Em O Bem-Amado (1973), o prefeito da cidade de Sucupira, Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), queria inaugurar o cemitério, mas “ninguém morria”. Não foi bem uma “proibição” (acasos da natureza e do Dias Gomes), mas tiradas novelísticas à parte, ao longo dos anos, vários lugares “proibiram” a morte de fato, porém, mais como um esforço para chamar a atenção de questões políticas ou sociais do que ter os poderes divinos em mãos.
Há quem já ouviu falar que seria proibido vir a óbito nos confins de Svalbard, na Noruega, por conta do pergelissolo (camada do subsolo da crosta terrestre que está permanentemente congelada). Assim, os corpos que são sepultados nesse território ártico simplesmente não se decompõem, representando um risco biológico. No entanto, isso não é realmente verdade, mas o “mito” se espalhou, segundo o IFL Science.
De acordo com o site de notícias Zap, em agosto de 2015, o presidente da Câmara de Sellia, cidade italiana situada na encosta de uma colina, assinou um decreto que proibia as pessoas de ficarem “doentes dentro do município” e, consequentemente, que também não podiam morrer no local. Quem for apanhado sem realizar os exames de saúde regulares, podia ser multado em 10 euros por ano.
Em miúdos, com uma população cada vez mais reduzida, o decreto seria mais para “incentivar” os habitantes a terem uma vida mais longeva, mesmo que a negligência disso afetasse seus bolsos.
Do mesmo modo, em 2000 e 2008, duas aldeias em França proibiram os seus habitantes de morrer. Em ambos os casos, as autoridades locais não conseguiram obter autorização para alargar os seus cemitérios, pelo que, como forma de protesto, decidiram resolver o problema desencorajando a própria morte. A mesma tática foi adotada pelas autoridades no município paulista de Biritiba Mirim, no Brasil, em 2005, e de Falciano del Massico, na Itália, em 2012.
Chamando a atenção para os problemas e embargos, mais do que a insanidade acerca do “único mal irremediável” dessas leis, as ações acabaram resultando na autorização para expandir os cemitérios.
Por razões sagradas
Ao longo da história, há exemplos de proibições pelo lado religioso. Na Grécia Antiga, a Ilha de Delos (atualmente, Patrimônio Mundial da Unesco) era considerada tão sagrada que eram feitos esforços para a manter livre de mortes e nascimentos. Tanto que, no século 6 a.C., o líder ateniense Peisístrato ordenou que os túmulos fossem desenterrados e quem estivesse moribundo ou prestes a dar à luz era “convidado” a deixar a ilha.
Outro espaço considerado como consagrado – desta vez para os xintoístas – era a ilha japonesa de Itsukushima. Durante certo tempo, as únicas pessoas autorizadas a viver no local eram os sacerdotes e sacerdotisas da doutrina. Se peregrinos visitassem a ilha, eram proibidos de morrer ou dar à luz, regra que refletia as ideias religiosas sobre poluição, sangue e decadência (foi abolida em 1868, mas, ainda hoje, enterros e cremações não são permitidos).
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 24 de maio de 2024.