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EUA deram carta branca a abusos sexuais de crianças no Afeganistão

publicado: 28/01/2018 01h59, última modificação: 28/01/2018 01h59
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Os Estados Unidos invadiram o Afeganistão, derrubaram o governo e colocaram pessoas no poder que faziam coisas que eram muito piores daquilo que os talibãs teriam feito - Foto: Soldiers Media Center/Flickr

tags: abuso sexual de crianças , afeganistão , estados unidos , omissão


Do Ciberia/ZAP

As forças militares norte-americanas no Afeganistão fecharam os olhos a casos de abusos sexuais de crianças recorrentes entre membros das unidades de segurança afegãs. Esta é a conclusão de uma investigação feita por um grupo de fiscalização governamental dos Estados Unidos. O Inspetor Geral Especial para a Reconstrução do Afeganistão (The Special Inspector General for Afghanistan Reconstruction, ou Sigar, no original em inglês) divulgou essa semana um relatório considerado “tão explosivo” que esteve assinalado como “Secreto”, com a recomendação de que não deveria ser divulgado antes de 9 de junho de 2042, conforme relata a ABC News.

O documento analisou a forma como o Departamento de Defesa (DoD, na sigla em inglês) e o Departamento de Estado dos EUA lidaram com as denúncias de abusos sexuais de menores cometidos por membros das forças militares afegãs. A investigação foi solicitada em 2015, por membros do Congresso norte-americano depois de uma notícia do New York Times sobre o crescente número de casos de abuso sexual de crianças entre militares e policiais afegãos, no âmbito de uma prática conhecida no Afeganistão por “bacha bazi” (algo como “menino brinquedo”).

Alguns comandantes afegãos mantinham (e, provavelmente, ainda mantêm) garotos menores como escravos sexuais. E o Sigar conclui que essas situações eram amplamente conhecidas entre os militares norte-americanos de altas patentes, alocados no Afeganistão, sem que nada fosse feito.

O New York Times informa que os militares que denunciavam os abusos acabavam tendo suas “carreiras destruídas pelos superiores” que os encorajavam a “ignorar a prática”. O jornal conta o caso de um antigo oficial das Forças Especiais, o capitão Dan Quinn, que diz que agrediu um comandante afegão por manter um rapaz acorrentado à sua cama, como escravo sexual. Acabou sendo demitido do comando na sequência do episódio.

“Estávamos colocando pessoas no poder que faziam coisas que eram muito piores daquilo que os talibãs faziam”, refere Quinn, que entretanto deixou as Forças Armadas norte-americanas. Outro caso apontado pelo New York Times é o do sargento de primeira classe Charles Martland, “um boina verde altamente condecorado”, que teria sido forçado a deixar o Exército depois de ter espancado um oficial da polícia afegã que raptou e violou um menino.

Há ainda a morte suspeita do marine Gregory Buckley, que foi assassinado em um posto de segurança, onde estava colocado a par de um comandante que era conhecido por manter “um grupo de meninos bacha bazi”. Ele foi morto por “um dos rapazes do comandante” depois de ter apresentado queixa, conta o New York Times.

O relatório do Sigar constata que, entre 2010 e 2016, houve 5.753 denúncias de “abusos flagrantes dos direitos humanos” no Afeganistão, muitas das quais referindo-se ao abuso de menores. Perante esses casos, o Pentágono teria que cortar os fundos destinados às unidades militares implicadas, mas isso nunca aconteceu, destaca a ABC News.

O grupo de fiscalização analisa a forma como foi aplicada a chamada Lei Leahy que retém fundos destinados ao Afeganistão, no caso de evidências comprovadas de violação dos direitos humanos. Apesar do conhecimento dos abusos sexuais, o secretário de Estado da Defesa recorreu a uma cláusula que permitiu fazer vista grossa à referida lei e manter o apoio financeiro às forças de segurança afegãs.

O Sigar entrevistou 37 pessoas e organizações ao longo da investigação, notando que 24 disseram ter conhecimento do abuso sexual de crianças. O relatório foi solicitado durante a presidência de Barack Obama e inclui apenas dados até 2016, antes de Donald Trump ter tomado posse como presidente, apesar de ter sido terminado em junho de 2017.