O Hotel Globo apresenta uma vista privilegiada da capital paraibana para o Rio Sanhauá, onde é possível contemplar o pôr do sol na parte histórica de João Pessoa. Durante anos, ele foi ponto de encontro da alta sociedade, mas também palco para acontecimentos históricos que poucos têm conhecimento. Atualmente, o prédio assumiu a função de centro cultural, sendo local para apresentações artísticas e lançamentos de livros. Ele faz parte do conjunto arquitetônico do Largo da Igreja de São Frei Pedro Gonçalves, no Bairro do Varadouro.
Com estilo eclético e variado, o Hotel Globo, construído no período de 1928 e 1929, apresenta influências da Arquitetura Neoclássica, Art, Nouveau e Art Decó. Em 1980, o prédio foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep).
Fundado em 28 de agosto de 1915, o antigo Hotel Globo era localizado na Rua Visconde de Inhaúma, 34, no Varadouro, cuja propriedade pertencia a Henrique Siqueira, conhecido popularmente por “Marinheiro”. O prédio foi demolido para alargamento das ruas do bairro que levavam ao antigo porto da cidade – Porto do Capim –, mas o governo do então presidente João Pessoa indenizou o proprietário.
De acordo com o gestor do hoje Centro Cultural do Hotel Globo, William Macêdo, o prédio foi construído com a finalidade de ser o primeiro hotel de luxo da cidade. Isso se deu por dois motivos: por ter telefone e banheiros próximos aos quartos. “Durante anos foi um dos lugares mais frequentados pela alta sociedade. No salão eram oferecidos bailes e banquetes para autoridades e pessoas importantes da cidade”, lembra.
Hospedou políticos e pessoas famosas, reconhecidas nacionalmente, como Procópio Ferreira, Bibi Ferreira, Tônia Carreiro, Ernesto Geisel, Gratuliano de Brito, entre outros, além de comerciantes e viajantes estrangeiros.
Um ponto negativo – e até curioso –, segundo o historiador José Octávio de Arruda Mello, é que naquela época os quartos não tinham suíte. Desse modo, os hóspedes tinham que utilizar banheiros coletivos. “A colunista Adila Rabello, por exemplo, se hospedou no Hotel Globo em sua lua de mel. Quando ela percebeu que os banheiros eram comunitários, ela ficou estarrecida e até escreveu uma crítica sobre isso”, conta José Octávio, lembrando que outro hotel de luxo da capital, o Paraíba Palace Hotel, também não tinha suítes.
Conforme o historiador, o governador (presidente) da Paraíba, João Pessoa, foi quem começou a “neutralizar” o Hotel Globo. “Ele queria subir a cidade, primeiramente, para o Ponto de Cem Réis, depois queria mudar a localização do Teatro Santa Roza e investir na área da Lagoa. Com sua morte, seus sucessores, Antenor Navarro, Gratuliano de Brito e Argemiro de Figueiredo, foram os que executaram suas ideias”, declara José Octávio.
Outro fator que justifica a decadência do Hotel Globo, segundo Jean Patrício, historiador e presidente do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGP), é a transferência do porto para a cidade de Cabedelo (1935). Após a construção do Paraíba Palace Hotel, no hoje Largo do Ponto de Cem Réis, o Globo começou a entrar em declínio com a falta de hóspedes, até vir à falência total e o fechamento de suas portas.
Durante as décadas de 1940 e 1950, o local serviu mais como um ponto de encontro para boêmios em busca de bebida e boa vida, do que como um hotel. “Depois disso, a cidade começou a se desenvolver em direção às praias, a partir da década de 1960. Um marco foi a inauguração do Hotel Tambaú”, revela.
Segundo o Iphan, o prédio recebeu a primeira restauração integral entre 1990 e 1994, e foi a primeira obra realizada no âmbito do Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa. O historiador Jean Patrício enfatiza que a ocupação do território de João Pessoa se iniciou com o descobrimento da região, atual Porto do Capim ou Varadouro, mas a importância desse território se confunde bastante com a questão econômica.
“Ainda que incipiente, a região concentrou as atividades do Porto do Varadouro – nome oficial do Porto do Capim –; com amplo desenvolvimento econômico, político e social. Nesse sentido, existiam várias repartições, casas comerciais, a Estação Ferroviária e o prédio da Alfândega surgiram nas imediações do Hotel Globo.
O acervo do IHGP possui imagens raras do hotel, principalmente da década de 1980. Um projeto de educação patrimonial intitulado ‘Pelos Caminhos da História’ está sendo elaborado pela Divisão de Museus e Patrimônio da Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope). “Os alunos poderão ir ao Hotel Globo aprender um pouco da história da nossa cidade, observando in loco a evolução de nossa cidade, através desse importante monumento histórico”, adianta Patrício.
Onde o presente e o passado se encontram
O Hotel Globo na atualidade tem se destacado como um local onde “pulsa o sentimento de revitalização” do Centro Histórico. A Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope) vem desenvolvendo inúmeros eventos no local, exposições que visam ocupar de forma efetiva o Hotel Globo, sendo hoje um dos pontos mais visitados do Centro Histórico da capital.
De acordo com o gestor cultural do Hotel Globo, Willian Macêdo, tem sido desenvolvido um trabalho singular de valorização da arte e fortalecimento dos laços culturais da cidade, realizando uma dinâmica diferenciada marcada pela multiplicidade e pela pluralidade. Desde que assumiu a gestão, vinte exposições de artes visuais foram realizadas, das quais treze ele “teve a honra de estar como curador”, enfatizando, principalmente, artistas locais e regionais, como também exposições nacionais e internacional, além de eventos literários e lançamento de livros. Acontece também a continuidade do Projeto Sol Maior, onde é possível apreciar música de qualidade e gratuita contemplando o pôr do sol.
“Dessa forma, cumprimos o nosso objetivo de fortalecer o Hotel Globo como instrumento do patrimônio artístico e cultural de João Pessoa, de incentivar a participação de artistas independentes, instaurando assim um cenário cultural de referência na cidade”, conclui Macêdo.
*Matéria publicada na edição impressa de 16 de abril de 2023.