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Dia do Orgulho

Nerds estão cada vez mais pop

publicado: 27/05/2024 09h37, última modificação: 27/05/2024 09h37
Segundo pesquisador, conceito surgiu nos anos 1980, como algo pejorativo, e se consolidou na década de 2000
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Livro narra viagem de estranhos companheiros pela Galáxia, numa nave, onde descobrem mais sobre a vida, o Universo e tudo mais | Foto: perdidanabiblioteca.com.br

por Paulo Correia*

“A maioria das pessoas que consomem cultura geek, cultura pop é nerd”. A citação é de Ícaro Rodrigues, designer e produtor de eventos, mais conhecido como Ikki. Para ele, a cena nerd tem reunido diversas artes, como música, literatura, cinema e jogos, vistos nas histórias em quadrinhos (HQ), video-games, cosplay, jogos de RPG [Role-Playing Games], por exemplo. E essa característica tem proporcionado uma expansão dessa comunidade, que podemos perceber nos seus festivais e conferências, que chegam a reunir milhares de pessoas no país e, também, na Paraíba.

O dia do orgulho nerd é celebrado hoje e a escolha da data não é consensual. Temos, pelo menos, três fatos que estão nas justificativas para a data. Uma, seria o lançamento do primeiro filme da série Star Wars Episode IV: a New Hope [Guerra nas Estrelas, episódio quatro: a nova esperança], lançado em 1977, e que representa um dos grandes ícones para seus entusiastas. Uma outra hipótese, seria o “dia da toalha”, data comemorada pelos fãs da obra “O guia do mochileiro das galáxias”, em homenagem à morte de seu autor, Douglas Adam, em 11 de maio de 2001. 

Para Thiago Falcão, coordenador do Programa de Pós-Graduação (PPG) de comunicação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a cultura geek, nerd surge pelo consumo da literatura de ficção científica e de fantasia, sobretudo do século 20, a partir de uma literatura considerada de baixo nível, pulp fiction, como era considerada na época, pois eram impressos com um papel produzido pelos restos das madeira. Numa tradução livre, podemos dizer que eram ficções impressas com a polpa da madeira.

Para Falcão, “elas eram chamadas de pulp fiction porque os livros eram impressos em papel ruim, que era um papel de polpa de madeira, o que sobrava da madeira era usado para fazer esse papel e aí os livros eram muito baratos por causa disso. [Isso] se conecta exatamente pela mesma ideia dos Penny Dreadful, que é o equivalente ao pulp fiction, só que no Reino Unido, [dessa] ficção gótica, de horror, vendidos a 15 centavos de libra [moeda inglesa]”. Nessa época, as publicações de ficção e terror, na Inglaterra, ficaram conhecidas como Penny Dreadful.

Segundo o pesquisador, a identidade nerd surge nos anos 1980 e vai se consolidar nos anos 2000, pois o entendimento sobre a cultura nerd passa de uma cultura que é representada de maneira pejorativa para algo charmoso. “Quando essa identidade surge, na década de 80, ela é chacota tanto é que você tem, por exemplo, filmes como “A vingança dos nerds” que os veem enquanto páreas, pessoas socialmente ineptas, e isso muda quando se transforma num ser charmoso, desejável, economicamente estável, por causa do imaginário da informática nos anos 2000, o que resulta por exemplo no The Big Bang Theory”, conclui.

Admiradores e entusiastas  na cultura da sétima arte

Wendell Lima é professor de Letras e mestre em Linguística e sua entrada nesse universo nerd foi pelo cinema, a partir dos filmes do Super-Homem. O destaque aqui vai para o primeiro filme do personagem, estrelado por Christopher Reeve, em 1978. “Eu acho que até hoje não houve um filme que me encantou tanto e que me influencia e me influenciou tanto ao longo da vida quanto aquele”, enfatiza Lima. 

"A gente percebeu que o cinema conseguiu criar uma gama muito maior de seguidores, que nem sabia que gostava (dos quadrinhos) "
- Alzir Alves

A admiração não ficou restrita ao pessoal, o que acabou o levando a pesquisar as relações em torno, não só do filme, mas também de outras produções derivadas do personagem, percebendo-o enquanto produto cultural. Para ele, “toda a produção cultural, toda produção discursiva é, na verdade, um produto de sua época, um produto da vivência das pessoas daquela determinada época, e quando você tem um produto cultural tão longevo, que dura tanto quanto o Super-Homem, esse produto sofre modificações ao longo das décadas devido à percepção das pessoas, devido a como o mundo muda o personagem”. 

Para Alzir Alves, desenhista e podcaster, o cinema descobriu os quadrinhos e o transformou, com mais energia e força, por conta dos elementos disponíveis na sua própria linguagem, como o áudio e a fotografia. “A gente percebeu que o cinema conseguiu criar uma gama muito maior de seguidores, que nem sabia que gostava (dos quadrinhos) e que acabou aprisionado pela parte cinematográfica, mas que não migraram aos quadrinhos. Então,  existe o público que é nerd de filmes, séries, animações, mas que não é propriamente dito um nerd”. 

O desenhista entrou no universo nerd pelos quadrinhos que foram apresentados por sua mãe, como uma forma de incentivo à leitura. Além disso, ele enfatiza que os nerds são, essencialmente, admiradores apaixonados por um determinado tema, que podem ser percebidos pela tendência em se tornarem colecionadores e que o mundo digital trouxe um conflito pois tornou essa informação menos palpável. 

“Aquilo que se torna importante para um nerd é a coleção, então ele ainda tem esse tesão de querer ter o seu action figures [bonecos colecionáveis], o livro de RPG e poder jogar um jogo de tabuleiro e isso tudo faz uma grande diferença. Quando você para e pensa assim, cara, eu tenho aqui 10 streamings que um é de quadrinhos, outro é de música, outro é de filmes e séries, mas quando você deixa [de pagar] aquilo você vê que não colecionou nada, você só consumiu”, destacou Alves”.

Produções orientais, como doramas, agradam  

A professora de inglês Crislaine Santos também conheceu o universo nerd pela literatura, apresentada por seu irmão. Ela também destacou a importância dos eventos ligados à cultura nerd para ela conhecer mais um fator de grande relevância nesse universo, que são as produções orientais, como doramas, k-pop e animes. 

“O que realmente me pegou mesmo para a cultura nerd foi Harry Potter e tudo mais, que eu comecei lendo desde pequena e eu fui pegando gosto, lendo os livros e tudo mais. Mas, agora, que realmente os eventos começaram a ter bastante aqui na na minha cidade, eu fui pega mais pela cultura asiática, na questão do k-pop, dos doramas e essas coisas assim”, destacou a professora.

Os festivais e conferências voltadas a esse universo também se mostram como um espaço para troca de experiências e consumo, mas também como importante espaço de encontro dessa comunidade. Ícaro Rodrigues, mais conhecido como Ikki, é designer e produtor de eventos em João Pessoa. Dentro da cultura nerd, tem mais gosto pelo cosplay, o qual as pessoas se fantasiam de personagens fictícios. O termo é uma junção das palavras inglesas costume, que significa fantasia ou figurino, e play, que pode ser entendido como jogo ou dramatização. 

Ícaro Rodrigues, mais conhecido como Ikki, é designer e produtor de eventos | Foto: Arquivo Pessoal

Ikki ressalta que “através da minha frequência de praticar cosplay, de ir aos eventos de cultura pop aqui na Paraíba, eu comecei a frequentar esses eventos. E por conta dessa minha frequência, por estar no meio desse pessoal, eu conheci muita gente e, através desses contatos, eu comecei a trabalhar com eventos e a produzir conteúdo sobre cultura geek”.

O Brasil é referência internacional em eventos da cultura nerd, reunindo centenas de milhares de pessoas, como é o caso da Comic Con Experience, a CCXP, promovida desde 2014. Na sua última edição, realizada em 2023, teve um público de 287 mil pessoas, durante os cinco dias da conferência. 

Na Paraíba, esses eventos já ocorrem desde os anos 2000, de maneira mais pulverizada, articulando diferentes segmentos de maneira isolada. Com o tempo, os eventos foram agregando distintas comunidades, como foi o caso da HQPB. Iniciada em 2008, a conferência oferece diversas atividades, como palestras, gincanas, apresentações musicais e desfile de cosplay.

Outro evento que começou a reunir uma grande quantidade de pessoas foi o Imagine Land. Em 2023, sua primeira edição reuniu 27 mil pessoas durante três dias de evento, no Centro de Convenções Poeta Ronaldo Cunha Lima. João Paulo Sette, um dos organizadores e que também fez parte da organização da CCXP até 2017, considera que a cultura nerd está inserida na cultura pop e do entretenimento, além de enfatizar que o sucesso desses eventos se dá por conta da grande admiração de seu público. Para ele, “quando a gente fala em cultura pop e entretenimento, a gente fala de pessoas que são apaixonadas por alguma coisa. Tudo que tem fanbase pode ser considerado cultura pop como um todo”.

Sette também destaca a posição estratégica da região, considerando a proximidade entre as capitais de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, o que proporciona um grande fluxo de pessoas, além dos importantes equipamentos culturais existentes em João Pessoa. “A gente escolheu João Pessoa não foi por acaso. Eu não escolhi João Pessoa porque eu sou daí [atualmente, Sette reside em São Paulo], não foi isso. A gente escolheu João Pessoa por vários motivos. Primeiro, a localização geográfica de João Pessoa é extremamente privilegiada, você tem o Centro de Convenções, que é o maior da região, tem o teatro que é o maior do país com uma estrutura sensacional, é a capital que mais cresceu, que mais cresceu o turismo, tem o projeto do Polo Turístico de Cabo Branco, que é um super projeto. E a gente teve o apoio público, o governador e o prefeito, todos eles entenderam o que a gente está falando”, destacou o produtor.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 25 de maio de 2024.