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Mistério persistente

publicado: 21/08/2023 10h15, última modificação: 21/08/2023 10h15
Monumento de destaque na Paraíba, considerado um dos sítios arqueológicos e pré-históricos mais importantes do Brasil e do mundo, a Pedra do Ingá continua uma incógnita por mais de 400 anos
Pedra de Inga.jpg

Ilustração: Tônio

por Hilton Gouvêa*

Ao escrever sobre a Pedra do Ingá, situada no interior paraibano, distante a 82 quilômetros de João Pessoa, o astrônomo e astrofotógrafo Marcelo Zurita afirma que “a origem dessas escritas chamadas itacoatiaras ainda é desconhecida, embora esse monumento se destaque como um dos sítios arqueológicos e pré-históricos mais importantes do Brasil e do mundo.

A tradução dos textos gravados no monólito já dura 425 anos de mistério, a partir de quando a expedição de Feliciano Coelho a descobriu.

Segundo Zurita, o mais antigo registro conhecido da Pedra do Ingá é de 1598. Era uma época em que a recém-fundada Capitania Hereditária da Paraíba vivia um período sangrento: os colonizadores aliados aos índios tabajaras tentavam expulsar dessas terras os nativos potiguaras que resistiam à ocupação portuguesa. Em uma dessas missões, Feliciano Coelho de Carvalho, então capitão-mor da Paraíba, seguia com seus soldados pelo interior da capitania quando avistou pela primeira vez o misterioso painel rupestre. Intrigado, Feliciano perguntou aos tabajaras quem teria feito aquelas inscrições. Assustados, os indígenas responderam que aquele era um local sagrado e que a pedra teria sido cunhada pelos deuses. Historiadores acreditam que isso significa que aquela não era uma obra nem dos tabajaras e nem dos potiguaras. Provavelmente teria sido criada por tribos pré-tupis, povos ameríndios que colonizaram essa parte da América há milhares de anos.

Pedra, água e areia para entalhar os grifos

Flávio Josefo, historiador judeu que viveu entre os romanos, já dizia: “tudo que é esplendor e brilho, tem sua aura de mistério”. Daí porque não faltaram teorias diversas sobre essas estranhas insculturas como esta: “Sábios habitantes daquela região teriam desenvolvido um método muito simples de entalhar a rocha, utilizando uma pedra dura, água e areia grossa”. Alunos de uma escola da cidade de Ingá conseguiram entalhar uns glifos com essas ferramentas primitivas, que eles mesmos fabricaram.

Outras hipóteses atribuem essas inscrições a povos “mais civilizados”, como fenícios, egípcios, hititas e outros viajantes de várias partes do mundo. Ciro Gordon, um egiptólogo norte-americano que visitou as itacoatiaras na década de 1960, chegou a sugerir que “umas linhas pontilhadas de bolinhas existentes no painel seriam comboios de barcos fenícios desviados para cá por uma grande tempestade”.

O mais antigo registro da Pedra do Ingá é de 1598, época da recém-fundada Capitania Hereditária da Paraíba

Há também teorias que atribuem a autoria daquelas itacoatiaras a povos locais, como os cariris ou os povos ameríndios pré-coloniais. São hipóteses mais simples e mais fáceis de se aceitar. “Afinal, para criar as inscrições, não seria preciso construir grandes embarcações capazes de atravessar sete mil quilômetros de oceano. Bastaria friccionar uma pedra contra a outra”, comenta Zurita.

Em 1974, José Benício de Medeiros sugeriu, pela primeira vez, que eles poderiam conter dados astronômicos. Ele conseguiu relacionar uma série de gravuras no lajedo às estrelas da Constelação de Órion. Três “estrelas” excedentes gravadas na pedra poderiam ser planetas, indicando que aquilo poderia ser uma representação de uma conjunção planetária na Constelação de Órion.

Para que isso fosse possível, o ponto vernal deveria se encontrar na Constelação de Órion na época em que as gravuras foram feitas. Calculando o deslocamento anual do ponto vernal, Medeiros determinou que esse monumento teria sido construído em torno de 2173 a.C.

A teoria de Medeiros se mostrou, a princípio, muito plausível e, de fato, influenciou vários autores depois dele. Como resultado, ela é considerada, até hoje, quase como incontestável, mesmo que faltem elementos para sua comprovação científica. Em 1986, o arqueólogo espanhol Francisco Pavia Alemany propôs que a Pedra do Ingá poderia servir de calendário solar. Um monolito vertical próximo projetaria diariamente sua sombra, ao nascer do Sol, ao longo da linha horizontal de capsulares da pedra. Cada dia em uma marcação diferente ao longo do ano.

Paraibano encontra linha da eclíptica

O oftalmologista paraibano Francisco Carlos Pessoa Faria, em seu livro ‘Os Astrônomos Pré-Históricos do Ingá’, de 1987, conseguiu encontrar a linha da eclíptica e todas as constelações do zodíaco nas inscrições da Pedra do Ingá, além de sugerir uma datação para ela entre 2150 e 4300 anos antes de Cristo. Ele mesmo admite que não tem como comprovar tal teoria e que seu interesse principal seria “abrir a discussão”.

Painel poderia indicar parte da Via Láctea e as gravuras seriam espíritos indígenas que eram vistos no céu, formados por estrelas

E de fato seria muito difícil que os povos dessa época tivessem o conceito de eclíptica, algo que só foi desenvolvido na Grécia, mais de dois mil anos depois. E seria uma grande coincidência que sua cultura compartilhasse as mesmas constelações do zodíaco com os europeus. Segundo José Benício de Medeiros as gravuras de Ingá representariam a Constelação de Órion, durante uma conjunção planetária. O professor Germano Bruno, um dos maiores especialistas no assunto, diz “ser provável que a Pedra do Ingá possua elementos astronômicos”, mas observa: “É preciso encontrar de fato essas respostas e, antes de tudo, conhecer a cultura dos povos ameríndios que habitavam nessa região”.

Todas as etnias indígenas brasileiras pesquisadas por ele dão maior ênfase à Via Láctea. Para eles, a Via Láctea é a morada dos deuses. E, analisando as gravuras do Ingá, muitos pajés identificaram espíritos da mitologia Tupi-Guarani. Com base nessas identificações, o painel poderia indicar parte da Via Láctea e as gravuras representariam espíritos indígenas que eram vistos no céu, formados por estrelas e por manchas claras e escuras da Via Láctea.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 20 de agosto de 2023.