por Giovannia Brito*
A cidade de Cajazeiras, Alto Sertão do Estado, foi palco de um dos maiores atentados já registrados na história da Paraíba. Já passava das 21 h, do dia 2 de julho de 1975, quando uma bomba de fabricação caseira explodiu dentro do Cine Teatro Apolo 11. O barulho estrondoso do artefato acordou a população local, que tinha o hábito de dormir cedo. Saldo do delito: duas pessoas mortas e mais duas gravemente feridas e sequeladas.
O crime causou grande repercussão e passou a ser investigado pelas Forças Armas e pela Polícia Federal. Os resultados dos inquéritos nunca foram revelados, os motivos dos sigilos, decretados pelas autoridades policiais em torno do episódio, também não. Do ocorrido, o surpreendente e forte indício de que o atentado teve como alvo o bispo da Diocese, Dom Zacarias Rolim de Moura. As motivações para tirar a vida do religioso, detentor de harmônica convivência com a sociedade e líderes políticos locais, também nunca foram esclarecidas.
Aos que se debruçaram a investigar e pesquisar por iniciativa própria o delito, a asseveração, não mais o prenúncio, de que Dom Zacarias, era de fato a pessoa a ser vitimada, e o escopo não foi alcançado por uma série de circunstâncias e coincidências que os mais religiosos creditam a um milagre. Um artefato artesanal, colocado em uma pasta tipo 007, explodiu logo após às 21h, causando destruição no Cine Teatro, pertencente à Diocese de Cajazeiras. Com a explosão morreram, dias depois de serem socorridos para hospitais de João Pessoa, o soldado Altino Soares, conhecido por Didi, e Manuel Conrado. Outras duas pessoas ficaram gravemente feridas: Geraldo Conrado e Geraldo Galvão.
O bispo era um aficionado por cinema, frequentador assíduo do local, e sentava-se sempre em uma cadeira, já costumeiramente reservada a ele. A bomba foi colocada exatamente ao lado do seu acento. “Por uma série de coincidências, as perdas humanas e materiais não foram mais graves. Explicando melhor: nesse dia, a projeção da película foi suspensa cerca 15 minutos antes de terminar porque era velha e se partiu várias vezes. Isso fez com que os responsáveis encerrassem a sessão. Portanto, a plateia já se retirara. Na hora da explosão poucas pessoas ainda estavam no interior do cinema. Além disso, nessa data, Dom Zacarias não foi ao cinema, ele havia viajado ao Recife”, detalhou o escritor, sócio efetivo da Academia Cajazeirense de Artes e Letras, e do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, Francisco Sales Cartaxo Rolim. A sua ida à capital pernambucana ocorreu justamente com o intuito de procurar distribuidoras e alugar filmes para os cinemas da Diocese, e o Cine Teatro, que ele fundou.A bomba foi encontrada após o encerramento da sessão pelo soldado Didi, que junto com outros auxiliares, faziam a arrumação da sala. Em uma das cadeiras, ele se deparou com a pasta e dentro dela, um objeto retangular, que ele acreditava ser um gravador. Ao pegar, foi surpreendido por um grito de Manuel Conrado, alertando que ele estava com uma bomba nas mãos. Assustado, o soldado deixou o objeto cair. Isso foi suficiente para que o artefato explodisse, ferindo a ele e outras três pessoas.
“Nunca me dei por satisfeito com a falta de resposta que ficou por ser dada a esse atentado”, disse Francisco Cartaxo Rolim
Escritor detalha episódio em livro que traz reconstituição do atentado
Francisco Cartaxo é, até hoje, uma das pessoas mais dedicadas a ter pesquisado sobre o misterioso delito da cidade sertaneja. Sua dedicação a tentar esclarecer o fato, ou buscar um indício do que levou alguém a ameaçar a vida do religioso, rendeu o capítulo de um livro. Na obra “Do bico de pena à urna eletrônica”, escrito em 2006, no capítulo oito, “Atentado contra Dom Zacarias Rolim de Moura”, ele narra fatos do ocorrido, dedicando-se a uma reconstituição do episódio.
“Nunca me dei por satisfeito com a falta de resposta que ficou por ser dada a esse atentado, a negligência a se esclarecer todas as circunstâncias. Foi um fato gravíssimo, um atentado contra um bispo, e que resultou na morte de duas pessoas, e outras duas feridas. Questiono até mesmo o silêncio da imprensa paraibana”, analisou.
A madrugada do crime e os dias subsequentes ao atentado em Cajazeiras, que na época tinha cerca de 40 mil habitantes, foram de absoluta perplexidade, suspense, e medo que algo semelhante voltasse a acontecer. A população se perguntava quem poderia ter planejado e executado. À época o país estava sob o regime da ditadura militar, o que impedia que debates ou discussões abertas fossem travados com o intuito de desvendar ou a um viés que levasse a uma linha de investigação.
“O Brasil estava sob rigorosa censura aos meios de comunicação. A especulação se fazia à boca pequena, mesmo assim, com reservas. O episódio foi absolutamente inusitado para Cajazeiras e para o Brasil”, disse.
Descartar-se que o atentado contra a vida de Dom Zacarias, aos 60 anos de idade, tenha tido relação com a política da cidade, confrontos passados ou disputas internas de líderes que dominavam a região. “O crime não tem nenhuma raiz em debates políticos ou intrigas locais. O acirramento, por ventura, existente na política local, naquela época, era decorrência da presença na cena política do deputado estadual João Bosco Braga Barreto, do então MDB”, citou o escritor, revelando que o parlamentar chegou a ser apontado como suspeito. Todavia, essa suposição logo foi desfeita, levando em consideração a boa relação que ele tinha com Dom Zacarias.
Inquérito foi mantido em sigilo por anos
Passados 47 anos do episódio, nunca se descobriu os autores, motivação para atentar contra a vida de Dom Zacarias. Em 2018, o escritor Francisco Cartaxo teve acesso a peças do inquérito policial, instaurado logo após o atentado pela Polícia Federal e Forças Armadas. Os poucos documentos ainda existentes repassados ao cajazeirense, foram fornecidos pela Comissão da Verdade, instituída na Paraíba. Porém, as informações e dados guardados, até então, pouco acrescentaram. “Pouco se sabe dos resultados. Fragmentos do inquérito só vieram ao conhecimento público, após a instalação da Comissão da Verdade, criada na gestão da presidente Dilma Rousseff (2011-2016)”, lembrou.
Falecimento
O bispo Dom Zacarias morreu 17 anos depois da explosão da bomba. Informações que correm entre os moradores que vivenciaram o episódio na época, garantem que o religioso foi o único a saber da autoria do atentado contra sua vida. Entretanto, foi impedido de revelar por ter conhecido a verdade em segredo da confissão. O sigilo nesses casos é princípio fundamental para a Igreja Católica. “E Dom Zacarias sempre foi um obediente fiel e rigoroso até mesmo às normas emanadas da hierarquia, embora, às vezes, não concordasse integralmente. É isso que se deduz também da leitura da biografia Dom Zacarias Rolim de Moura, escrita pelo seu sobrinho, Helder Ferreira de Moura, sócio fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Helder Moura conviveu com o tio bispo na intimidade da família. Pois bem, nem mesmo ele, autor da única biografia, lançada do bispo, que dirigiu a diocese de Cajazeiras durante 37 anos, arrisca um palpite”, lembrou Cartaxo.