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Processo poderá ser concluído em 12 agosto de 2023, quando a morte da camponesa completará 30 anos

Igreja Ortodoxa estuda canonização de Margarida Maria Alves

publicado: 19/07/2022 00h00, última modificação: 19/07/2022 10h54
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Margarida Maria Alves - Foto: Foto: TJPB

tags: margarida maria alves , luta , religião

por Giovannia Brito*


Em pouco mais de um ano, precisamente no dia 12 de agosto de 2023, a Paraíba poderá ter a sua primeira santa. O nome da líder sindical Margarida Maria Alves está em processo de conclusão de estudo pela Igreja Ortodoxa Autônoma Greco Brasileira de Campina Grande, para ser canonizada. Após isso, seu ícone será erigido oficialmente e ela terá sua oração própria, sendo considerada santa por suas benfeitorias. A sindicalista foi assassinada em 1983 na sua cidade natal, Alagoa Grande, Brejo paraibano, na presença do marido e do filho, com um disparo de espingarda no rosto. Margarida marcou sua época por lutar contra a violência no campo, pelo fim da exploração dos camponeses e também por defender a reforma agrária.

A canonização deverá ocorrer na data em que ela foi morta. O processo se iniciou na Igreja Ortodoxa Autônoma Greco Brasileira de Campina Grande, e está sendo conduzido pelo bispo ortodoxo Vladyka Patrivius Maxiumas. O procedimento para torna-la santa foi iniciado em 2020, quando a igreja ortodoxa deliberou à Comissão de Causa dos Santos que investigasse possíveis nomes de brasileiros que pudessem ser canonizados.

“O processo na igreja ortodoxa acontece de forma diferente do que se dá na igreja católica romana. Ele surge na própria comunidade, debatendo assuntos da realidade brasileira e daqui da Paraíba. Dessa forma, me pediram, em ofício, uma lista de candidatos para que se pudesse analisar cada caso, e fosse evidenciado uma espécie de beatificação, para depois abrir o processo de canonização”, explicou Vladyka Patrivius.

A Comissão recebeu uma lista com vários nomes de personalidades, desde o império colonial até os dias de hoje. Porém, o que mais chamou a atenção foi o de Margarida Maria Alves. “Dessa forma, foi aberto um processo para buscar informações sobre a sua vida, estudos sobre sua personalidade e tudo a respeito da biografia”, relatou.

Após colher todas essas informações, em 2020, Arcebispo Metropolitano da Igreja Ortodoxa Autônoma Greco Brasileira, Dom Charbel Sawwa Auxentios Zacharias, ortogou e autorizou que fosse feita a beatificação da sindicalista. “Resta o processo final de canonização de Margarida Alves, e 80% dos membros já aprovaram o texto final”, relatou, acrescentando que ele será encaminhado ao Sínodo, que é a maior autoridade na Igreja Ortodoxa, integrado por todos os patriarcas que a lideram.

A escolha de Margarida Maria Alves para ser santa pela igreja ortodoxa, conforme explicou, deve-se ao fato dela ter sido uma pessoa de fé e que não mediu esforços para fazer o bem ao próximo, em suas atividades no dia a dia e dentro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, onde defendeu o direito e a vida de centenas de pessoas que se sentiam intimidadas por fazendeiros da região.

Religião fazia parte da luta

Margarida Maria Alves era declaradamente católica apostólica romana, inclusive foi membro da Comissão Pastoral da Terra, estava frequentemente nas missas, e teve em um padre, um incentivador para que ela fosse candidata a presidente do Sindicato. “Não importa pra gente se ela foi católica, não é um fator principal. Aliás, isso é bom, por ela ter um vínculo com a religiosidade. O que nos importa é que ela se orientou por sua fé e a colocou a serviço de todos. A experiência que ela tomou em vida, pra nós da pra igreja ortodoxa, é um avanço uma aproximação com a cultura, com a espiritualidade e um exemplo pra muitos”, declarou.

Para chegar a ter essa indicação, a igreja ortoxa está levando em consideração as virtudes de Margarida, que segundo seus representantes, são dignas do reino de Deus, contidas na prática do evangelho, como a preocupação com o próximo, e o enfrentamento aos poderosos em detrimento a pessoas humildes. “Ela apresentou em vida virtudes de amor e fraternidade, não colocou em divergência a fé católica e apostólica, e mesmo lutando contra poderosos, não usou a violência”, pontuou.

O bispo revelou que esse fato de Margarida Maria Alves não ter usado métodos violentos para defender o que acreditava e defendia para o seu povo, lhe garantem fortes atributos para ser canonizada e é um mártir. Outros nomes também poderiam chegar a essa indicação, “mas não se encaixavam, pois usaram a violência, e isso pra nós não é motivo de canonização. Ao contrário dela, que era pacífica. Chegou a sentir indignação, mas nunca violência”.

Jornada diária e carteira assinada eram a principal bandeira de luta

Margarida Maria nasceu em Alagoa Grande, e foi a primeira mulher presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade.

Sua luta foi em defesa dos direitos dos trabalhadores sem terra para que eles tivessem registro em carteira de trabalho, jornada diária de trabalho de oito horas, décimo terceiro salário, férias e demais direitos.

Após eleita para o Sindicato, ela exerceu a gestão por 12 anos e moveu mais de 600 ações trabalhistas. Margarida foi assassinada por um pistoleiro, em 1983, na frente de sua casa, onde estava com o marido e do seu filho.

O crime que teve repercussão internacional com denúncia encaminhada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no entanto, não teve nenhum acusado responsabilizado pela morte da sindicalista.

O nome e história de luta sindicalista e defensora dos direitos humanos brasileira, de Alagoa Grande, foram inspiração para a “Marcha das Margaridas”, manifestação realizada desde 2000 por mulheres trabalhadoras rurais do Brasil.

 *Matéria publicada originalmente na edição impressa de 19 de julho de 2022.