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Igreja rebate versão sobre ‘limpeza’ feita na Praça da Alegria da UFPB

publicado: 01/12/2016 09h43, última modificação: 06/12/2016 09h34
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Novas pinturas começam a surgir na Praça da Alegria; estudantes reclamam que ato foi uma invasão contra a comunidade acadêmica - Foto: Marcos Russo


Jadson Falcão
- Especial para A União

Integrantes do movimento Godstock, da Igreja Cidade Viva, têm rebatido as acusações sofridas pelo movimento quanto à intervenção de limpeza realizada na Praça da Alegria, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa, abordada em A União, na última sexta-feira, dia 26 de novembro. A igreja afirma que a ação foi realizada com cunho social e com o objetivo de tornar o ambiente da praça mais agradável, mas estudantes da UFPB e frequentadores da praça alegam que a limpeza teve motivações ideológicas, e serviu como uma espécie de higienização das mensagens e cartazes de lutas sociais que antes ali havia.

De acordo com o coordenador do movimento Godstock e coordenador social da Fundação Cidade Viva, Saulo Ribeiro, o Godstock pode ser classificado como uma série de ações sociais gratuitas que ocorrem durante todo ano e são intensificadas durante pouco mais de um mês, fazendo parte, desde o ano passado, do calendário oficial de eventos da capital. Segundo ele, a ação realizada na Praça da Alegria antecedeu a revitalização executada pelos integrantes da igreja na ala de pediatria do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW), solicitada pelos próprios funcionários do local.
 
“[O hospital] estava sem cor, então chamamos artistas para que transformassem o ambiente em algo mais voltado ao contexto das crianças, que já passam tanto sofrimento devido aos problemas de saúde tratados ali. Aproveitando que atuaríamos nesse ambiente da Universidade, antes dela [a ação] ocorrer, dezenas de voluntários, a grande maioria estudantes da própria UFPB, pensaram que um bom local para realizar um outro trabalho de nova ambientação seria na praça e banheiros do CCHLA, visto que as pilastras e bancos não passavam por pinturas há anos. [...] Muitos alunos também informaram que a maioria dos cartazes eram colados nas colunas porque não haviam quadros de avisos suficientes, então vimos que também seria interessante que instalássemos ali murais de avisos, para que eles tivessem mais locais para seus informes e propagandas diversas”, explicou. 
 
Saulo Ribeiro afirma que Godstock incomodou os intolerantesSegundo Saulo Ribeiro, a ação de limpeza do local foi previamente autorizada pela Prefeitura Universitária e por coordenações de cursos do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA) da UFPB, onde está inserida a praça que é conhecida como local de concentração dos mais diversos segmentos sociais. “No meio da ação, os voluntários foram abordados por alunos de alguns cursos e esses alunos começaram, educadamente, a questionar a ação, e então o responsável direto pela atividade, o também estudante da UFPB, Jônatas Wellington, explicou o que estava acontecendo e os estudantes compreenderam que não houve desrespeito aos espaços estudantis, visto que foram mantidas as pinturas e manifestos dos alunos”, afirmou. 
 
Ainda segundo o coordenador do Godstock, uma reunião entre estudantes da UFPB e o responsável pela intervenção deve ser realizada hoje, com o intuito de debater os espaços públicos e o que foi executado no local. “Essa reunião foi marcada para hoje, mas já no domingo, dia 27, a mesma equipe foi novamente à universidade e tomou café da manhã com os estudantes da ocupação, sendo bem recebida por eles, que nem agrediram física, nem verbalmente os voluntários, mostrando que a discordância de ideologia não significa agir com intolerância”, ressaltou Saulo, que pediu desculpas aos que “se sentem ofendidos com algum tipo de ação da igreja que desagrade”.
 
“De fato, enquanto seres humanos, erramos muito, mas temos lutado para acertar em cada ação e fazemos o máximo para ir até onde temos condições de mudar realidades. Não o fazemos com recursos públicos ou parcerias político-partidárias, porque isso é até proibido pelo nosso estatuto para evitar vínculos escusos. O bom é que nesse caso não erramos, mas fizemos tudo como deveria ser feito, respeitando os espaços de todos e só trazendo benefícios. O único malefício para alguns foi o fato de que quem o fez foi uma igreja, e isso incomoda os intolerantes”, concluiu.
 
A diretora do CCHLA, professora Mônica Nóbrega, confirmou à reportagem de A União que a intervenção realizada na Praça da Alegria foi autorizada anteriormente pela direção de centro da universidade. “A ação era de limpar os banheiros e pintar algumas pilastras da praça, e o que os estudantes reclamam é que haviam manifestações que eram arte, e eu entendi que essa insatisfação foi gerada porque eu não conversei com eles antes. No dia em que ocorreu a ação eu me juntei com eles e reconheci esse erro, mas não vi nenhum problema em autorizar uma limpeza de banheiro na universidade, sem que a gente pagasse nada”, explicou.
 
Segundo Mônica Nóbrega, “o problema que realmente aconteceu foi com a pintura que mexeu nas coisas que já existiam”. “Os estudantes dizem que o trabalho era de décadas atrás, mas na verdade não era, porque a praça foi pintada no ano passado. Todo ano é assim. A gente pinta, e eles fazem o piche novamente, e ainda não conseguimos chegar a um meio termo com relação a isso”.


“Querem também calar nossos muros”, diz estudante 

Cidade Viva alega que ação beneficente teve o intuito de higienizar espaço públicoPara o estudante de licenciatura em Geografia da UFPB, Caio Rodrigues, a ação realizada na Praça da Alegria se caracteriza como uma invasão absurda a um espaço público que carrega expressões artísticas, culturais e políticas da comunidade acadêmica. 
 
“O que aconteceu foi uma contra-intervenção em um espaço que é utilizado pelos estudantes da universidade e pela comunidade aqui do entorno. Eu não teria nada contra uma intervenção de pessoas cristãs, ou de religiões africanas ou do espiritismo, por exemplo, mas a questão é a forma como foi feito. Foi uma coisa completamente vertical e sem diálogo, que pintou de cinza as paredes de um espaço que é público. Como é que uma igreja, que é uma organização privada, chega num espaço público, sem consultar o pessoal que frequenta o local, e faz uma coisa dessas?”, questionou.
 
Segundo o estudante, a limpeza executada pelos voluntários da Igreja Cidade Viva retirou a simbologia do espaço e o que ele classifica como as “rugosidades do tempo”, que antes haviam no local. 
 
“Quando esse pessoal chegou e pintou as paredes eles engoliram toda a nossa história. Se fosse a universidade que tivesse limpado, a reação teria sido totalmente diferente, porque ela tem todo o direito de pintar o espaço, e o pessoal ia fazer de novo numa lógica completamente diferente. O que fere muito é justamente o fato de ter sido a igreja, porque o que havia aqui eram mensagens contra a homofobia, contra o racismo, mensagens de luta das mulheres, mensagens contra a PEC 55. A praça mostra os momentos políticos tanto do passado, quanto da atualidade, e a universidade é um espaço laico, que deveria abarcar todos os credos, e não um, em detrimento de outro”, lamentou.
 
O estudante classificou a limpeza do local como uma prática “higienista” que, segundo ele, não é isolada e acontece frequentemente em locais que confrontam o discurso apresentado pelas comunidades evangélicas. “Os cartazes que haviam nas paredes falavam da liberdade sexual das mulheres e do respeito à sexualidade das pessoas, e isso é um discurso que vai totalmente contra o que essa igreja prega. Eles querem colocar a gente como intolerante, mas na verdade a intolerância parte deles”, afirmou.
 
Vanessa Cardoso afirma que igreja precisa aprender a respeitarNa opinião da estudante de artes visuais da UFPB, Vanessa Cardoso, a Igreja Cidade Viva pede respeito mas necessita aprender a respeitar as manifestações artísticas e opiniões contrárias que venham de outras pessoas. “Não cansados de calar as vozes eles querem também calar os muros. Eles querem calar até a expressão popular. O Brasil já está de cabeça para baixo e vêm ainda essas pessoas para tirar a pouca expressão que ainda estamos conseguindo fazer, e eu me pergunto se o que estamos enfrentando é uma nova ditadura. Estamos vivendo tempos tenebrosos”, observou.
 
O estudante de letras da UFPB, Daniel Barbosa, afirmou ter sido classificado como vândalo por um membro da igreja que o contactou após ele realizar uma postagem em uma rede social na internet sobre o assunto. “Eu fiz uma postagem no Facebook em que chamava as pessoas para pintarem a faixada da Cidade Viva, e eles me ligaram tentando justificar o que tinha acontecido. Durante a ligação, eu levantei a questão de que se isso é um processo que busca a melhoria do ambiente, quem tem que o melhorar não é nenhuma instituição privada, mas sim a própria universidade”, contou.
 
Na opinião de Daniel, a universidade é um ambiente público que serve não apenas para o estudo, mas também para a vivência, e essa é uma das funções cumpridas pela chamada “Praça da Alegria”, do CCHLA. “Quando eles chegaram aqui e pintaram isso, por mais que eles digam que tinham a autorização da Prefeitura Universitária, em momento algum eles chegaram para perguntar se a gente frequentava o local, e qual era a opinião da gente sobre isso. Eu fiquei muito revoltado com o fato de eles me ligarem e dizerem que se eu pinto a Praça da Alegria, eu sou um vândalo. A pessoa que me ligou não tinha a mínima consciência do que essas mensagens aqui representavam para os estudantes, e a presença dela e sua visão política, para mim, são totalmente obsoletas. Ela simplesmente não consegue respeitar a opinião dos outros”, concluiu.