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Jornalismo Literário extrai a história e a essência do fato

publicado: 23/09/2017 00h05, última modificação: 25/09/2017 08h20
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As estudantes Daniella e Elisa representaram a região Nordeste no Congresso Nacional da Intercom e ganharam o prêmio - Foto: Edson Matos/Divulgação

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Mariana Lira

Especial para A União

As jornalistas paraibanas Ana Daniella Fechine e Elisa Damante têm em comum a afinidade pelo Jornalismo Literário e acreditam que essa vertente do jornalismo deveria ser vista com mais frequência no mercado editorial atual. Foi unindo a sensibilidade do jornalismo em profundidade e a necessidade de falar sobre problemas sociais que as jovens foram premiadas em nível regional e nacional no Congresso da Intercom. O último prêmio concedido pela Intercom elegeu a obra das estudantes, que versa sobre ressocialização carcerária, escrita de forma poética.

Daniella, 22, cresceu no Bairro dos Bancários, na capital, onde vive até hoje. Ela conta que “caiu de pára-quedas no curso de jornalismo”, pois antes pretendia cursar Direito. A jovem encontrou motivação quando conheceu o Jornalismo Literário e decidiu acrescentá-lo à sua profissão. Daniella foi estagiária na redação do jornal A União entre 2015 e 2016. “A União foi o espaço que mais me permitiu crescer nesse tipo de jornalismo”, ressaltou. Além de ‘(Im)perdoáveis’, a jovem também é autora de ‘Narrativas literárias no webjornalismo brasileiro: modo de fazer’, que trata-se de um suporte ao Jornalismo Literário. Atualmente, estagia na TV Cabo Branco.

Elisa tem 23 anos de idade e nasceu no interior de São Paulo, mas reconhece-se paraibana, pois vive em João Pessoa desde a infância. Considerando o gosto pela escrita e o desgosto por matemática, a jovem escolheu o curso de Jornalismo. Ela não tem planos de participar do mercado de trabalho na área, pois visa investir na carreira acadêmica. Elisa já estagiou em um portal de notícias, foi assessora de imprensa em um órgão da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e, atualmente, é repórter da TV UFPB e monitora da disciplina gêneros jornalísticos.

Sobre a produção de ‘(Im)perdoáveis? O frágil sistema de ressocialização carcerária’, elas contam que, inicialmente, pretendiam analisar o que era escrito nas paredes das celas, mas considerando as dificuldades para realizar as pesquisas dentro dessas celas, precisaram redirecionar o foco. O tema passou a ser o exercício da escrita em geral dentro da prisão, seja por música, poesia ou qualquer tipo de escritura e, a partir disso, foram encaminhadas a falar sobre ressocialização.

Daniella garantiu que o tema é recorrente em sua carreira. Mesmo não tendo parentes ou amigos presos, desde que esteve em uma penitenciária, para a produção de uma reportagem para o jornal A União, ela desenvolveu certa sensibilidade pelo assunto e o desejo de tornar essa realidade conhecida. “Escrevo sobre essas pessoas porque não quero que elas façam outras vítimas”, justificou.

O primeiro trabalho premiado da dupla foi em 2016, no congresso regional da Intercom, que aconteceu na cidade de Caruaru. Daniella e Elisa ganharam o prêmio de melhor reportagem na categoria Jornalismo Impresso do Nordeste com a reportagem ‘Cela 15 - Ventres Encarcerados’. Trata-se das histórias de três mulheres que têm filhos de no máximo seis meses e os criam atrás das grades em uma penitenciária feminina de João Pessoa. A obra participou de um concurso nacional, mas não foi premiada. Contudo, em 2017, representando a Paraíba, elas levaram a premiação da melhor reportagem em Jornalismo Literário do Nordeste com o título ‘(Im)perdoáveis?’, no congresso da Intercom, que ocorreu em Fortaleza. Em seguida, concorreram nacionalmente com as outras regiões e dessa vez o chegou prêmio.

Ter o trabalho reconhecido em um dos maiores congressos de comunicação do Brasil é motivo de muito orgulho e gratidão para Elisa e Daniell: “É o reconhecimento do Jornalismo Literário e de duas estudantes que buscaram sair da rotina tradicional. Acho isso maravilhoso para profissão”, enfatizou Daniella.

Acerca dos desafios no processo de pesquisa para a reportagem, Daniella argumenta que falar sobre homicidas e estupradores nunca é fácil e ouví-los é um desafio ainda maior. Elas conversaram por mais de uma hora com cada personagem e assumem que, despir-se do preconceito e do medo, foi uma tarefa complicada.

As duas jornalistas tem predileção pelo Jornalismo Literário e, por conta disso, resolveram escrever ‘(Im)perdoáveis?’ neste viés. Todavia, Daniella afirmou que acredita que a obra teria mais peso se avaliada de forma geral: texto, diagramação e estrutura. E inscreveram-se nas modalidades de reportagem em Jornalismo Impresso e Jornalismo Literário. Perderam uma e ganharam a outra. E, ainda, tiveram a oportunidade de conhecer trabalhos incríveis. “O jornalismo literário está vivíssimo entre os estudantes”, garantiu Daniella.

O objetivo das duas, enquanto jornalistas, é explorar ao máximo o jornalismo em profundidade. Porém, com certo pesar, afirmam que a presença desse tipo de jornalismo anda escassa no mercado, considerando que o factual é prioridade. Elisa diz que o Jornalismo Literário tem um público mais seleto, dificilmente tem espaço em veículos, como a TV, por exemplo, e acaba sendo escanteado devido ao curto espaço de tempo. Daniella acredita que o jornalismo em profundidade é capaz, em sua totalidade, e se feito com cuidado de extrair a essência da história e do fato. No entanto, ele requer tempo e, muitas vezes, recursos, o que dificulta torná-lo presente no dia a dia.

Como proposta de inserção desse jornalismo no mercado, Daniella aposta nas universidades. Ela diz que se as instituições começassem a trabalhar mais nessa linha, cada vez mais pessoas conheceriam o Jornalismo Literário e, assim, iriam passando um para o outro. A graduanda ressalta que não considera o Jornalismo Literário sinônimo de bom jornalismo, mas que ele é mais uma forma de fazer comunicação nesse país. Ela acredita que é possível fazer Jornalismo Literário até na notícia policial. “As empresas é que precisam atentar para isso, dar liberdade ao texto, deixar ele respirar,” argumenta. Ela acrescenta que essa não é bem uma tarefa dos repórteres, mas que podem contribuir, alimentando esse jornalismo dentro do veículos que atuam ou de forma independente.

Elisa propõe o webjornalismo como um bom espaço pra praticar o jornalismo em profundidade, pois o espaço físico não é impedimento. Ela reafirma que pouca gente conhece, mas argumenta que, quando as pessoas começarem a ver, elas vão começar a gostar cada vez mais. Ela aponta também o jornal impresso como um meio que tem um espaço para esse tipo de texto. “Acho que é um lugar muito bom para investir em grandes reportagens. A internet também, hoje em dia, a gente vê muito site sendo criado dentro dessa aposta do literário. Quanto mais espaço, melhor”, garante.

Receber um prêmio concorrendo na categoria de Jornalismo Literário, a vertente do coração de Daniella e de Elisa, tornou tudo mais gratificante. Daniella aprecia ter um trabalho reconhecido numa modalidade que faz parte da sua carreira e da sua vida. Ela expressa que é o fim de um ciclo, pois termina a Graduação em Jornalismo esse ano com a sensação de dever cumprido. Elisa reforça a alegria de alcançar tal conquista, porque garante que ambas acreditam muito no trabalho realizado e acrescenta que “o Jornalismo Literário é a solução para muita coisa, só basta dar espaço”, conclui.