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PIADISTA E BRINCALHÃO

Há 66 anos morria Zé Lins do Rêgo

publicado: 12/09/2023 09h16, última modificação: 12/09/2023 09h16
Paraibano foi jornalista, desportista, poeta e, na literatura, é considerado um dos maiores escritores regionalistas do país

por Hilton Gouvêa*

O jornalista, escritor, desportista e poeta paraibano José Lins do Rêgo nasceu no Engenho Corredor, no município de Pilar, em 3 de junho de 1901, e morreu há 66 anos, aos 56 anos, no dia 12 de setembro de 1957, no Rio de Janeiro, onde viveu a maior parte de sua existência. Seus pais se chamavam João do Rêgo Cavalcanti e Amélia Lins do Rêgo.

Crescido no meio rural, mas controlado de perto pela disciplina severa do avô, o coronel José Paulino, o homem mais rico da região, ele revelava um perfil caricato, brincalhão, piadista e até chegado a algumas brincadeiras “exageradas”. Certa vez, foi repreendido por uma dupla de policiais de rua, no Rio de Janeiro, que o surpreendeu fazendo caretas para uma criança.
Em outra ocasião, ao sentir na pele o incômodo que as urticárias lhe causavam, em pleno convés da Balsa da Cantareira, fez a multidão afastar-se ligeiramente ao exclamar, em alto e bom som: “Esta lepra ainda me mata!”. Também escapou de apanhar dentro de um cinema, onde, por “molecagem”, passou a antecipar as cenas seguintes para uma plateia que se manifestava agressiva.

Bernardo Buarque de Holanda, seu biógrafo, sustenta que “Zé Lins tinha várias características físicas predominantes e as assumia instantaneamente ao reconstituir episódios, aí surgindo seus inimitáveis cacoetes”. Em seu rosto se destacava o indefectível monóculo (mais tarde passou a usar óculos) e as costeletas largas lhe emprestavam “um jeitinho pedante”. Pelo menos esse era o perfil do jornalista e escritor ao aportar em Maceió, aos 26 anos de idade, para colaborar com o Jornal de Alagoas.

“Ele escrevia artigos em linguagem quase oral, num estilo conversado, cheio do pitoresco”, diz Bernardo Buarque de Holanda. “Além de um original espírito crítico, era, inclusive, dono de um talento polêmico dos mais devastadores”. Holanda diz que Zé Lins costumava chamar carinhosamente dois amigos íntimos de “Chantas” – abreviatura de chantagistas. Por quê? Os dois viviam disputando seus escritos: no caso do livro ‘Menino de Engenho’, um queria ficar com os originais. Mas só recebeu o livro pronto. O outro foi contemplado com os originais.

Zé Lins tinha várias características físicas predominantes e as assumia instantaneamente ao reconstituir episódios, aí surgindo seus inimitáveis cacoetes

Foi assim que o escritor alarmou outros amigos, também escritores, ao revelar que escreveu os romances ‘Menino de Engenho’ e ‘Doidinho’ em apenas 60 dias, gastando um mês em cada um. Indagado qual o segredo de tamanha velocidade com a máquina de escrever, Zé Lins respondeu, com o toque de um pouco da vaidade que lhe era característica: “Quando começo a escrever, tudo vai fluindo natural e instantaneamente!”.

Considerado um dos maiores escritores regionalistas do país, ele entrava na casa dos amigos sem pedir licença, destampava as panelas e aproximava o nariz para cheirar o conteúdo. E chegou a levar um carão diplomático do médico Silva Meio por revelar-se de personalidade hipocondríaca: “Senhor José Lins, o senhor tem uma boa saúde à procura de uma doença!”.
Como diretor de esporte do Flamengo, seu clube de coração, o paraibano cultivou amizades estratégicas entre jogadores e diretores. Era bajulado por aqueles citados em suas crônicas esportivas. E acredita-se que, mais fanático do que ele pelo time carioca, só existiu o jornalista, compositor, radialista e desportista Ari Barroso. Por sinal, os dois “não se beijavam”, mas se toleravam.

José Lins do Rêgo começou a escrever no Diário de Pernambuco, em Recife, aos 18 anos, enfocando as vidas de Joaquim Nabuco e Rui Barbosa, ambos escritores famosos, abolicionistas e destemidos. Nesse mesmo jornal substituiu o megacolunista da época Lima Sobrinho, que passou a trabalhar no Rio de Janeiro, depois de também batalhar na política, onde cumpriu várias legislaturas como deputado federal.

Bernardo Buarque de Holanda afirma que Zé Lins do Rêgo se introduziu na imprensa por intermédio de amigos “costas quentes”, que admiravam seus escritos. Roberto Marinho colocou-o em O Globo; Assis Chateaubriand, seu conterrâneo, chamou-o para a revista O Cruzeiro, na época era a de maior circulação na América Latina, com sucursal em Nova Iorque e contrato com produtoras de Hollywood, para divulgar filmes badalados em primeira mão; e Mário Filho, um pernambucano que o chamou para o Jornal dos Sports.

Entre 1945 e o ano em que morreu (1957), Zé Lins assinou mais de 1.500 crônicas, regularmente, em 12 anos. Sua crônica nos Diários Associados, batizada ‘Conversa de Lotação’, era escrita em linguagem simples e abordava futebol, política e tudo de que o povo gostava nas décadas de 1940 e 1950. Seu romance ‘Cangaceiros’ foi publicado em folhetins pela revista O Cruzeiro, aumentando, consideravelmente, a venda avulsa.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 12 de setembro de 2023.