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Elas são destaques na música, na arte, na literatura, continuam ativas e servem de modelo para as novas gerações

Inspiração na maturidade: três mulheres na vida cultural da PB

publicado: 28/03/2022 09h17, última modificação: 28/03/2022 09h19
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Foto: Suellen Brito/Divulgação

por Sara Gomes*

Chegar aos 60 anos de idade e ser legalmente idosa pode parecer um peso. Mas nem sempre mulheres nessa idade – ou mais – pensam em aposentadoria. E, quando pensam, é para investir o tempo em outras atividades. Parar, jamais!

Em homenagem ao mês das mulheres, A União revela histórias de três mulheres inspiradoras do cenário cultural paraibano que continuam ativas em suas profissões. Uma delas é a premiada atriz Zezita Matos, 79 anos. Sua paixão pelo teatro começou ainda criança, quando assistia filmes no mercado público na cidade de Pilar-PB. Mas descobriu sua vocação no Liceu Paraibano, aos 16 anos, quando entrou para a juventude comunista.

“Isso foi na época das ligas camponesas, anos 1970. A gente subia em cima de um caminhão com destino a Sapé, Mari, Rio Tinto e declamávamos textos curtos que transmitiam arte, mas também um conteúdo político”, relembrou.

Com mais de 50 anos de carreira, a primeira-dama do teatro paraibano se mantém ativa e continua com a dedicação de uma pessoa iniciante. Hoje ela divide seu tempo entre peças teatrais do Coletivo de Teatro Alfenim, filmes nacionais e participações em novelas.

Apesar da experiência ser fundamental, Zezita Matos enfatiza que a idade não influencia no teatro, pois cada trabalho é único. “Na construção do personagem você tem que fazer pesquisa, tem que viver aquela época, então eu tenho a empolgação de uma atriz iniciante. É preciso ter tesão no teatro. Eu já fiz várias Paixões de Cristo, mas sempre é uma experiência diferente”, explicou.

A personagem Das Dores, no filme “A História da Eternidade” (2014), é uma avó que sente desejo pelo próprio neto, pois a sexualidade é reprimida nos idosos. “Minha personagem faz uma crítica à sociedade que não permite que os velhos vivenciem sua sexualidade, curtam sua vida”, explicou.

Zezita Matos lembra que o início da pandemia foi muito difícil, pois o ritmo de sua vida sempre foi muito acelerado. “Eu estou fazendo terapia pois me sentia péssima parada. Hoje, consigo perceber o quanto produzi nessa pandemia, fiz três curtas e um longa”, comemora.

A personagem de “Mãe e Filha” a ensinou a desacelerar. “Quando recebi esse personagem, logo pensei: não combina com a minha natureza! Mas depois fui entendendo que o motivo dela estar apática era a solidão. Então esse personagem me ensinou a desacelerar, entender o tempo das pessoas”, concluiu.

Primeiro livro foi publicado às vésperas dos 60 anos

O universo da literatura sempre foi algo muito presente na vida da premiada escritora Maria Valéria Rezende, 79 anos, pois ela nasceu em uma família de escritores. A paulista radicada na Paraíba conta que a leitura era o único lazer nas horas vagas. Uma necessidade diária tão essencial quanto uma boa noite de sono.

“Como eu lia muito desde pequena, escrevia bem. Eu ganhava os concursos de redação na minha escola, mas quando chegava na competição municipal sempre era desclassificada, pois tinha um parente no júri. Hoje leio em média duas mil páginas por semana” disse.

Como não tinha dinheiro para comprar presente de aniversário, Maria Valéria presenteava os amigos com uma história. “Eu escrevia uma história, desenhava uma capinha bonita e levava para a pessoa de presente de aniversário. Eu escrevi a vida inteira, mas naquela época não tinha a pretensão de ser escritora. Estava muito feliz com a minha vida de invisível”, contou.

Seu propósito de vida nunca foi constituir família nem ser escritora. Ela queria “correr o mundo”, aprender, ensinar e ajudar as pessoas. Como estudou em um colégio de freiras, acabou se tornando freira missionária. “Entre ser freira ou casar, escolhi fazer os votos. Ser freira era muito mais divertido. Percorri o mundo sem nunca ter pagado uma passagem”, brincou. Ela morou na Argélia, no Timor, na China e no México, onde ensinou camponeses a ler e a escrever através da metodologia de educação popular freiriana, trabalho que também desenvolveu no Brasil.

Foto: Adriano Franco/DivulgaçãoFoto: Adriano Franco/Divulgação

Às vésperas de completar 60 anos, em 2001, começou a se dedicar profissionalmente à literatura, quando publicou o livro “Vasto Mundo”, sendo reeditado em nova versão em 2015(Ed.Alfaguara). Posteriormente foi traduzido e publicado na França, em 2017. Desde 2004 participa do Clube do Conto da Paraíba, que a estimulou a continuar escrevendo ficção. O seu romance “O voo da Guará Vermelha” foi publicado em Portugal, França e teve duas edições na Espanha. Em 2009, ganhou o primeiro Jabuti, na categoria infantil, com a obra “No risco do caracol”; em 2013, outro Jabuti com o romance “Ouro dentro da cabeça”.

Segundo a escritora, todo mundo tem história para contar. Para os que pretendem ingressar na literatura, dá algumas dicas para as novas gerações: “Leiam muito e observem o mundo. Não imaginem que sua literatura só é boa se ganharem prêmio. ‘O Voo da Guará Vermelha’ e ‘Vasto Mundo’ foram os meus livros mais lidos, mas nunca foram premiados. Outra dica importante é: só escrevam se for um grande prazer para vocês. Escritor não é profissão, por isso é necessário ter uma fonte de renda estável primeiro”, aconselha.

Em relação aos idosos que estão perto de se aposentar e desejam aproveitar o tempo livre para realizar um sonho antigo, Maria Valéria comenta: “Todo mundo tem um talento, que muitas vezes é deixado de lado diante das obrigações da vida. Seja cantar bem, artes plásticas, tocar um instrumento ou até mesmo gostar de escrever. Se você sempre quis aprender violão, mas nunca teve tempo, o que está esperando? O mesmo serve para a literatura, pois todo mundo tem histórias para contar. Cada pessoa tem uma maneira de ver o mundo e isso é o que torna a escrita fascinante”, incentivou.

Em 2015 foi a grande vencedora do Jabuti por seu romance “Quarenta Dias”, em que conta a história de uma professora de língua francesa aposentada que, num rompante, sai de casa e passa dias perambulando pela cidade. Nesse livro, Maria Valéria Rezende faz uma crítica aos filhos que acabam atribuindo aos idosos o cuidado com os netos, dilema muito recorrente na terceira idade.

“Em vez de aproveitarem a velhice, os idosos acabam se tornando babás de seus netos. Não é justo com eles, pois já criaram seus filhos. Minhas amigas vivem esse dilema, mas como não tive filhos posso problematizar na minha literatura”, criticou.

Cátia foi redescoberta pela juventude através da internet

Foto: Roberto Guedes

A compositora, cantora e multi-instrumentista Cátia de França, 75 anos, é também um exemplo de artista que permanece produtiva, vivenciando a melhor fase de sua carreira. Sua música tem como fonte a literatura, fazendo referências à obra de João Guimarães Rosa, Manoel de Barros, José Lins do Rego e João Cabral de Melo Neto. Em suas canções, a compositora fala sobre as paisagens do Nordeste, a força da mulher, lutas, arte, ancestralidade e racismo.

Em 1972, migrou para o Rio de Janeiro em busca de oportunidades. Lá encontrou uma leva de nordestinos como Zé Ramalho, Vital Farias, Geraldo Azevedo, Elba Ramalho, que lhe abriram caminhos. Ela foi sanfoneira e percussionista de Zé Ramalho, tanto é que fez parte do CD Avohai. “Elba e Zé Ramalho foram meus padrinhos na música. Ninguém alcança sucesso sozinho”.

Percebendo a originalidade de suas canções, em 1979, Zé Ramalho produziu seu primeiro disco “20 palavras ao redor do sol”, convidando músicos renomados para participar da gravação, entre eles, Dominguinhos, Lulu Santos, Sivuca, Bezerra da Silva, Elba Ramalho e Amelinha.

Sua discografia na década de 1980 inclui os LPs ‘Feliz demais’ e ‘Olinda’. Em 1988, o CD Avatar. Em 2005, lançou ‘Cátia de França canta Pedro Osmar’, interpretando músicas do artista paraibano. Em 2012, grava o CD independente ‘No Bagaço da Cana/ Um Brasil Adormecido’. Em 2016, Cátia de França apresenta aos seus fãs o CD ‘Hóspede da Natureza’, com o patrocínio da Natura Musical, inspirado na obra do escritor Henry David Thoreau e com uma musicalidade que transita do reggae ao blues, passando por bossa nova, rock e bumba meu boi.

Apesar de seu talento, Cátia de França passou anos de sua vida no ostracismo. Com o boom da internet, foi redescoberta pela juventude, em 2016. “Eu tive pouca oportunidade na mídia, mas os jovens descobriram meu trabalho através da internet. Sou muito grata por esse reconhecimento e perceber que minha música serviu de inspiração às novas gerações da música, mas que também gerou identificação no público jovem”, afirmou.

Para ela, essa troca intergeracional, seja na música ou nas relações sociais, é muito importante, pois o maior desafio do idoso é ser ouvido. “Tanto no Japão quanto em uma civilização indígena, os mais velhos são considerados fontes de sabedoria. Os idosos vivenciaram vários acontecimentos importantes, então eles têm muito a ensinar”, declarou.

Um aprendizado da maturidade, segundo Cátia de França, foi ouvir mais e falar menos. Além de selecionar o tipo de informação que deseja consumir. “Eu sempre fui muito audaciosa, então acabava absorvendo o que não fazia bem. Hoje, prefiro falar menos e ouvir mais para resguardar minha saúde mental”, concluiu.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 26 de março de 2022