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Mortes decifradas

Laboratório de DNA elucida crimes

publicado: 15/08/2023 09h02, última modificação: 15/08/2023 09h02
Na Paraíba, equipamento da Polícia Científica funciona desde 2004; é o 2º instalado no Brasil e o 1º do Norte-Nordeste
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Equipe de peritos do IPC-PB participou da Expotec na capital - Foto: Roberto Guedes

por Lucilene Meireles*

Os laboratórios de DNA vão muito além da realização de testes de reconhecimento de paternidade. Eles são grandes aliados das polícias e da Justiça e essenciais na análise de materiais colhidos em locais de crime para elucidação de casos. Na Paraíba, o Laboratório de DNA da Polícia Científica está em funcionamento desde 2004, sendo o segundo instalado no Brasil e o primeiro do Norte-Nordeste.

A equipe de peritos paraibana trabalha com amostras envolvidas ou supostamente implicadas em crimes, e o trabalho segue três linhas de atuação. A primeira, conforme Gisleyde Bastos, perita criminal do Laboratório de DNA Forense, do Instituto de Polícia Científica da Paraíba (IPC-PB), é o material coletado em local de crime. “É a mais popular, em que todo mundo vê o perito criminal coletando as amostras de material na cena do crime”.

Ela explica que esse material é levado para o laboratório, os vestígios são analisados para verificar se é possível descobrir se nele existem condições de identificar o perfil genético do agressor. “Isso porque a nossa função precípua é auxiliar a Justiça na elucidação de crimes usando técnicas de identificação, tecnologias avançadas, kits sensíveis, de forma a possibilitar que o perfil genético foi produzido ou por uma determinada pessoa específica ou para excluir aquela pessoa de estar ligada ao crime”.

A análise de crime sexual é mais uma vertente do laboratório. Atualmente, a maior parte do material do laboratório é composta por vestígios de material de crime sexual das mais diversas idades e dos mais diversos públicos. São analisados swab vaginal, anal, vestimentas, calcinhas, cuecas, lençóis, com o objetivo de encontrar um perfil genético do autor do delito.

Outra perspectiva do laboratório é a identificação humana. Esse aspecto envolve cadáveres ignorados, carbonizados, de identidade desconhecida, pessoas que estão em abrigo, pessoas que não podem ser identificadas por outros métodos que vão ao Laboratório de DNA para que seja feita a análise do material biológico dos cadáveres e confronte com um familiar reclamante. “Fazemos a coincidência e podemos confirmar se se trata daquele familiar procurado ou não”, esclarece.

A outra vertente do Laboratório de DNA não diz respeito especificamente a crime e é algo relativamente novo que é a análise de pessoas desaparecidas, com dados inseridos em um banco estadual e nacional.

Tipos de identificação

Existem três tipos de identificação. A primária, que é a recomendada pela Interpol, com a papiloscopia; em seguida, o exame da arcada dentária; e, por último, o exame do DNA, mas esta não é uma sequência que deve ser seguida, apenas uma ordem de facilidade, como ressalta a gerente do Núcleo de Medicina e Odontologia Legal (Numol) de João Pessoa, Cristiane Helena Barbosa Freire. A papiloscopia é a mais barata e mais rápida. Já o DNA é o processo mais demorado e dispendioso.

Ela ressalta que todos os corpos ignorados ou os que entram identificados, mas não são reclamados pela família, têm material genético coletado no Laboratório de DNA e os dados são inseridos nos bancos estadual e nacional de perfis genéticos. Toda semana, o banco estadual confronta os dados locais, assim como o nacional cruza os dados de todo o país.

“Se alguma pessoa tem um familiar desaparecido em qualquer lugar do país, pode procurar a Delegacia de Crimes contra a Pessoa, relatar o caso e fazer o boletim de ocorrência. A delegacia vai dar uma requisição para que esse familiar compareça ao Numol para coleta de material biológico que também é inserido no banco na categoria de familiares de pessoas desaparecidas. O banco vai confrontar e se, porventura, a pessoa estiver falecida em qualquer lugar do país, poderá ser encontrada”.

O banco recebe amostras de corpos de vítimas que passaram pelos diversos IMLs do país ignorados ou não reclamados, de presos que estão condenados por crimes que envolvam a vida humana, de crimes sexuais e de familiares de pessoas desaparecidas.

Cristiane observa que a maioria das pessoas desconhece o trabalho dos peritos e ressalta que é gratificante quando há oportunidade de mostrar como são as atividades, como aconteceu durante a Expotec, encerrada na última sexta-feira (11). “Recebemos inúmeros elogios. Isso traz uma satisfação muito grande para todos nós que somos peritos e que estamos ‘escondidos’ na medicina legal, onde ninguém quer ir, ninguém quer ver, realizando esse trabalho e trazendo resolução a tantos casos”, constata.

O IPC possui cinco núcleos na Paraíba: João Pessoa, Campina Grande, Guarabira, Patos e Cajazeiras. Cada um funciona com quase todos os laboratórios, mas só João Pessoa tem o de DNA, que recebe as demandas de todo o estado.

Tempo dos exames

O tempo para um exame de DNA ser concluído é variável. Se for uma amostra coletada em local de crime, esse prazo vai depender da amostra e da metodologia utilizada. Hoje, o Laboratório dispõe de plataformas automatizadas, com uma tecnologia bastante avançada, de ponta. Essa tecnologia é a mesma utilizada em todos os laboratórios do país.

“Não deixamos a desejar a nenhum outro laboratório, até porque trabalhamos de forma padronizada justamente pelo Banco Nacional. Os kits extremamente sensíveis e a tecnologia avançada são nossos carros-chefes junto com equipe treinada”, afirma Gisleyde Bastos.

Ela explica que, se for um vestígio em local de crime, fica difícil precisar, porque depende da qualidade da amostra recebida. Porém, é possível estimar esse tempo considerando uma amostra-referência, de uma pessoa viva, a exemplo de swab bucal.

“Como é um material abundante em material biológico e, consequentemente, em DNA, temos condições de, em 24 horas, dar um perfil genético da amostra-referência. Só que esse perfil não diz muita coisa porque o DNA, na perícia, é um exame comparativo. Não adianta ter um perfil genético lindo se não tenho com o que comparar”, explica.

Por isso a perita criminal afirma que é preciso acontecer esse confronto em qualquer área da perícia. “No DNA não seria diferente. Por isso, não podemos precisar um tempo”, comenta, ressaltando que a situação de dar um perfil genético de uma amostra-referência em 24 horas é hipotética.

“É quanto tempo leva em condições ideais de temperatura e pressão, mas para elucidação de crime, não é possível precisar porque existem muitas variantes para poder dar o perfil genético. Não é só a tecnologia, os kits e equipe treinada. Depende do material externo que a equipe não sabe qual será”, emenda.

Toxicologia

Além de estar associada ao processo de identificação de cadáveres, a análise do DNA contribui na área de toxicologia, que faz a pesquisa em amostras biológicas de vivos e de cadáveres, no Laboratório de DNA.

A perita químico legal Paloma Lucena explica que o setor de laboratórios forense envolve a identificação de amostras brutas de drogas e também realiza a identificação dessas substâncias por meio da cromatografia no laboratório. No cenário de crimes, os peritos utilizam uma maleta com materiais como reagentes utilizados para fazer exames.

“Pesquisamos se o vivo ou cadáver fez uso de alguma substância medicamentosa, veneno, praguicida. Nos vivos, as amostras analisadas são de sangue e urina e, nos cadáveres, sangue, urina e vísceras. O DNA também está associado ao processo de identificação de cadáveres”, acrescenta.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 15 de agosto de 2023.