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Idosos caem na folia

publicado: 05/02/2024 09h19, última modificação: 06/02/2024 13h11
Concentração tem início às 18h, no Busto de Tamandaré, e segue por volta das 20h30 até a Feirinha de Tambaú
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No Bloco da Melhor Idade, há quem viva no saudosismo de suas memórias carnavalescas e quem rejuvenesça ao celebrar todos os anos os festejos de Momo - Foto: Ortilo Antônio

por Joel Cavalcanti*

O Carnaval é uma alegoria do tempo. Há quem conte os anos de vida pela quantidade de vezes que participou da festa. Há quem viva no saudosismo de suas memórias carnavalescas e quem rejuvenesça só com a fantasia de continuar celebrando todos os anos os festejos de Momo. De toda forma, o Carnaval é um importante marcador de tempo que conecta as pessoas a suas comunidades, suas histórias pessoais e às mudanças culturais ao longo das gerações. Essa é uma história que vem de outros carnavais, quando o período de júbilo antes da quaresma ainda era chamado de entrudo.

O Bloco da Melhor Idade, que neste ano desfila no dia cinco de fevereiro, na próxima segunda-feira, reúne todas essas diferentes concepções da festa para um público prioritariamente acima de 60 anos de idade. “A gente continua fazendo a festa com as marchinhas de carnaval, mas a realidade é que quando a gente cai no embalo mesmo, meu filho, é só a glória de Deus. É tudo. Bateu a hora do bloco e está todo mundo dançando”, sintetiza a presidente do bloco, Shilon Gama. A concentração da Melhor Idade tem início às 18h, no Busto de Tamandaré, e segue por volta das 20h30 até a Feirinha de Tambaú, onde a festa continua até a meia-noite.

“É lógico que o tempo passa, as pessoas ficam um pouco meio retraídas porque a idade chega, é verdade, né? Mas quando elas se encontram ali, a alegria é a mesma, ninguém segura esse povo, não. Nunca vi com tanto fogo”, brinca a presidente. E foi justamente para reacender esse fogo que o bloco surgiu em 1992 por iniciativa de sua fundadora, a empresária e ex-vereadora Creuza Pires, morta em 2009. Desde então, o grupo passou a se chamar Bloco da Melhor Idade Creuza Pires. “Ficava todo mundo de casa, e ela chamava os idosos da rua para ficar conversando com eles. Com isso foi passando um tempo, aí apareceu então o Folia de Rua”, lembra a presidente, que é foliã do bloco há 19 carnavais.

A gente continua fazendo a festa com as marchinhas de carnaval, mas a realidade é que quando a gente cai no embalo mesmo é só a glória de Deus. É tudo   ---   Shilon Gama

Reunindo cerca de 1.500 pessoas, segundo os organizadores, o desfile é acompanhado durante todo o percurso pela execução do hino da agremiação, que homenageia marchinhas históricas, como se fosse um pot-pourri de saudades. “Tanto riso, tanta felicidade / estou na melhor idade / bandeira branca / pra matar a saudade / a estrela d'alva / no céu clareou / confete e serpentina pelo chão / canta colombina e pierrot”. Mas quando não é época de orquestra de frevo, os foliões da Melhor Idade costumam visitar instituições de longa permanência para idosos levando a festa para quem não consegue mais ir até ela, além de desenvolverem campanhas de doações para essas instituições. Uma atenção necessária em uma cidade em que 10,2% da população tem mais de 60 anos.

Mas antes mesmo de sair às ruas, os foliões esquentam o fogo que têm por festa por outros trilhos. Uma prévia da festa é realizada todos os anos e a de 2024 aconteceu no último dia 31 no ‘Trem da Folia da Melhor Idade’. Embalada pela orquestra de frevo do Maestro Júlio, a 18a edição da locomotiva carnavalesca partiu pontualmente às 13h06 da plataforma da Estação João Pessoa, no Varadouro, com destino a Santa Rita. Em seguida, os foliões seguiram para Cabedelo e encerraram os festejos em João Pessoa. “Fazemos a melhor prévia do Folia de Rua no único trem da folia da terceira idade do Brasil”, garante Shilon Gama.

Resistência e sem tempo para lamentar as mudanças da festa

A alegria de quem participa do Bloco da Melhor Idade é uma resistência de quem não quer apenas ficar lamentando as mudanças nas formas de celebração da festa. Há muito tempo que se anuncia a morte do Carnaval. Em uma das crônicas reunidas no livro “Memórias – A menina Sem Estrela”, Nelson Rodrigues já descrevia sua visão fatalista sobre o festejo de 1919: “Começou o Carnaval e, de repente, da noite para o dia, usos, costumes e pudores tornaram-se antigos, obsoletos, espectrais. As pessoas usavam a mesma cara, o mesmo feitio de nariz, o mesmo chapéu, a mesma bengala. Mas algo mudara”.

É que no Carnaval, dois sentimentos distintos e contraditórios convivem juntos: o da urgência de satisfação de todos os prazeres sem pensar no dia seguinte com um profundo desejo de reviver alegrias do passado, uma vez que muitos antigos foliões acreditam que não há mais espaço para eles nas formas de diversão atuais. Se para estes o Carnaval perdeu o seu sentido, para outros o Carnaval não é lugar para idoso. Enquanto isso, ambos, o Carnaval e os idosos, continuam se aproveitando mutuamente no Bloco da Melhor Idade. O Carnaval continua se transformando, é verdade, mas até o que ele deixou de ser se mistura com o desejo que ele permaneça sendo o que sempre foi. E é tudo isso que faz o Carnaval.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 03 de fevereiro de 2024.