Descrita como menina bonita, olhos reluzentes, de cabelos ruivos e longos, a Comadre Florzinha, ou Comadre Fulorzinha, vive no imaginário de muitas pessoas, principalmente daqueles que habitam em comunidades rurais. Poderosa, ajuda pessoas que se perdem na mata a encontrar o caminho de volta, mas também se manifesta enfurecida com autoridade para afugentar os que se colocam a agredir a floresta, local que ela tem como casa.
A lenda em torno da personagem chega a confundir-se com a do Curupira e a do Saci-Pererê. A narrativa em torno da bela menina é mais forte na região Nordeste, tratando-se de uma menina que se perdeu na mata, passando várias semanas perambulando em busca do caminho de volta para casa, mas que acabou por morrer de desnutrição, sem quem a socorresse.
Seu espírito teria então ficado na floresta, passando a causar pavor nos que por ela passam para caçar, derrubar árvores, provocar incêndios, poluir rios. A lenda propõe também uma reflexão sobre a importância da conservação ambiental e a necessidade de viver em harmonia com o mundo natural.
O professor e historiador Vanderley de Brito, presidente do Instituto Histórico de Campina Grande (IHCG), produziu um cordel falando sobre a lenda da encantadora menina da mata. ‘Comadre Florzinha: um romance na Serra das Flechas’, um folheto, de 133 versos poéticos, que é uma adaptação romântica para decantar esse mito sertanejo do interior paraibano, um cordel que, além de divertir, educar e resgatar uma tradição, como é característico desse gênero literário, também provoca emoções e desperta desejos.
O cordel de Vanderley de Brito faz parte da Série Arqueológica, idealizada pelo autor, e é a quarta publicação do gênero da Sociedade Paraibana de Arqueologia. “Ela é a guardiã da vida selvícola e apronta ciladas e traquinices para impedir o extrativismo, sobretudo aquele além de necessidades de subsistências. Afugenta as presas, espanca os cães farejadores, e desorienta os predadores humanos, simulando os ruídos dos animais da mata, estalando galhos, dando assobios, e assim dá falsas pistas para que se percam no meio do mato”, descreve o historiador.
“Ela também gosta de fazer tranças em crina e rabo de cavalo, que ninguém consegue desfazer. Aprecia fumo e mel e, por isso, reza o costume que, antes de sair na noite para o mato, se deve deixar oferendas no tronco de uma árvore para não ser importunado por essa entidade”, completa Vanderley.
Entidade não é má e nem zombeteira
Vanderley de Brito defende a imagem de Comadre Florzinha, retirando do seu caráter, o de uma assombração má e zombeteira dada pelos homens rurais. Para ele, a duende apenas defende a natureza, e impõe o rigor de sua ira aos que atuam de forma contrária. “Se olharmos por outro prisma, Comadre Florzinha é uma defensora das matas, uma ecologista ativa.
Portanto, uma entidade do bem. Geralmente é vista na zona rural ou nas matas, por caçadores. A propósito, eles costumam deixar uma oferenda de mel ou fumo para ela em um tronco para que sejam bem-sucedidos na caça. Ela permite caçar por sobrevivência, mas não permite a caça esportiva”, explica.
Comadre Florzinha é um ser mítico da cultura regional, um folclore ainda muito vivo, principalmente, nas gerações acima dos 50 anos. “Todos têm uma história sobre ela, ou elas, pois a ideia é que há legiões delas pelas matas, como as fadas”, revela.
A origem da lenda do surgimento de Comadre Florzinha é desconhecida. A provável existência em torno dela data ainda do período colonial, assim como outras lendas do folclore brasileiro.
A lenda alusiva à Mãe da Mata, como a entidade também é conhecida, já foi roteiro de filme. Na telona, o enredo conta a história de um grupo de crianças que se perde em uma floresta na cidade de São Lourenço da Mata, interior pernambucano, tendo que, a partir do medo de estarem sem saber voltar para suas casas, encarar a famosa assombração do folclore nordestino. Com elenco e equipe técnica de profissionais de Olinda (PE), o filme tem direção de Ademir Paulo.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 07 de janeiro de 2023.