A 1ª Vara do Tribunal do Júri de Campina Grande concedeu alvará judicial a uma mulher para a realização de procedimento de interrupção de gravidez, em caráter de urgência, de feto de 24 semanas que apresenta uma anomalia conhecida como síndrome de body stalk. A decisão proferida está em consonância com parecer do Ministério Público da Paraíba e afasta qualquer conduta típica penal.
De acordo com a Promotoria de Justiça, o abortamento em questão, embora não previsto no “rol do aborto legal”, é um direito da requerente referente ao papel reprodutivo que lhe cabe, visto que há inviabilidade de vida extrauterina para o feto.
O parecer foi dado pelo promotor de Justiça que atua na área criminal em Campina Grande, Osvaldo Lopes Barbosa, e julgado pela juíza Thana Michelle Carneiro Rodrigues, do 1º Tribunal do Júri daquela cidade. De acordo com o representante do MPPB, o processo está corroborado de “vasta documentação”, inclusive laudo médico dando conta que o feto que vem sendo gerado foi diagnosticado com síndrome de body stalk (SBS), que, segundo consta no processo, é uma má formação maciça e geralmente letal do tórax e/ou abdome. No caso, órgãos intratorácicos e abdominais encontram-se fora da cavidade abdominal; o cordão pode estar completamente ausente ou extremante encurtado, tornando o quadro global incompatível com a vida extrauterina.
“Desumano e degradante”
“Seria desumano e degradante impingir a esta senhora a manutenção da gravidez quando constatada está, em laudo médico, a letalidade do feto (…). A opção pela interrupção desta gestação, não sendo configurado o crime de aborto, centra-se na conduta moral da requerente, justificada na sua petição inicial ante as dificuldades físicas e psíquicas da peticionante para a proteção da vida inviável que carrega em seu ventre (...). O feto portador da síndrome de body stalk, ainda que sobreviva ao nascimento por algumas horas, tem mínima sobrevida, enquanto a gestante, mantida a gestação em tais circunstâncias, sofre maiores riscos à sua saúde e absurdo desgaste psicológico, com sério comprometimento de sua integridade orgânica”, considerou Osvaldo Lopes.
O promotor, ainda no parecer, destacou que não se tratava de determinar a interrupção da gravidez ou concordar com a prática, mas em reconhecer o direito da gestante escolher, sem que seja criminalizada por isso. O aborto é permitido no Brasil apenas em três casos: gravidez de risco à vida da gestante; gravidez resultante de violência sexual; e anencefalia fetal. Ocorre que, tanto o promotor quanto a juíza que julgou o alvará consideraram a jurisprudência referendada pelo Superior Tribunal Federal, pois, assim como na anencefalia, a síndrome de body stalk inviabiliza a vida fora do útero.
Risco à saúde da grávida
“Assim sendo, obrigar a gestante a prosseguir com a gestação é medida por demais dolorosa e cruel, além de colocar em risco até a própria saúde da mesma, conforme laudo da lavra das médicas especialistas. Em face do exposto, autorizo a realização do procedimento de interrupção da gravidez, desde que haja viabilidade médica para tanto, ficando afastada qualquer conduta típica penal”, decidiu a juíza Thana Rodrigues.
O procedimento deverá ser feito no Instituto de Saúde Elpídio de Almeida (Isea).
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 20 de dezembro de 2022.