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Saúde mental

Mulheres enfrentam esgotamento

publicado: 04/09/2023 09h41, última modificação: 04/09/2023 09h41
Após a pandemia, 45% das brasileiras foram diagnosticadas com ansiedade, depressão e outros tipo transtornos

por Sara Gomes*

Cerca de 45% das mulheres brasileiras foram diagnosticadas com ansiedade, depressão e outros tipos de transtornos mentais no contexto pós-pandemia de Covid-19. Sete em cada 10 pessoas diagnosticadas com depressão e ansiedade são mulheres, segundo a pesquisa “Esgotadas: o empobrecimento, sobrecarga de cuidado e o sofrimento psíquico das mulheres”, realizada pela organização não governamental Think Olga. A pesquisa foi realizada com 1.078 mulheres, entre 18 e 65 anos, em todos os estados do país, de 12 a 26 de maio de 2023. A margem de erro é de três pontos percentuais e o intervalo de confiança é de 95%.

A Organização Mundial da Saúde decretou o fim da emergência sanitária global em 2023, mas as sequelas dessa crise permanecem, principalmente, na saúde mental das mulheres. Para entender como está a saúde emocional das brasileiras, a pesquisa analisou quais aspectos da vida têm gerado sofrimento e insatisfação.

A Organização Mundial da Saúde decretou o fim da emergência sanitária global em 2023, mas as sequelas dessa crise permanecem

Segundo a pesquisa, as causas apontadas pelas mulheres são: estresse, baixa autoestima, irritabilidade, fadiga e tristeza. Mas a situação financeira apertada (48%), as dívidas (36%), a remuneração baixa (32%) e a sobrecarga de trabalho doméstico (22%) estão entre os fatores que mais impõem sofrimento, impactando na saúde mental.

Na avaliação da psicóloga clínica, Elisiane Barbosa, as mulheres ficaram ainda mais sobrecarregadas na pandemia, pois passaram a assumir várias funções ao mesmo tempo: mãe, esposa, filha de pais idosos, mãe solo e trabalho, acaba gerando um sentimento de frustração. “O excesso de autocobrança, a culpa por não conseguir exercer todas as funções ao mesmo tempo, ocasiona desânimo e reflete na autoestima. As mulheres acabam não tendo tempo para se cuidar, deixando-se de lado. A substância da depressão são todos estes fatores”, disse.

Segundo a pesquisa, as mulheres dedicam, semanalmente, 21,4 horas as atividades domésticas, enquanto que os homens apenas 11 horas. A psicóloga recomenda mudança de pensamento, antes de qualquer mudança de ação e comportamento para amenizar a sobrecarga de uma dupla jornada. “Mudar o funcionamento mental faz toda diferença, primeiramente. É preciso ancorar o pensamento de que somos humanas, e que só vão conseguir fazer o que está dentro das suas condições físicas e mentais. Você não vai conseguir dar conta de tudo e está tudo bem.

Existem várias alternativas para amenizar o impacto de quem sofre com ansiedade ou depressão, a exemplo de psicoterapia e acompanhamento psiquiátrico(se houver necessidade), alimentação saudável, exercício físico, algum hobby e escrita terapêutica, podem estimular o sentimento de prazer e satisfação. “A psicoterapia, através da busca de autoconhecimento, ajuda o paciente a aprender a gerenciar suas emoções, pensamentos e comportamentos", segundo Elisiane Barbosa. “Através do autoconhecimento, o paciente aprende a lidar com suas demandas físicas, emocionais e financeiras”, declarou.

Machismo adoece e mina a autoestima

As entrevistadas da pesquisa revelaram sua insatisfação em relação a diversas áreas da vida, em um grau de zero a 10, sendo zero extremamente insatisfeita e 10 extremamente satisfeita. A nota de relações amorosas é 3,2 e a de relações familiares, 3,0. Em terceiro lugar a relação consigo mesma e sua autoestima teve nota 2,7.

De acordo com a psicóloga, uma relação tóxica e disfuncional está diretamente associada e pode ser um fator gatilho. “No caso de uma relação amorosa, por exemplo, numa relação tóxica o machismo impera. O comportamento machista pode adoecer, baixando sua autoestima. Levando a mulher a anulação de si mesma e a duvidar da sua própria capacidade, podendo desenvolver ansiedade, depressão e outros transtornos”, disse.

Trabalho

As mulheres seguem ganhando menos que os homens e são mais impactadas pelo desemprego. Uma brasileira recebe, em média, 78% do que ganha um homem pelo mesmo trabalho, na mesma função e hierarquia. A taxa de desemprego de pessoas pretas ou pardas é de 20,4%, já as brancas é de 6,8%, segundo o dado da pesquisa em maio de 2023.

Mulheres

Segundo a pesquisa, 38% das mulheres são a principal ou única provedora do lar, enquanto que 25% divide igualmente a responsabilidade de manter a família com outras pessoas.Somente 11% das entrevistadas afirmam não contribuir financeiramente para pagar as despesas de suas famílias.

As mulheres negras e pardas, na sua maioria da classe D e E, 39% são provedoras do lar. Já o trabalho de cuidado sobrecarrega principalmente as mulheres de 36 a 55 anos (57% cuidam de alguém) e pretas e pardas (50% cuidam de alguém).

Uma mulher negra pode sofrer também com o racismo estrutural associado ao machismo que existe na nossa sociedade e preconceito machuca, fere, tenta anular, podendo levar a uma série de acometimentos mentais.

Por fim, a psicóloga Elisiane Barbosa, destaca que a sociedade precisa quebrar o estigma de que saúde mental não é prioridade. “As pessoas devem ir ao psicólogo como qualquer outro profissional de saúde. Somos seres humanos e somos compostos de corpo e mente. Quando a sociedade mudar essa cultura estigmatizada o funcionamento da sociedade também mudará para melhor. Sempre digo no consultório, autoconhecimento é poder!”, frisou.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 02 de setembro de 2023.