Quem passa de carro pela BR-230, entre João Pessoa e Cabedelo, talvez não imagine que a Mata da Amem — como é popularmente conhecida a região pelos moradores do entorno — abrigue os últimos resquícios de Mata Atlântica em restinga da Paraíba.Esse ecossistema é típico de lugares costeiros e adaptado às condições de um solo mais arenoso, como os existentes na Grande João Pessoa, por possuir uma ampla extensão litorânea.
Com extensão de 114 hectares, a Mata da Amem é uma Unidade de Conservação Federal, nomeada oficialmente de Floresta Nacional (Flona) da Restinga de Cabedelo. Metade do território da Mata da Amem é composta por manguezal e a outra parte é formada pela floresta estacional do bioma Mata Atlântica.
"É uma área muito especial, pois abriga algumas espécies ameaçadas que já não existem no entorno urbano"
- Getúlio Freitas
O analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação Ambiental (ICMBio), Getúlio Freitas, explica que é o órgão responsável por gerir, proteger, monitorar e fiscalizar essa Floresta Nacional e mais 340 Unidades de Conservação Federais (UC) existentes em todo o país. Segundo ele, a Flona tem uma importância singular para a Paraíba. “É uma área muito especial”, comenta Getúlio, “pois abriga árvores com mais de cem anos e que chegam a quase 30 metros de altura, além de algumas espécies ameaçadas que já não existem no entorno urbano”.
Pesquisas científicas apontam que a Flona passou por degradação de sua paisagem natural devido à expansão imobiliária, o que justifica sua proteção designada em lei federal.
Conservação
Getúlio explica que essa é uma formação ímpar, “porque se constituiu sobre um substrato predominantemente arenoso que compõe o subsolo de todo o município de Cabedelo”.
De acordo com Renato Dantas, biólogo e professor no estado da Paraíba, a preservação da área também contribui para evitar o impacto da erosão marítima nos ambientes litorâneos. “Sem a restinga, haverá dunas entrando no ambiente urbano e erosão marinha destruindo a zona costeira e, consequentemente, os imóveis que lá se encontram” esclarece.
Segundo o biólogo, a restinga é uma área de ecótono, ou seja, de transição entre dois ecossistemas, que gera impacto nas cadeias alimentares de animais costeiros e terrestres. Por isso, conservar a Flona de Cabedelo significa garantir a capacidade da mata ter um ambiente capaz de sustentar espécies típicas. “Isso vale para animais como invertebrados, que habitam esses ambientes e populações de seres que se alimentam desses invertebrados, por exemplo”, informa o biólogo.
Fauna e flora
A Flona possui populações de diversas espécies da fauna e da flora nativas que precisam ser conservadas. O analista do ICMBio, Getúlio Freitas, comenta que, só de aves, podem ser avistadas mais de 130 espécies. Por isso, fragmentos florestais como esse, mesmo diminutos, têm importância no contexto local e regional.
Entre os bichos que povoam o local, são exemplos: carcarás, picapau-de-banda-branca, bicho-preguiça, raposa, guaxinim, tamanduá-mirim, furão, cutia e ouriço-caixeiro. Há também muitos anfíbios habitando a mata; na maior parte são espécies pequenas e que só ocorrem em florestas conservadas, e répteis como o teiú, a iguana, o cágado e a jibóia.
A vegetação e os animais também são responsáveis por manter o equilíbrio ecológico da floresta e do microclima da região. A floresta é formada por espécies de plantas como angue-vermelho, pau-sangue, embiridiba e cupiúba — variedade predileta na alimentação das preguiças.
A bióloga e ecóloga, Anne Falcão, realizou uma pesquisa na Mata da Amem em 2018 e os resultados reafirmaram a importância do microclima para amenizar as temperaturas da Flona de Cabedelo. “Quanto mais próximo da mata, mais ameno é o microclima, o que gera uma sensação térmica mais agradável. Quanto mais afastado, no sentido da urbanização, mais quente o lugar fica”. Esse microclima garante que as espécies do local sobrevivam sem grandes danos.
Unidade de Conservação é um espaço de educação ambiental
Além de proteger a biodiversidade, a Unidade de Conservação Ambiental também contribui para o desenvolvimento da região. No local, são promovidos programas de educação ambiental que oferecem oportunidades para a realização de pesquisas científicas, a exemplo da realizada pela bióloga Anne Falcão. Os principais focos dos estudos são a manutenção da biodiversidade, o monitoramento de espécies e a recuperação de áreas degradadas, reforçando o papel da unidade como um pilar importante na conservação da natureza para a região.
As visitações na Flona de Cabedelo são apenas do tipo educacional, ou seja, não é um espaço aberto a visitações turísticas. “É preciso agendar com a gestão da unidade. Durante a visita, o público assiste às palestras e vídeos no auditório da unidade e pode fazer uma ou mais trilhas guiadas pela equipe da Flona”, comenta Getúlio Freitas, que é um dos responsáveis pelas visitações. O agendamento pode ser feito pelo número (83) 991035917.
Legislação
As Unidades de Conservação (UC) Ambiental, segundo a Lei no 9.985 de 2000, denominam os espaços territoriais e seus recursos ambientais que possuem características naturais relevantes e que precisam ser preservados pelo Poder Público. Por esse motivo, esses locais ficam sob regime especial de administração para garantir que haja proteção daquela região.
Na Paraíba, com o intuito de garantir a proteção da vegetação nativa, neste ano o governador João Azevêdo assinou um decreto para instituir um Grupo de Trabalho (GT) para acompanhar a implementação da Lei de Proteção Nativa, ligada à Lei Federal de no 12.651/2012. A importância deste instrumento jurídico está em garantir com mais segurança a preservação de espaços como a Flona de Cabedelo e outras Unidades de Conservação da Paraíba.
Segundo o analista ambiental Getúlio Freitas, “Ser uma UC da esfera federal, significa que a área é protegida por legislação específica, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC)”. Isso significa que a área passa a ter objetivos próprios da legislação federal que rege o tema e um plano de manejo que norteia a sua gestão. Por isso, toda a região precisa ser gerida por equipe especializada na conservação, manejo e proteção específicas para a região.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 15 de setembro de 2024.