São José dos Cordeiros, localizado no Cariri paraibano, destaca-se não apenas por abrigar a Fazenda Almas — a maior área preservada da Caatinga — mas também por seu protagonismo na produção de quase três toneladas de mel por ano, rendendo-lhe o título de Capital do Mel. O município tem se destacado por atrair parcerias devido a potencialidades que alinham empreendedorismo, sustentabilidade e educação ambiental.
A apicultura na região desempenha um papel fundamental na conservação da Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro que ocupa mais de 90% do território paraibano, segundo o Mapa Biomas Brasil. Essa importância torna-se ainda mais evidente diante dos graves desafios enfrentados pelo bioma, como a desertificação, o desmatamento para fins agropecuários, a produção de carvão vegetal e a ausência de políticas públicas consistentes.
Segundo o biólogo e doutor em Ciências Florestais pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Ramôn Santos, alguns animais contribuem para a restauração do bioma, a exemplo das aves asa-branca, sanhaço e rolinha-cascavel, que dispersam sementes no solo. “Já as abelhas nativas sem ferrão (jandaíra, uruçu, mandaçaia) atuam como polinizadoras de plantas nativas, contribuindo diretamente para a regeneração natural e a manutenção dos ciclos ecológicos”, explica.
Atualmente, 20 famílias vivem da produção de mel da abelha-africana (Apis mellifera scutellata) no município, além da meliponicultura que consiste na criação de abelhas sem ferrão. A maioria dessas famílias estão vinculadas à Associação dos Apicultores e Meliponicultores de São José dos Cordeiros, atuante há mais de 15 anos.
Para o presidente da entidade, Samuel Bezerra, o maior legado que a atividade apícola trouxe a São José dos Cordeiros foi a mudança de mentalidade dos agricultores familiares. Segundo ele, os apicultores aprenderam que, para criar abelha, é necessário cultivar espécies nativas. “A partir dessa conscientização, eles passaram a plantar árvores como umbuzeiro, mandacaru, catingueira, juazeiro no entorno do roçado, ao invés de queimar o solo para plantio, como praticavam anteriormente”.
Recentemente, a entidade conquistou o Selo de Inspeção Municipal (SIM) — um certificado que atesta ao consumidor a qualidade higiênico-sanitária do produto de origem animal. Dessa forma, os apicultores estão autorizados a comercializar o mel em São José dos Cordeiros e nos 12 municípios que integram o Consórcio de Desenvolvimento Sustentável São Saruê. A próxima meta é obter o Selo de Qualidade, o qual considera as características o mel por meio de análises laboratoriais.
Festival capacita profissionais
- Empreendedores são estimulados a desenvolver pratos regionais com mel | Foto: Divulgação/Prefeitura de São José dos Cordeiros
O Festival do Mel, que atrai aproximadamente 50 mil pessoas no mês de setembro, alcançou reconhecimento para além do Cariri paraibano. Neste ano, será realizada a 15a edição do evento que, além de valorizar a produção local, impulsiona o desenvolvimento social e econômico da região. No ano passado, o evento movimentou R$ 400 mil na economia local e, para este ano, a meta é injetar R$ 600 mil.
O evento possibilita que profissionais comercializem seus produtos e dialoguem sobre técnicas de apicultura e manejo sustentável. Também são ofertadas palestras e capacitações para esse público. Já os visitantes podem conferir tanto a diversidade gastronômica como as apresentações musicais da cultura nordestina.
Na edição do ano passado, a Prefeitura em parceria com o Sebrae-PB promoveu uma capacitação em gastronomia com mel voltada ao comércio local, ministrada pelo chefe Josimar Aurélio. “Estimulamos os empreendedores a desenvolver pratos regionais utilizando o mel. Esse pertencimento da cultura local já vem sendo implementado por alguns comerciantes. Um deles, por exemplo, colocou uma abelha na logomarca de sua sorveteria”, destacou Paolla Leite, secretária de Agricultura e Meio Ambiente do município.
Ana Cláudia Araújo, de 40 anos, e o esposo são proprietários do Bar do Wanderlei, localizado no centro da cidade. Ela sempre gostou de inserir o mel na salada, mas depois da capacitação oferecida pelo Sebrae-PB aprendeu novos pratos gastronômicos, como creme de batata com mostarda e mel, costelinha suína com mel, salpicão com mel e bolo. “Eu já gostava de trabalhar com esse ingrediente, porque sempre gostei de inovar. Essa capacitação foi muito construtiva, pois ampliou os nossos horizontes. No nosso restaurante, essas receitas são muito procuradas, porque o povo de Cordeiros abraçou o mel na cultura local”.
Na 15a edição do Festival do Mel, a gestão municipal promoverá cursos de capacitação para inseri-los no marketing digital, com o intuito de impulsionar suas vendas.
Município é selecionado por projeto de neutralização de carbono
O potencial de São José dos Cordeiros tornou o município um dos seis da Paraíba (Prata, Cabaceiras, Monteiro, Sumé e Queimadas) selecionados para o Projeto Piloto Roadmap Território Carbono Neutro — uma parceria entre o Sebrae Nacional, o Sebrae-MT e o Centro Sebrae de Sustentabilidade. Para selecionar as cidades participantes, o projeto definiu seis eixos temáticos: ambientes de negócios, mudanças climáticas, capacidade administrativa, governança, gestão territorial e capacidade financeira.
A ação inovadora avalia a capacidade de 30 cidades do Brasil em planejar e executar políticas públicas voltadas à mitigação das mudanças climáticas. O conceito Território Carbono Neutro refere-se ao equilíbrio entre as emissões de dióxido de carbono na atmosfera e as medidas de compensação para absorver o impacto desse gás, como iniciativas de reflorestamento de biomas e ações para reduzir os gases de efeito estufa.
Segundo Madalena Arruda, gerente regional do Sebrae Monteiro, o Roadmap Território Carbono funciona como uma ponte que conecta instituições e órgãos governamentais para buscar soluções. “Quando os municípios encontram alguma dificuldade em qualquer eixo, o projeto realiza essa articulação para ajudá-los a alcançar o objetivo. Dessa forma, fortalece a capacidade dos municípios de criar uma agenda climática local, facilitando o acesso a financiamentos e parcerias, ao promover uma governança multinível e descentralizada da ação climática”.
São José dos Cordeiros tem implementado diversas ações voltadas à preservação ambiental. Entre elas, destaca-se o plano de ação de combate à desertificação que prevê ações em parceria com escolas e associações rurais em projetos de recuperação de áreas degradadas e reestruturação das matas ciliares.
Outra iniciativa é o projeto de arborização urbana com espécies melíferas (vegetação nativa que contribui para a produção do mel) que está sendo construído em parceria com a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
A Capital do Mel também foi um dos 43 municípios que aderiram à Campanha Amigo da Natureza promovida pelo Ministério Público da Paraíba. A campanha prevê o plantio de 600 mudas de árvores nativas nos biomas Mata Atlântica e Caatinga. Desse modo, a gestão municipal tem promovido capacitações e práticas de recuperação de solo com os agricultores em uma área de algodão orgânico.
Ações como essas estão alinhadas aos objetivos centrais da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-30), a ser realizada em novembro, em Belém (PA). Para a secretária de Agricultura e Meio Ambiente, Paolla Leite, participar do Território Carbono Neutro mostra o compromisso com o meio ambiente. “Nossos projetos têm contribuído para a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável”, constatou.
Na avaliação de Madalena Arruda, São José dos Cordeiros apresenta potencialidades de desenvolvimento em todos os eixos, mas a principal vocação do município está ligada à preservação ambiental. “Um dos pontos fortes é a Fazenda Almas [uma área de proteção ambiental]. Esse território favorece a prática da apicultura e meliponicultura dentro do eixo sustentável, promovendo a preservação ambiental atrelada à geração de renda”.
Além disso, a Fazenda Almas também desempenha um papel educativo fundamental. Um projeto da rede pública busca desenvolver a consciência ambiental das novas gerações sobre a importância da Caatinga, aprofundando os conteúdos escolares de Geografia por meio de visitas ao local. Os estudantes conhecem de perto a diversidade de espécies do bioma, superando visões limitadas aos mandacarus e xique-xiques.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 1º de junho de 2025.