Notícias

memorial

Morte presumida e a comoriência

publicado: 20/06/2023 10h19, última modificação: 20/06/2023 10h19
No mundo jurídico, há situações diferentes de se entender que a pessoa veio a óbito, mesmo sem velório, enterro ou cremação

por Alexsandra Tavares*

Nem sempre o fim da existência de uma pessoa é oficializado com a morte da forma como a maioria das pessoas conhece, quando há uma causa, o corpo é velado e enterrado ou cremado. No mundo jurídico, há situações diferentes de se entender que a pessoa veio a óbito. Entre esses casos, há a morte presumida, a ausência e a comoriência. O advogado civilista Antônio Netto explica que se entende por ausência o desaparecimento de um sujeito de seu domicílio, sem haver qualquer notícia de seu paradeiro.

É preciso ressaltar, porém, que não é o simples desaparecimento que ocasiona a ausência de uma pessoa, pois deve-se haver o decurso de um ano para que o Poder Judiciário reconheça e declare a ausência de um cidadão ou cidadã. Esse prazo ainda pode se estender. “Quando o ausente, antes do seu desaparecimento, nomeia alguém para ser seu representante, o prazo para o reconhecimento da ausência sobe para três anos”, conta o advogado.

Esse tempo triplica porque, quando há a nomeação de um representante, se pressupõe que foi algo pensado, e não inesperado e inevitável. Segundo o advogado, o tempo maior também é uma das provas de que a pessoa chegou a falecer. Então, se um ausente deixa um representante legal e desaparece por três anos, sem nenhum paradeiro, é porque algo realmente ocorreu com ele. Assim, é aplicado o procedimento da ausência e, posteriormente, a morte presumida.

Por sua vez, a morte presumida é a declaração de falecimento de determinada pessoa que some em condições que sejam improváveis sua sobrevivência. Há vários casos de morte presumida, sobretudo em tragédias divulgadas, como em acidentes de avião, em que os corpos dos passageiros não são encontrados nos destroços.

Já a comoriência, segundo o advogado Antônio Netto, é o falecimento de duas ou mais pessoas em uma mesma situação, em que não é possível constatar qual delas veio a óbito primeiro. “Nesse caso, a lei pressupõe que as mortes ocorreram simultaneamente”, explica o advogado.

Herança e benefícios

Quando uma pessoa vem a óbito, há alguns documentos que a família precisa providenciar para registrar oficialmente o falecimento. Isso é importante por vários motivos, inclusive para resolver pendências sobre partilha de herança e recebimento de benefícios financeiros. Em situações normais, a morte é comprovada por meio da Certidão de Óbito, emitida no Cartório de Registro das Pessoas Naturais.

1ª-matéria-20-06-2023-morte-presumida-Foto Arquivo Pessoal.jpg
Reconhecimento se dá pela Justiça, diz Antônio Netto - Foto: Arquivo pessoal

Porém, há situações em que esse processo é mais complexo. “Nos casos de ausência ou morte presumida, o reconhecimento se dá através de um processo judicial”, diz o advogado Antônio Netto. Segundo ele, os familiares devem reunir toda e qualquer documentação que comprove a ausência do “sujeito”, como testemunhas do desaparecimento e constatações de que a pessoa estava em perigo de vida.

Como exemplo documental, Netto cita o bilhete aéreo que demonstra a presença da pessoa no avião que caiu em determinado lugar. O passar dos anos, sem o retorno daquela pessoa, bem como sua avançada idade, também são comprovações da morte presumida de alguém.

O advogado explica que, dependendo da forma como foi caracterizada a morte – ausência, comoriência ou morte presumida –, há reflexo no andamento do processo de partilha de bens ou aquisição de benefícios financeiros que os herdeiros teriam, legalmente, direito. Antônio Netto declara, porém, que primeiro se decreta a ausência, para depois haver o reconhecimento da morte presumida. “Essa, em casos excepcionais, pode ser declarada sem a decretação de ausência nos casos em que o sujeito desapareceu em condições de perigo de vida, sendo sua morte algo extremamente provável; ou quando o desaparecido estava em campanha militar ou feito prisioneiro de guerra”, diz Netto.

Ele frisa que esses fatores têm reflexo no direito à herança, seguros de vida, pensões, indenizações e outros tipos de benefícios. No campo previdenciário, há a pensão por morte presumida nos casos em que o segurado falece decorrente de acidente, catástrofe ou desastre em que o seu corpo não é encontrado. Nesses casos, os dependentes têm direito ao recebimento da pensão provisória por morte após seis meses do desaparecimento. Com a decretação da morte presumida, Antônio Netto destaca que haverá a sucessão de bens de forma definitiva, mesmo com a inexistência do corpo do falecido. “A lei se preocupa em não deixar qualquer bem sem o devido proprietário”.

Nos demais casos, o benefício apenas será concedido com a decretação de ausência pelo Poder Judiciário, que ocorre após um ano de desaparecimento do sujeito. Já no campo das sucessões (herança), após um ano de desaparecimento, o Poder Judiciário – a pedido dos interessados (pais, cônjuges, filhos) –, declara a ausência do desaparecido e nomeia um curador para a administração dos seus bens.

“Um ano após a decretação de ausência, um tipo inventário provisório é iniciado. Passados dez anos de sucessão provisória, o juiz irá instaurar a sucessão definitiva, momento em que os herdeiros terão acesso definitivo aos bens da herança. Nesse momento, o juiz também decretará a morte presumida do sujeito”, acrescenta.

No caso de comoriência, em que há uma presunção de morte simultânea de duas ou mais pessoas, Antônio Netto faz uma observação: na hipótese de um casal que falece em um acidente de carro simultaneamente, caso os dois não tenham deixado descendentes e nem ascendente, um não será herdeiro do outro. “Nesse caso, os parentes colaterais da mulher ficarão com a parte dela na herança e os parentes do homem ficarão com a parte dele”.

Os parentes colaterais são aqueles que têm um ancestral em comum, mas que não são descendentes, nem ascendentes entre si. São eles os irmãos, os tios-avôs e os sobrinhos-netos.
Quando um parente tem um ente querido que morre em uma dessas circunstância (ausência, comoriência ou morte presumida), deve, primeiramente, procurar auxílio de um advogado especializado. Por meio dele, a família receberá as orientações sobre documentação e como devem proceder.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 20 de junho de 2023.