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ÚLTIMO SUSPIRO

Explicações sobre “melhora da morte”

publicado: 09/05/2023 13h17, última modificação: 09/05/2023 13h17
Argumentações de cunho científico, espiritual e filosófico se confrontam para negar ou confirmar o “fenômeno”

por Giovannia Brito*

Quando um parente ou amigo está internado em estado grave, a preocupação de todos que convivem ao seu lado é intensa. Todos se unem em orações, emanando boas energias para que tenha uma franca recuperação. Em alguns casos, dá a entender que o universo ouviu as preces e o paciente sinaliza para uma recuperação, aliviando a todos. Mas, para a tristeza geral, acaba não resistindo e morrendo logo depois dessa melhora. Será coincidência a morte ter acontecido após uma melhora?

Muitos já ouviram alguém relatar episódios como esses ou têm conhecimento de causa com algum ente querido no que diz respeito a evolução do quadro de saúde, porém, morrendo horas ou dias depois. Mas será que o fenômeno conhecido como a “melhora da morte” existe de fato, ou é mero acaso do destino?

Também conhecido como o início da despedida ou o último instante de lucidez antes do fim, as explicações em torno dele variam diante de alguns vieses. Discussões do tema são amplas, assim como são antigos os estudos e debates. As primeiras evidências e questionamentos surgiram por meio de Hipócrates, médico grego, nascido 400 anos antes de Cristo. Desde então, indagações e argumentações de cunho científico, espiritual e filosófico se confrontam na ânsia de confirmá-lo ou provar que é uma trivial eventualidade.

“Cada viés tem uma linha sobre o fato de o corpo dar o último suspiro, do organismo dar um turbo químico dentro dele para tentar melhorar. Diversas hipóteses tentam explicar esse fenômeno, mas nenhum comprovou algo formalmente até agora. Existem oscilações normais em pacientes graves com reações químicas do corpo que funcionariam como se fosse um instinto de sobrevivência. Porém, não sabemos se é científico, não podemos afirmar que viés espiritual ou filosófico. O fato é que as pessoas morrem o tempo inteiro, porém, acabamos lembrando de histórias surpreendentes de quem apresentou uma melhora no quadro de saúde antes de morrer”, analisa o psicólogo Stefano Farias.

Ele lembra que Hipócrates e outros estudiosos da Grécia Antiga defendiam que, durante o ato da morte e após, a alma permanecia na sua integralidade. “Eles acreditavam em uma libertação e uma recuperação de todo o seu potencial. Diante disso, a mente humana seria mais que um produto da fisiologia do cérebro”, lembra.

Mas há quem coloque esse fenômeno como obra bem distante do acaso, defendendo que ele acontece com certa frequência entre as pessoas que falecem em decorrência de doenças prolongadas, como o câncer. Nesse rol está a professora Doraci Maria da Silva, coordenadora da Casa de Caridade Espírita Francisco de Assis, em Campina Grande. “Para a Doutrina Espírita, não existem coincidências, tudo tem um sentido, porque a vida não é feita de acaso. Ele é algo observado pela doutrina. Existem casos em que a pessoa enferma vai acabando com seu fluido vital chegando a se extinguir e acontece a separação entre o espírito e o corpo”, explica.

E como explicar episódios como esses? “Nós somos energia, somos aquilo que pensamos, então, quando a pessoa está doente, os familiares começam e se envolver, fazem visitas, orações para manter a pessoa ali, querendo que ela melhore e acabam desencadeando fenômenos que podem causar o apego e prendendo aqui o espírito que quer desencarnar, o mantendo preso a essa terra por mais tempo do que realmente seria necessário. Geralmente fazem orações para que se melhore, quando na verdade a gente deveria orar para que a pessoa faça a sua passagem tranquila, que aconteça o que tiver que acontecer”, argumenta.

Doraci afirma que dentro do Kardecismo, em casos de apego, a espiritualidade se encarrega de tirar de perto do paciente aqueles que vão atrapalhar o processo de desligamento do corpo físico. “É necessário que a espiritualidade tenha espaço para trabalhar, que tenha tranquilidade. Imagine você fazendo seu trabalho e alguém se lamentando perto, conversando, tirando a concentração, tentando atrapalhar. É justamente isso que nós fazemos quando tentamos reter uma pessoa que está em processo de desencarne. Aí a espiritualidade faz com que os familiares enxerguem que a pessoa está bem melhor de saúde e eles acabam relaxando, saem de perto, se tranquilizam e baixam a guarda. É nesse momento que a espiritualidade aproveita para fazer o desligamento de tudo aquilo que une o espírito ao corpo. Isso é uma beleza muito grande”.

Doraci lembra que vivenciou um episódio desses com o pai, que morreu aos 87 anos. Conforme explica, ele foi fumante por cerca de 40 anos e, mesmo tendo passado mais de quatro décadas sem o vício, morreu com sequelas de uma complicação no pulmão. Após travar um longo tratamento contra a doença, começou a debilitar aos poucos. “Nós estávamos o acompanhando e ele teve uma melhora considerável, inclusive se abraçou com os filhos todos. Como ele estava se sentindo bem aliviado, tranquilo e conversando, então decidimos deixá-lo sozinho para dormir e descansar. Algumas horas depois, eu estava em casa e decidi ir vê-lo novamente. De repente me bateu um sono enorme. Aí, eu pensei: como ele está bem melhor e eu estou muito cansada, vou descansar um pouco e daqui a pouco eu vou para lá. Dei um cochilo e nesse tempo ele desencarnou”.

Médico garante que o fenômeno é químico

O médico Marcelo Henrique Feitosa é intensivista e trabalha no Hospital de Clínicas em Campina Grande. Em sua rotina de atendimento estão pacientes em estado grave que, muitas vezes, chegam com indicação de internação imediata na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI); e assim como no cotidiano de outros profissionais da área, lida com casos de morte rotineiramente.

Na sua história de trabalho já presenciou muitos pacientes que tiveram uma evolução no quadro de saúde, com sinais vitais voltando a níveis normais, comunicando-se, mas que horas depois, ou dias após, faleceram. “Sobre o fenômeno da melhora repentina do quadro e o paciente morrer depois, não tem nada comprovado, nada de certeza. Nós temos alguns indícios em estudos que indicam ser a liberação massiva de neurotransmissores, de hormônios do corpo tentando dar aquele último suspiro. Muitas vezes a gente presencia isso com o paciente melhorando parâmetros de ventilação, de pressão, porém, é mais por conta de uma descarga do corpo, uma última tentativa de liberar todos os hormônios que tem ainda acumulado para ver se o organismo reage”, define.

De acordo com o profissional, não existe uma doença específica em que esses casos aconteçam, nem idade ou sexo. “Trabalho com pacientes graves e presenciamos essa melhora em adultos, adolescentes, idoso, em pessoas que estavam internadas há muito tempo, ou de internos há poucos dias. É mais uma resposta fisiológica, de luta mesmo, de resposta da batalha do corpo de tentar melhorar. Sem ter mesmo como reagir, ele tenta liberar o que pode. Muitos tentam ligar a uma crença religiosa, mas sabemos que realmente é um fenômeno fisiológico. Ainda não temos tantos estudos a respeito, mas indícios mostram isso. Como ocorre em pacientes no fim da vida, não é tão ético fazer tantos estudos a respeito disso, com intervenções. No entanto, o que se demonstra mesmo é uma descarga de hormônio”, considera.

Misericórdia?

O padre Carlos Antônio Araújo, mais conhecido como Padre Carlinhos, entende que essa melhora antes da morte pode ser vista pelos olhos da fé, da misericórdia divina, do amor de Deus. “Uma situação orgânica onde a divindade, a graça de Deus, a força de Deus entra trazendo à pessoa certo alívio, e para os que estão acompanhando um certo conforto”, declara.

Algumas pessoas definem os últimos instantes de lucidez como a visita do anjo da morte. Para o Padre Carlinhos, esse progresso no quadro é um benefício concedido aos que creem. No seu entendimento, é uma forma para que a pessoa morra com tranquilidade, sem desespero. “Eu creio que é uma questão de fé e não de ciência, e que essa melhora da morte acontece para aquele que padece e que temia a morte. Então, o paciente se acalma e parte não no desespero, não dentro de uma situação de agonia. Ele vai entendendo, vai se preparando organicamente e aquela melhora traz uma paz, e muitos dormem e não acordam mais, e muitos partem sorrindo, cheios de esperança. Eu creio que essa melhora é um amparo à alma que sofre, uma paz, para que possa fazer a transição, a passagem para a eternidade. Talvez a ciência que monitora o paciente diga que isso não existe, ou mesmo que de fato exista”.

Para o padre, a fé tem um poder transformador capaz de mudar situações. Ele já vivenciou situações em visitas a pacientes que apresentavam quadro de saúde em evolução, mas que depois recebeu a notícia da morte. Ele lembrou que muitos estavam cientes do quadro grave, mas que, pela fé, afirmaram aceitar as decisões de Deus. “É uma graça de deus, invisível ao organismo da pessoa, para que ela parta também melhor, em paz. Tão logo você fecha os olhos aqui, não há espaço para decepção... Depois da morte, é tão rápida a passagem. Fecha os olhos aqui e se abre na eternidade para o julgamento, e não tem esse espaço para você se decepcionar, ela fica no organismo daqui, e a alma já estará diante do criador”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 9 de maio de 2023.