumento de 57,4% no número de idosos, o que representa 22.169.101.
Segundo um levantamento realizado pela Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL), publicado em 2022, 97% dos idosos do país estão conectados na Internet. A pesquisa intitulada “A Inclusão Digital dos Idosos”, realizada pela Federação Brasileira de Bancos, aponta que 85% dos idosos afirmaram que usam a internet todos os dias ou quase todos os dias, e 14% algumas vezes por semana.
Para a psicóloga Danille Azevedo, a pandemia contribuiu para que muitas pessoas vivessem em função das redes sociais, e a população que mais se adaptou foi a da terceira idade. Para a psicóloga, Estelinha é um ícone pois desconstrói a imagem do idoso “como um ser frágil, na maioria deles, com humor deprimido”.
Mesmo considerando os riscos consequentes da exposição nas redes, a psicóloga pontua que a interação pelas redes sociais pode ser muito benéfica. Para ela, o uso das redes por Estelinha é “um reforço positivo, ela redimensionou a visão do que é a rotina de um idoso e trouxe essa leitura para os telespectadores de uma maneira muito leve”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 23 de julho de 2024.